A esquerda nunca soube pra que serve a comunicação, por Israel do Vale

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Foto: Roberto Parizotti

Da Mídia Ninja

A esquerda nunca soube pra que serve a comunicação, que sempre negligenciou

por Israel do Vale

3º ENDC: antídoto contra a miopia da esquerda no campo da comunicação.

Quando muito, faz dela certo uso instrumental, não mais que pontual, como um apêndice de tudo o mais. Com a ilusão, talvez, de que os atos e os fatos falam por si.

Não falam. Porque os atos, no campo da política (não só a partidária) ou dos ativismos em geral, têm outro foco e outro papel; e os fatos, ora ora: quem conta um conto, aumenta (ou subtrai) um ponto –que o diga o contexto atual, na selvageria da mídia corporativista que se vive no Brasil.

Tive chance de falar sobre isso no ano passado, no Encontro Nacional de Comunicação da CUT. E peço licença aos que já me ouviram lá pra repetir uma provocação que ajuda a entender o que pretendo dizer. Quantos aqui são capazes de apontar um marqueteiro de esquerda? Um único, que seja. Que tenha feito mais que uma campanha numa capital e tenha alguma projeção nacional. Ou alguém acha que o dedo-duro João Santana é (ou era…) um marqueteiro de esquerda?

Marqueteiro, em essência, não tem ideologia. Vende a mãe à prestação, se for preciso, pra ganhar uma eleição –-e, claro, uma bolada aqui, outra acolá. Trabalha para um partido no almoço e pro seu oponente na janta. E negocia as informações que esconde numa campanha com a outra.

Desde Carlito Maia (“o homem/o mito” da campanha de Lula em 89, criador do slogan Lula Lá), o PT foi refém de marqueteiros sem qualquer compromisso com o campo progressista. Inclusive pela falta de mão de obra especializada nessa seara. Mas não adianta, também, olhar para a comunicação de campanha em campanha.

A esquerda adora falar em “quadros do partido”. Mas tem manifestado uma dificuldade crônica em formar pessoas para esta área.

Em parte, talvez, por uma visão excessivamente pragmática, que parte da ideia de que comunicação é algo que se compra numa gôndola no supermercado –não mais que uma forminha de bolo, pra dar forma “ao que de fato importa”.

As grandes agências de comunicação do país, que cuidam da imagem e estratégia de governos e governantes, atendem a direita e a esquerda. As agências de publicidade são praticamente as mesmas aqui e acolá. Os especialistas em marketing digital flanam de um canto a outro com desenvoltura. E eu falo aqui de gente muito competente, é preciso reconhecer. Mas sem compromisso com qualquer “causa” que não seja o próprio bolso.

Seria apenas um detalhe, se o que se vive hoje não fosse uma guerra de comunicação –essa disputa de narrativas que noveliza o noticiário pra incidir sobre a opinião pública, criminalizando uns e absolvendo outros.

A tragicomédia de erros da esquerda nesse universo se reflete na absoluta falta de entendimento da importância de que se invista em políticas de comunicação. Os secretários ou ministros de comunicação dos governos, nas três esferas do Executivo, não são mais que despachantes de verba de mídia. Vivem de negociar o silêncio e a construção da boa imagem do governo ou do governante com as grandes corporações de comunicação, que achacam de um lado para colher de outro. Não pensam estrategicamente. Não fazem política pública.

Sem uma estratégia de comunicação consistente e consequente, pensada como política pública, que vá além das demandas circunstanciais do governo de plantão, o jogo de forças dificilmente será reequilibrado.

Sem um ecossistema saudável, capaz de fazer valer a Constituição, de distinguir comunicação pública de comunicação estatal e de assegurar contrapartidas sociais das emissoras privadas pela exploração de concessões públicas, não haverá uma democracia de fato neste país.

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação dá sua contribuição para este debate de 26 a 28 de maio, no 3º Encontro Nacional pela Democratização da Comunicação, que vai reunir centenas de profissionais de todas as áreas na Universidade de Brasília.

É alentador notar que profissionais de outros campos do conhecimento (da educação, psicologia, engenharia etc) estejam engajados nessa reflexão. O FNDC tem cerca de 500 entidades associadas –15% delas, de âmbito nacional. A maioria sem atuação direta no negócio da comunicação. A edição anterior do ENDC, em 2015 em Belo Horizonte, reuniu mais de 700 pessoas de todas as regiões do país.

Num momento em que o campo progressista se reaglutina em torno de uma pauta comum e recupera a capacidade de levar milhões de pessoas para as ruas, é preciso amplificar o debate da comunicação como política pública.

A falta de percepção do cidadão médio de como a comunicação interfere na sua percepção e na sua visão de mundo é alarmante. E mesmo entre pessoas de ímpeto questionador, mais engajadas e esclarecidas, este é um tema difuso, que ainda não entrou no radar.

Que o digam as manifestações contra o golpe e, em seguida, a reação à tentativa do governo temerário de demolir a cultura em linha reta, acabando com o MinC. Símbolo de resistência, o meio cultural ocupou equipamentos culturais por todo o país. Mas quantos cartazes e quantas vozes se levantaram, nas redes, nas ruas ou nas ocupações, contra o desmonte do Ministério das Comunicações, na sua fusão com o Ciência e Tecnologia?

A proliferação de cartazes com o slogan “Globo golpista” ou o “Fora Temer” com o logo da emissora dos Marinho aplicado sobre a letra “o” são indicadores do incômodo das pessoas com o manejo dos meios de comunicação para assegurar os interesses das elites. Mas isso, por si, é perto de nada.

Qual o debate que nasceu disso? Qual a política pública (mesmo em estados governados por partidos de esquerda, como Minas Gerais, a Bahia e o Maranhão) capaz de reduzir a assimetria que se tem e criar um ecossistema de comunicação mais saudável, que prestigie blogs e sites, dissemine os Canais da Cidadania (TVs municipais, no sinal aberto, ao lado da Globo, da Record e etc, que cada cidade do país tem direito der ter) ou fortaleçam emissoras educativas e culturais, universitárias e comunitárias?

Depois de sair dos escombros, o campo progressista precisa espanar a poeira. E vai precisar olhar a comunicação de outra maneira. Nem que seja por instinto de sobrevivência.

ISRAEL DO VALE
 
Jornalista, com trinta anos de carreira. Membro do FNDC, foi presidente da Rede Minas e da Associação Brasileira de Emissoras Públicas Educativas e Culturais (Abepec) e editor-adjunto do caderno Ilustrada, na Folha de S. Paulo.

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Redação

8 Comentários

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  1. A esquerda e a comunicação

    Talvez por não ter cultivado, a esquerda não tenha marqueteiros. Conheço muito bem e sei do talento do Chico Malfitani. No entanto, este sempre foi relegado. De esquerda, batalhador e talentoso o Chico fez ótimas campanhas para o PT, mas nunca obteve o merecido apoio. 

    Jornalistas de esquerda são, na maioria das vezes, relegados. Tanto no Executivo como no Legislativo, a esquerda muitas prefere um profissional de redação, com a vã espertança de que com isso consiga apoio dos veículos onde este profissional travalhava. Erro crasso.

    E, com isso, grandes profissionais de esquerda são esquecidos. Talverz pela “síndrome de vira-latas” daqueles que poderiam e deveriam contratá-los. 

  2. A questão é que os jovens, em

    A questão é que os jovens, em sua maioria, são de esquerda, inclusive os da área de comunicação. Arriscaria até dizer que são mais de esquerda que outras áreas. Basta ir em qualquer curso de jornalismo ou mesmo de publicidade para verificar isso. O problema é que, desde muito cedo, esses jovens talentos já são assediados por empresas que vão enquadrá-los e doutriná-los ideologicamente. Imagine você, um jovem de 19 ou de 20 anos, já tendo um bom estágio numa empresa grande, às vezes até conquistando cargos, esse jovem irá deixar aqueles ideias de esquerda de lado e associará o mundo “adulto” aos ideias da direita. O seu próprio processo de crescimento pessoal, patrocinado por essas empresas, estará associado a esse “abandono da imaturidade” para essa suposta maturidade do mundo adulto e corporativo. 

    Talento nessa garotada na falta, o que falta é uma estrutura que os acolha. Ideologicamente estão mais próximos da esquerda, mas o problema é que a direita (dessa maneira corporativa, mas não exclusivamente assim) chega neles primeiro. Era preciso que todos os democratas, progressistas e a esquerda brasileira chamassem esses jovens para si, para que trabalhem em favor de causas progressistas, emprestando o seu talento e energia. Falta muito isso. O desconhecimento sobre comunicação da esquerda é algo absurdo. Dói ver bons memes gerados pela equipe de deputado, para lá embaixo ver: “logo do deputado” e o “nome do partido”. Memes não se espalham com esses tipos de indicadores, precisam ser neutros nesse sentido. E esse é só um exemplo. Desde o básico até o mais sofisticado a esquerda come poeira no que diz respeito à comunicação.  

  3. Mídia independente

    Tenho notado que a mídia independente tem alguns problemas. Análises nada profundas e várias vozes de pessoas despreparadas querendo ganhar sua voz replicando a mesma notícia inúmeras vezes.

    Sim a repetição faz parte da tática mas… tem seu limite.

    Nassif, seu trabalho é muito bom. Obrigada.

  4. Cegueira interna!…

    A esquerda não olha para dentro, com isso, relega e negligência dezenas de quadros partidários preparados!…

    A direção da Petrobras é um caso notório, especialmente no governo Dilma. Nomeou para presidir a empresa dois “cabeça de planilha”, sem política na cuca e/ou compromisso partidário. Estes, por pura omissão, devido a falta de compreensão política,  deixaram a narrativa construída pela Força Tarefa surfar. Não chamaram para si a gestão do processo, deixando a mesma no colo da presidenta.

    A direçaõ golpista da Petrobras, agora, faz parte da acusação contra os implicados em atos que ocorrerram fora da governança da empresa (sic). Estes, só foram descobertos por conta de uma denúncia ao MPF de um prejudicado no esquema, e, depois, por uma investigação policial. Não fosse isso, jamais o Brasil tomaria conhecimento desse milionário esquema de propinas, que, diga-se,  saiam dos cofres das próprias empresas implicadas, das suas bonificações bilionárias, em função dos contratos vultuosos que detinham..

    Temos também o excelente Chiquinho Cavalcante!…Outro preterido.

    A esquerda brasileira deixou de aprender com os bolcheviques!…

  5. A internet é tão “eficaz” que

    A internet é tão “eficaz” que empresas como Google e Netflix anunciam em cartazes nos pontos dos ônibus.

    Não é de hoje que eu e alguns outros defendem que deveria existir um jornal de esquerda – para fazer um contraponto perante os demais quando são pendurados num jornaleiro. A direita deita e rola com esses “panfletos” travestidos de jornais.

    O fato da internet existir e ser rica em informações não quer dizer que o sujeito irá espontaneamente procurar por determinadas informações. Ele precisa ser induzido a isso – daí o fato de Google e Netflix anunciarem numa das mídias mais antigas existentes – o cartaz.

     

  6. MAS O PT ESTÁ CERTO, NÃO PODE TER COMUNICAÇÃO!

    Por isso não tiveram a consideração nem de convocar a cadeia nacional de rádio e TV, pra informar ao eleitor o que significava o impeachment…

    Porque senão, não teria como se fartar de propina, pra entregar o governo de bandeja, e deixar vender o Pré-Sal! Estamos falando de uma fortuna de mais de 3 trilhões de DÓLARES. Confiram:

    http://democraciadiretabrasileira.blogspot.com.br/2017/02/como-enganam-os-pequenos-empresarios.html?view=flipcard

    1. Por isso não democratizaram a mídia!

      98% do povo, soube apenas o que a globo contou…

      Não tinham apoio, não havia maioria no congresso? Ora, mas como o Obama governou sem essa maioria? O Temer ensina, e dá lição ao PT:

      NÃO APROVOU O COMBINADO, PERDE OS MINISTÉRIOS E CARGOS!

      Simples assim…

  7. Sou da área de Comunicação e

    Sou da área de Comunicação e afirmo: mesmo que uma empresa, partido político, governo tiver uma equipe competente de Comunicação ela não fará milagre quando os  patrões se acharem os melhores estrategistas e intelocutores com o seu público-alvo.

    Trabalhei numa empresa de TI com este perfil. Acontecia algum problema e a Comunicação ia no sentido de ser rápida nos esclarecimentos com os clientes, mas os patrões nos podavam. Achavam que admitir um erro não era bom para a imagem da empresa. Ocorre que ignorar o erro dia após dias só fizeram os clientes perderem a confiança.

    Desde o golpe só leio análises sobre a falta de capacidadede comunicação do PT. Gente, foi um golpe, não uma eleição! Não esqueçam que Dilma ganhou a eleição. Este pessoal do golpe pega pesado, pagam bem seus articulistas para enganar e aflorar o ódio permanente ao PT. Nada barraria o golpe, a não ser que o povo entrasse em confronto com o poder com o apoio de alguma instituição forte. De resto, nem dou mais importância para análises que vão neste sentido.

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