A contraface do governo Trump, por Rogério Mattos

Caberiam aqui algumas palavras sobre o Jair? Me limito ao óbvio. Esse não tem bússola nem rumo, como já deveria estar mais do que evidente.

Como demonstrado pela artilharia pesada que Dilma sofreu da esquerda enquanto os setores golpistas articulavam sua deposição, o “ódio na política” nunca foi exclusividade da direita nem de suas versões “extremas”. A capa é sintomática a esse respeito: todos procuram por uma “boa imagem”. Caso ela esteja manchada, nem que seja pela calúnia criminosa, os setores mais fracos correm para buscar um bom meio de aparecer “bonito” no debate público usando táticas diversionistas diversas.

A contraface do governo Trump, por Rogério Mattos

Meu esforço atual nesse espaço é tentar qualificar um pouco mais o debate da política internacional. Como venho fazendo? Delimitando que existe uma facção bipartidária também chamada de “Partido da Guerra” e a facção trumpista, que não é um projeto dos republicanos, tampouco exclusivo da “alt-right”. É algo que venho trabalhando desde 2019, em séries de textos, mostrando como se o mundo atual não tivesse alternativas a além do velho e usual capitalismo (Bush/Obama e asseclas) e anarquia (vulgarmente, a “alt-right”, que ainda precisa ser melhor estudada).

O texto seguinte talvez seja o mais maduro dessa série (não sei se o mais importante). Contudo, no Brasil, devido à associação automática feita entre Trump/Bolsonaro, não se enxerga de forma alguma as fissuras ou as diferenças entre os dois, e se capitula terrivelmente, quase todo dia, às armadilhas do Império ou ao seu “soft power”. É necessário descer aos detalhes, sempre.

Quando a ingenuidade em política transfunde ódio

Analisar inúmeras variantes nos ajuda a compreender as relações de força tão pouco visíveis nas eleições norte-americanas. Toda crítica, e todas devem ser a mais dura possível, só é viável se baseada na análise mais ampla possível. A crítica verdadeiramente eficaz não é a das lacrações da internet ou feitas minuto a minuto através de fáceis comparações. A indigência da crítica aproxima o cidadão revoltado àquele repleto de ódio que aparece para a imagem pública como a do homem da extrema-direita. Nesse sentido, a ingenuidade e o ódio, isto é, a violência gratuita, se unem para formar outra imagem, a de uma intelectualidade pseudo-jacobina supostamente ilustrada.

Como demonstrado pela artilharia pesada que Dilma sofreu da esquerda enquanto os setores golpistas articulavam sua deposição, o “ódio na política” nunca foi exclusividade da direita nem de suas versões “extremas”. A capa é sintomática a esse respeito: todos procuram por uma “boa imagem”. Caso ela esteja manchada, nem que seja pela calúnia criminosa, os setores mais fracos correm para buscar um bom meio de aparecer “bonito” no debate público usando táticas diversionistas diversas.

 

Para ver de um ponto de vista mais amplo a situação política dos EUA, e não só a eleitoral, a mídia tradicional deve ser descartada, assim como todos seus repetecos, de centro, esquerda, direita, norte, sul, leste, oeste. Algumas figuras que jamais serão “trumpistas”, direta ou indiretamente, acabam por ajudar o presidente republicano desde as eleições de 2016 até agora.

Cito alguns nomes, como o The Intercept (o dos EUA) que continua a denunciar os crimes dos democratas; a Executive Intelligence Review, que faz o trabalho único de associar os serviços de inteligência britânicos com os dos EUA (a política de relações especiais iniciadas pelos dois países nos albores da Guerra Fria, com Churchill e Truman) e, por consequência de ambos com a mídia e com Wall Street e a City londrina; Ray McGovern (ex-CIA) e William Binney (ex-NSA) através do Consortium News; investigadores independentes como Pepe Escobar, Whitney Webb e Daniel Estulin, entre tantos; um professor com carreira acadêmica impecável e hombridade à toda prova (democrata histórico), o recém falecido Stephen Cohen; além da figura que irei destacar mais abaixo, a do general Michael Flynn.

Com esse conjunto de análises e analistas, ao lado dos casos mais conhecidos tanto de Julian Assange e Edward Snowden, se torna mais claro enxergar a contraface do governo Trump ou porque ele não é apoiado somente por supremacistas brancos e/ou por uma classe-média decadente, ou seja, pelo mesmo tipo de gente que no Brasil apoia Bolsonaro, assim como a guerra de ambos não é a mesma. O hacker e o vazador também desempenharam (não se sabe com qual grau de consciência) papel crucial para a chegada de Trump ao poder. Isso será explicado melhor.

Para dirimir possíveis dúvidas que ainda possam surgir, é importante deixar claro que a única parceria que deu certo na história entre Brasil e EUA foi o consenso com Washington estabelecido entre Vargas e Roosevelt. Houve uma tentativa na virada do século XIX para o XX com o último representante da facção de Lincoln no Partido Republicano, William McKinley, mas não foi nada mais do que sonhos escritos em folhas de papel [aqui].

Após o desmonte da União Soviética e o consequente caso chamado de “genocídio na Rússia”, após a invasão bárbara dos neoliberais, que levaram milhões à fome, ao suicídio, às drogas e, lógico, à morte, no Brasil se passou do consenso com Washington para o famoso Consenso de Washington. Era a ascensão do mundo unipolar. Mas ainda no governo militar, com sua mescla entre despotismo e social-democracia, todo e qualquer acordo posteriormente se mostraram como cavalos de Troia. Os vultosos empréstimos em moeda estrangeira feitos pela ditadura, são o legado que nenhuma Comissão da Verdade se dispôs a investigar e que comprometem ainda hoje a efetuação dos objetivos sociais da Constituição de 1988.

Não se trata, portanto, de apoio a Trump, como se ele fosse alguém a ser admirado. Não existe qualquer possiblidade de acordo com os EUA, tal como feito na era Vargas, nas próximas décadas ou até séculos, talvez. Trump não é um estadista e seu país não tem condições estruturais de realizar qualquer parceria “ganha-ganha”, com transferência de tecnologia, em especial. Colocar o atual presidente em sua posição específica dentro do conjunto de forças que regem os EUA e o imperialismo de um modo geral (onde a Grã-Bretanha e forças europeias ainda jogam papel crucial) não é uma questão de estar ao lado do progresso e desenvolvimento dos povos.

Ver o recuo que seu governo leva os EUA, induzindo talvez sem querer, à volta da regionalização das economias e à parcerias entre os blocos (o esboço disso chamado BRICS), é um ponto. Num caso de agora, por exemplo, a incapacidade dos neocons na atual administração de apertar o cerco contra o Irã, fez o país estar praticamente livre das amarras do tratado firmado sob administração democrata. O outro ponto, central, é que colocar os democratas no poder é saber que a facção produtora das guerras infinitas estará comandando a OTAN e os serviços de inteligência mais assassinos do mundo. Trata-se de uma questão de guerra ou paz.

Mas voltemos mais uma vez ao mito do velho homem branco! Era a época em que se criticava o FMI e, os mais radicais, o “imperialismo estadunidense”. O velho Bill, apesar de tudo, recendia a democracia, ou seja, era bem mais civilizado do que os Bush pai e filho. Sequer alguém se lembra que nesses longínquos anos 90 o genocídio grassava na Rússia, a Coreia do Norte passava por sua “árdua marcha”, Cuba enfrentava seu pior momento econômico pós-revolução e a América Latina inteira capitulava às privatizações, à dolarização de sua economia, e tinha de lidar com a intransigente abertura dos portos exigida pelo mundo unipolar.

E ainda tem o outro lado da história que não sei por qual motivo não desejam mencionar. O velho Bill se uniu aos Bush, a Obama. Talvez o ato sacramental foi quando o presidente que provavelmente mais matou na história dos EUA (o título é bastante disputado), o yupee do identitarismo, em pleno acordo com o criminoso de guerra John McCain, tornou lei o Ato Patriota.

Colocar o velho homem branco no poder, a direita civilizada e científica, não irá trazer sequer um momento de paz para os povos da América ibérica. Não irá trazer transferência de tecnologia. Pelo contrário, sua fala “a favor” da Amazônia, pode mesmo ser interpretada como um discurso pró-imperialista que vê o norte do nosso país como “território internacional”. Isso sem falar que o “morto muito louco” ainda ameaçou o Brasil com sanções econômicas…

Para se medir a gravidade da situação, quem fala não é nenhum trumpista ou simpatizante do Partido Republicano. Por que a voz única a favor de Biden? Por que não questionar ao menos isso?

 

Mais do que nunca deveria ser exigido o mínimo de postura crítica. A Carta Capital recentemente protagonizou um vexame jornalístico por causa dessa política de capitulação com a matéria “Governo Biden deve revelar papel dos EUA no impeachment de Dilma“. Trata-se de um deslocamento total da realidade, porque o golpe se deu sob o governo Obama, com Biden de vice e Hillary como Secretária de Estado. O golpista irá revelar como ele e seus amigos deram o golpe. E de livre e espontânea vontade!

Na mesma linha segue a insuspeita BBC Brasil, segundo a qual um HD com 43 documentos relativos a dez anos do período da ditadura entregues por Biden ao governo brasileiro seria o indicativo de uma postura mais amigável e transparente por parte da democracia americana. Claramente se trata de uma matéria com o mesmo tipo da Carta Capital, porém com conteúdo mais atenuado e, assim, mais cínico.

É igual a Globo que enquanto pedia perdão pelo apoio a ditadura, se instrumentalizava para participar de outro golpe de Estado. De perdão o Vaticano está cheio e os próprios pedidos de desculpas de entidades como essas são atos que exponenciam seus múltiplos crimes. Nesses casos, o pedido de desculpas é um ato criminoso.

Para fechar o balaio, um golpista de todas as horas, Thomas Shannon, que inclusive já se autodeclarou golpista, aparece nas páginas marrons do Valor Econômico para dizer que “o Brasil recuperaria estatura com Biden“. Numa conjuntura em que até a CNN é exaltada pela assim chamada Esquerda [aqui], Valor Econômico, BBC, Carta Capital e inúmeros dos outrora chamados “blogs sujos” se unem e fazem livres associações surrealistas, sem qualquer lastro da criatividade das vanguardas artísticas ou qualquer vestígio material para apoiar seu posicionamento, onde o velho homem branco irá ao final das contas vir nos ajudar a derrubar o demagogo de plantão que ora ocupa o poder.

É a pergunta que sempre surge: Ah!, mas e o Bolsonaro? E a gente tem que avançar um pouco o tempo histórico, das vanguardas do início do século ao teatro do absurdo do pós-guerra. Uma moça, não duvido que bem intencionada, se deu ao trabalho de pegar um discurso de Trump e substituir algumas palavras: Donald por Jair, Trump por Bolsonaro, Joe Biden / Biden por Fernando Haddad / Haddad, Partido Democrata por PT, democratas por petistas, China por Venezuela, América por Brasil, americanos por brasileiros. A partir daí, tudo se encaixa. Ela encontrou a fórmula mágica!

O que ela adjetiva como “discurso do medo” é usado pela mídia como o “discurso do ódio” que seria promovido tanto por Bolsonaro quanto por Lula. Por isso que a política de frente ampla tem tanto sucesso entre as camadas médias urbanas. Não vê qualquer nuance. Está mais preocupada com slogans, utopias e acordos inconfessáveis, do que fazer uma análise crítica e detalhada de cada caso.

Caberiam aqui algumas palavras sobre o Jair? Me limito ao óbvio. Esse não tem bússola nem rumo, como já deveria estar mais do que evidente. Quando se encontrou tempos atrás com o ongueiro e ambientalista Al Gore, fez questão de disponibilizar nossa floresta para uso estrangeiro. Pouco importa se esse uso será “sustentável” ou não. Mas o importante é manter as aparências, não é mesmo? A velha aparência do homem branco e bem educado. Chamem o grande Bill!

If you are a joke, vote for Joe

 

Todos os caminhos levam a Londres

Com todo respeito, defender Julian Assange já ficou muito fácil. Ele foi condenado à morte (é o que se quer fazer com sua atual prisão) não por causa do Wikileaks, mas por ter sido protagonista nas eleições americanas de 2016. Vou fazer uma retrospectiva sumária: o termo “fake news”, como já disse [aqui], nasceu do escândalo chamado Russiangate e somente depois derivou para o que hoje se fala a respeito do papel da Cambridge Analytica e Steve Bannon. Essa empresa e esse personagem, na narrativa da mídia americana, foram veículos da propaganda russa que ajudou a eleger Trump.

Por que os sabedores das manipulações das redes sociais jamais aludem ao pano de fundo macartista que ilustra a reação da mídia tradicional contra a “alt-right”*? Para falar francamente, o caso que gerou o termo “fake news”, foi a maior fake news da história desde as armas químicas do Saddam Hussein: o caso chamado de Russiangate. Quem é que conta a verdade, então?

(*uso esse termo ao invés de “extrema-direita” porque, seja a direita tradicional ou a “alternativa”, todos são liberais, uns de viés libertário e outros de corte conservador; a política de ambos, em todo e qualquer caso, é a de genocídio do social, e, portanto, “extremas”; também, e sempre, para não cair nos extremos da burrice, temos que ter bem mais cuidado ao usar o termo “fake news”)

No centro da “propaganda”, a mera revelação de que Hillary Clinton sabotou Bernie Sanders para ser a indicada de seu partido à disputa presidencial, jamais é mencionada, mas apenas a “invasão russa”. Ao soltar os documentos, Assange foi condenado à morte e não estava mais “sob custódia”, como quando se exilava em embaixadas mundo afora.

(em memorando recente com evidências forenses feito pelo VIPS (Veterans Intelligence Professionals for Sanity – ex-agentes de inteligência do governo americano), a exposição dos arquivos do Partido Democrata que revelaram a trapaça de Hillary não foi nem um “hack” (como diz a mídia), tampouco um mero “leak”. Alguém, bem brabo por ver a sacanagem que fizeram com Sanders, simplesmente botou um pen-drive nos servidores do Partido Democrata, baixou os arquivos e deu ao Wikileaks. Essa história vem sendo contada em todos os seus detalhes desde 2016 no veículo de comunicação do VIPS, a Consortium News)

Acredito que a partir desse ponto de vista fica um pouco melhor de entender o caso Assange, que já poderia estar liberto após ser custodiado em razão de seu amplo acordo com o hegemon midiático para revelar algumas verdades parciais. O australiano jamais foi um herói como certa propaganda quer pintá-lo, mas serviu a uma operação de inteligência relativamente complexa [aqui].

Quando se afastou demais da facção atlanticista ao mostrar um vazamento que derrubava uma das rainhas do partido, ultrapassou a linha vermelha adredemente desenhada para ele. Relativamente, não se afasta tanto do caso de Edward Snowden, envolvido não se sabe até que ponto e com qual nível de consciência na guerra recente da CIA contra a NSA [aqui]. Prefiro assim trazer um terceiro elemento para analisar com mais amplitude as movimentações do Partido da Guerra.

Um clássico não traduzido ainda para o português

 

O general reformado Michael Flynn, difamado e perseguido pela justiça dos EUA após ser nomeado por Trump, ainda antes das eleições, Conselheiro de Segurança Nacional, jogou um papel crucial junto a outro general, Martin Dempsey, em agosto de 2013, quando impediram Obama de seguir as diretrizes do Departamento de Defesa, isto é, lançar um bombardeio total na Síria, único meio encontrado, diversamente do caso líbio, de eliminar o “ditador” do país, Bashar Al-Assad.

Não só. Ainda como diretor da Agência de Inteligência de Defesa (DIA, em inglês), em 2012, denunciou os esforços malogrados de Obama na Síria, quando este tentou derrubar Assad com apoio saudita e turco, usando os terroristas da Al-Qaeda e Al-Nusra providos com os armamentos deixados por Muammar al-Gaddafi após este ter sido sodomizado e posteriormente assassinado em cena de entretenimento filmada para as tvs de todo o planeta. Não satisfeita, ao ver as imagens Hillary Clinton, parodiando o imperador romano Júlio Cesar, disse: “Nós viemos, vimos, ele morreu!”.

(Em 6 de outubro, o historiador britânico Niall Ferguson, em debate no Hoover Institution, disse que a imagem de um Biden “paz e amor” não será duradoura. Ele puxou o histórico do “morto muito louco” durante a Guerra Fria e viu que ele não foi nem um pouco bonzinho. Também lembrou que era grande amigo do McCain, um senhor da guerra constantemente lembrado pelos obamanóides e clintonóides. Pessoalmente, Ferguson disse que Obama “pegou leve” na Síria e que tem esperanças de Biden possa promover outras guerras democratas (suas palavras, e para serem usadas com toda a ambiguidade possível) e endurecer ao máximo com a China“We might be surprised by how hawkish Joe Biden could be in the right kind of crisis”.)

Flynn trabalhou junto ao Estado-Maior Conjunto, associado a países que intermediavam a comunicação entre EUA e Rússia (rotas à época de Obama), para fornecer informações a russos e sírios para lutarem em melhor posição contra os terroristas patrocinados por Obama e os serviços de inteligência britânicos. Foi também uma das fontes do jornalista Seymour M. Hersh, que expôs a cooperação visceral da presidência de Obama com a Turquia e os talibãs (aqueles que de terroristas comedores de criancinhas viraram “rebeldes moderados”).

Como foi narrado por Barbara Boyd, correspondente especial da Executive Intelligence Review, “entre as outras revelações extraordinárias feitas por Hersh estava que o Al-Nusra havia desenvolvido instalações para produzir gás sarin e outras armas biológicas e químicas, desmentindo a infindável e repetida alegação do eixo Londres/Obama contra Assad – de que ele estava envenenando seu próprio povo”.

O “detalhe” a ser destacado é a política de relações especiais entre EUA e Grã-Bretanha, iniciada com o famoso discurso da Cortina de Ferro, feito por Churchill. Ali não só se inaugurou a Guerra Fria, como, através da cooperação dos serviços de inteligência dos dois países, se iniciou a formação imperial atual, resumido na expressão “British brain, American brawn” (a continuação seria “and Russian blood”, o que vem bem a calhar). O famoso “Steele dossier”, do agente do MI-6 britânico serviu de embasamento para o Russiangate. O mesmo agente participou do infame caso Skripal, digno dos momentos mais dramáticos de uma Guerra Fria, fora a ingerência britânica nas acusações variadas a respeito de Assad e, mais recentemente, na tentativa de culpabilização da China pela coronacrise.

City de Londres e Wall Street são praticamente acrônimos desse conjunto muito mais amplo de cooperação anglo-saxônica. Sim, como você, eles também apoiam Biden.

Contudo, o que Flynn já fez enquanto militar e divulgou como informação para o mundo foi tão importante quanto não noticiado pela mídia, ao contrário de Assange, com acesso a todos os órgãos de comunicação imperialistas desde que lançou o seu projeto de “leaks”. Ambos são vitimas de injustiças, é óbvio, mas por motivos diametralmente opostos.

Através de Flynn dá para se ver a contraface do governo Trump. Logo após a vitória eleitoral do republicano, o general foi defenestrado do cargo por ter conversado em dezembro de 16 com o embaixador russo sobre uma possível redução das sanções comerciais americanas. Nada demais, nada de novo também: quem busca a paz sofre sob o cutelo da injustiça. E não só: Flynn hoje poderia estar no lugar de Pompeo, pois era o preferido de Trump, que teve de ceder.

O conluio da sociologia vulgar com a mídia tradicional

Joe, Hillary, Obama: demos sempre ao lado dos terroristas, fantasmas que eles próprios criaram em conluio com republicanos, algozes que patrocinaram. “Yes we can”: sim, a direita civilizada e científica pode tudo e todos os seus crimes, como os dos tucanos no Brasil, são colocados sob a noite escura.

 

Mas não se quer heroísmo, somente o mínimo de dignidade. Sei que é difícil num país tão degradado em todos os aspectos, por décadas, como os EUA. Em linhas gerais, Trump parece seguir orientações como as de Henry Kissinger: distender as relações com a Rússia e aumentar a pressão com os chineses, isto é, nada mais distante de uma política que busque de fato a soberania e o desenvolvimento nacional. Contudo, Trump parece que tem uma espécie de vida própria: ora se aproxima da China e busca diálogo, enquanto em outros momentos segue as diretrizes à risca das sinistras forças simbolizadas por Kissinger.

Trata-se de uma personalidade instável, egocêntrica mas não necessariamente “autoritária”, como se gosta de dizer por aí. Aliás, por que Greta Thumberg (que aliás deu seu entusiástico apoio a Biden), em seu fanatismo ambientalista e suas previsões apocalípticas, ou Hillary Clinton com sua exacerbada russofobia, são vistas com bons olhos pelos “democratas” mundo afora? Quem deseja impor o quê a quem? Ou por qual razão Obama com suas bombas humanitárias e rebeldes moderados jamais deixou de ser um “democrata”?

A sociologia vulgar que usa esses conceitos como os de “populismo” e “autoritarismo”, não quer e não deseja enxergar fatos muito básicos. Os dois termos parecem duas faces da mesma moeda, de fato são quase indiscerníveis em seu uso hodierno. Servem, portanto, mais para confundir que para esclarecer. E a quantas confusões, aqui mesmo no Brasil, essa vulgar sociologia já não nos levou? Mas isso seria assunto longo demais para ser aprofundado agora.

Contornando a teoria tão cheirosa quanto fajuta, prefiro utilizar de um instrumento bem rudimentar. O historiador, desde o advento das “ciências do homem”, se tornou cada vez mais o homem da autópsia, isto é, aquele que vê e analisa os documentos. Foi basicamente o que fiz até aqui, ao levantar informações, compará-las, analisá-las e remetê-las às fontes.

Ao contrário do primado do olho como na historiografia de Tucídides, a abordagem de Heródoto é bem mais sofisticada. Ele sempre distingue aquilo que viu com os próprios olhos, o que ouviu de histórias que outros viram, e o que ouviu que alguns ouviram de terceiros. Às vezes me parece que o problema foi terem achado que Heródoto, por ser mais sofisticado e trazer aspecto não só meramente políticos para a sua escrita, ele seria menos “político” do que Tucídides. Mas esse é outro assunto que abordei em texto menos bárbaro do que esses artigos de conjuntura que escrevo [aqui].

Vou começar pelo terceiro nível herodotiano, histórias de terceiros contadas por um interlocutor (a informação também pode ser comparada com informe similar feito por uma fonte aberta, em publicação recente). Quem narra é Pepe Escobar:

“Quatro anos atrás, entrei em contato com fontes importante em Nova Iorque que adiantaram o resultado da eleição pelo menos 10 dias antes do fato.

Um deles, um magnata dos negócios de Nova Iorque íntimo de diversos Mestres do Universo no controle de Wall Street, mais uma vez vai para a jugular:

‘O Deep State governa tanto republicanos quanto democratas. Trump tem que trabalhar dentro do sistema. Ele sabe isso. Sou amigo de Donald e sei que ele quer fazer a coisa certa. Mas ele não está no comando. Ele certamente quer ser amigo da Rússia e da China. Ele é um empresário. Ele quer fazer acordos com países, não combatê-los. Estávamos entre aqueles que definiram as principais características de sua campanha em 2016: parar com as fraudes que destroem as indústrias domésticas, parar a imigração ilimitada que destruiu os salários das classes mais baixas, e encorajar a distensão com a Rússia e a China. Praticamente nada aconteceu em quatro anos’.

Ainda assim, acrescenta outro jogador de Nova Iorque, “Trump faz 90% do que eles querem de qualquer maneira. Melhor manter um vilão no topo para culpar e manter os peões rodando em círculos’”.

Nada aconteceu, de fato, em relação à política econômica do país. Desde o caso Russiangate, Trump trava uma luta interna com as agências de inteligência. A censura recente do Vale do Silício em relação a matéria que colocava Biden em maus lençóis, parece uma reação tímida frente à captura da NSA por Trump. Todos os documentos relativos à “invasão russa” das eleições de 2016 estão sendo desclassificados e, assim, tornado públicos.

Esse fato expõe o lado político das gigantes de software. Ao lado de Wall Street e da mídia hegemônica, Biden conta com poderosos apoiadores. Mas o relato de Pepe Escobar tem muito mais nuances. Aqui é importante a aplicação do método crítico.

A última frase destacada está assim em inglês: “Better to keep a villain at the top to blame and keep the proles running in circles“. A palavra-chave é “proles”. Ela indica tanto a confusão que causa nos movimentos de esquerda (dentro e fora dos EUA), que fazem os proletários ficarem rodando em círculos, quanto à tática diversionista que todos que não conhecem as engrenagem mais sutis dos poderes em Washington acabam por cair. São todos peões ou “baixo clero”, não importa se as classes-média de um modo geral, profissionais liberais ou operários, incapazes de compreender em conjunto as diversas relações de poder em jogo.

A abordagem crítica nos leva a uma dificuldade a mais, relativa a tessitura mesma das narrativas de Pepe Escobar. Em primeiro lugar, para atingir um público mais amplo, ele se utiliza de uma linguagem quase taquigráfica. Na passagem destacada, ele mostra Wall Street bem contente com o governo de Trump. De fato, ele encheu os bolsos dos magnatas. eles não tem motivo para reclamar. Assim, temos que voltar à estrutura onde se insere o governo Trump.

Se existe uma guerra interna contra os serviços de inteligência, ele trava uma guerra indireta, porém não menos desgastante, com o chamado “complexo industrial-militar” (me aprofundei um pouco sobre isso aqui). Então, claramente, a mensagem do “insider” de Wall Street aparece em seu verdadeiro cinismo. O “muito pouco” que ele fez em relação à Rússia foi retomar os diálogos entre os militares dos dois países.

Isso impediu uma catástrofe de fato nas duas “intervenções humanitárias” da OTAN na Síria, não permitiu a escalada do conflito iminente após o assassinato de Soleimani e jogou como mais um fato qualquer do noticiário cotidiano o bombardeamento do porto de Beirute. Trump cumpriu o seu papel, dando a resposta requerida pelo Partido da Guerra, e o alto comando das Forças Armadas cumpriram o seu. É essa alta oficialidade junto a setores da inteligência que compõe um dos pontos de apoio do governo atual no contrapeso à política agressiva incitada pelos neocons.

A inclinação para o diálogo com a Rússia e com a China, relatado quase como um fator menor pelo informante de Pepe Escobar, tem sido fundamental para os EUA, desde Nixon, não terem lançado campanhas militares abertas e pelo início de um processo de desmobilização das tropas no estrangeiro, ainda que seja praticamente inviável desmontar as ações encobertas sob comando da CIA.

Pepe Escobar se utiliza dessa forma taquigráfica de comunicação (em suas entrevistas fala sobre isso abertamente, e não esconde a contrariedade por ser obrigado a ser tão breve), porém existe um fator a mais, o da imagem pública. O peso das críticas ao Partido Democrata é desproporcionalmente maior do que a Donald Trump (o Partido Republicano não costuma entrar nessas considerações). Assim, por negação (não aos democratas), infere-se que ele seria “trumpista”.

Nada mais errado. Até porque, como a sociologia se esmera em definir, não é fácil se caracterizar um lulista, ou seja, alguém que já está mais do que enraizado no imaginário nacional. O lulismo ainda é uma hipótese a ser provada, porque ao seu lado existe o maior partido de esquerda do Ocidente, o que tende a contrabalancear a imagem do “líder carismático”.

Seria até uma pergunta interessante: Boulos é lulista? Pela sociologia vulgar, provavelmente sim. Por fazer parte de uma corrente “chique” da esquerda, a lava-jatista e caetânica, e por só de modo indireto remeter a algum tipo de movimento social, seu lulismo seria “transversal”, por estar num partido que trabalha incessantemente desde sua fundação contra a “hegemonia petista”. Não é fácil trabalhar com conceitos tão molengas.

Mas aí acusam o Pepe de trumpista. ele diz que as opções nos EUA estão entre o inferno e o inferno, mas por qual motivo se empenha tanto em denunciar os criminosos desvios dos democratas e suavizar a imagem de Trump? Sem querer, claro, acaba por estar bem mais próximo do republicano do que do democrata. Afirmar isso explicitamente? Jamais!

Stephen F. Cohen: por uma política de détente entre as potências mundiais

Russofobia!

 

E isso faz parte da imagem pública, da manutenção de contatos e da audiência, etc. Por isso tenho que invocar aqui a imagem derradeira, a do recém falecido professor Stephen Cohen (sua esposa escreveu um bonito obituário no The Nation). Estudioso da Revolução Russa, da história da União Soviética, professor emérito de Princeton e da Universidade de Nova Iorque, democrata histórico com longa experiência na Rússia e com os russos, levou quase até a sua morte uma série ininterrupta de podcasts com John Batchelor, chamado Tales Of The New Cold War.

Dois anos atrás publicou o livro chamado War With Russia?, uma compilação das transcrições de suas falas no podcast entre 2014 (quando se iniciou, na esteira do Maidan, isto é, no ato mais pungente, e talvez inaugural, da Nova Guerra Fria) até quase a data da publicação do livro (cinco anos de registros). Acompanhei desde 2016 nessa nova espécie de programa radiofônico em plataforma digital, e foi presença marcante em inúmeros posts que fiz em meu blog desde que o iniciei. Na verdade, desde a publicação que acredito que inaugurou o blog, Sobre a guerra que se aproxima. Ali se pode ver com detalhes a aproximação apocalíptica, em 2016, do Partido da Guerra dirigido por Obama a favor de uma guerra a todo custo contra a Rússia.

A posição de Cohen é ilustrativa de um tipo de apoio que Trump obtém, mas que está bem distante das usuais entre o Partido da Guerra (que o odeia) e Wall Street (que bota seu dinheiro nele por apostar nos dois lados; isso ainda deixa Biden, com folga, como o candidato que mais recebe recursos da banca financeira).

Se a proximidade com Steve Bannon, com sionistas, além de um sem número de negócios que o envolvem com elementos escusos do empresariado internacional – até a máfia ou os oligarcas russos -, o colocam como representante da “alt-right”, ou seja, “terra e sangue” ou os que perderam a II Guerra, o velho dinheiro europeu numa alternativa ao dinheiro novo da banca financista [aqui], por outro lado, a preocupação com a escalada sem precedentes da OTAN e do aparelho de guerra irregular da CIA cujo alvo principal sempre foi a Rússia (“Russiangate” não é por acaso), uma outra escala de “apoiadores” se apresenta.

O professor Cohen, nos podcasts acima mencionados, sempre era indagado por John Batchelor (âncora do programa) sobre qual sua real posição em relação a Donald Trump, o que o fazia medir bastante as palavras. Mas não deixava de ser claro. Dado o cenário de Guerra Fria, super quente, com o caso da Ucrânia e da Síria, levando a um nível de tensão entre as duas potências nucleares que Cohen acreditava ser pior do que a da Crise dos Mísseis (pior militarmente e ainda mais nefasta por não ser noticiada em qualquer mídia, ao contrário da época da Cortina de Ferro, onde a preocupação era pública), era inviável o apoio aos democratas, ou seja, a Obama.

Pelo simples fato de se inclinar para conversações com os russos, o professor, apesar de colocar todas as críticas possíveis ao governo Trump mas, mais ainda, às profundas limitações políticas internas dos EUA, quase relutantemente mas sempre de forma muito consciente, não via alternativa, dentro do quadro estabelecido, a não ser se inclinar a favor de Trump. Não era questão partidária ou de gosto pessoal em relação ao mandatário, mas um posicionamento coerente com a política que buscou em toda sua vida de acadêmico e de militante, isto é, a de détente entre as duas potências nucleares.

Essa é uma posição explícita, apesar de ser pontuada com inúmeras nuances que só pegando os arquivos do podcast ou a reunião das transcrições lançadas na forma de livro pode nos dar um panorama mais amplo. Assim, posso agora qualificar melhor as inúmeras referências que elenquei no início do artigo que, direta ou indiretamente, acabaram por trabalhar a favor de Trump. Vamos lá.

Começo pelo órgão de imprensa mais famoso, contudo bem pouco falado no Brasil até a Vaza-Jato (e que eu me referi inúmeras vezes nesses 4 anos de blog), o The Intercept. Uma busca em minhas matérias mais antigas [aqui], escrevi o seguinte: “No dia 22 de janeiro [de 2019], a The Intercept publicou um vídeo onde reitera seu posicionamento anti-Trump, porém pede para que as pessoas considerem que, sem ele, talvez não haja no horizonte mais próximo solução para a política de guerras infinitas dos EUA. O título do vídeo é o seguinte: “Donald Trump é um mentiroso – mas talvez ele possa representar o fim das guerras eternas dos EUA”.

Foi claro o posicionamento editorial do site a respeito das “invasões russas” e continua até o dias de hoje após a revelação de negócios escusos da família Biden na Ucrânia, algo que não foi só excluído dos principais meios de comunicação, assim como foi alvo de censura por parte do Facebook e Twitter como supostas “fake news”. Além do caso conhecido de Snowden, o portal também teve a primazia na publicação dos documentos que mostraram Obama como o “assassino das terças-feira”, isto é, como se matavam pessoas ao redor do mundo, com drones, por supostas suspeitas de serem terroristas. O Intercept mostrou qual era o jogo de PlayStation que Obama jogava.

Passo rapidamente ao Consortium News e os VIPS, que não se inclinam como favoráveis a qualquer partido político, mas que jogou papel fundamental no desmascaramento da histeria russofóbica através de seus memorandos com evidências forenses.

Os analistas independentes: Pepe Escobar tem o projeto ao estilo Décadas da Ásia de ser um dos pioneiros na cronística do Novo Mundo aberto pela Nova rota da Seda. O projeto foi abortado com a coronacrise, mas esperamos que possa voltar o quanto antes. Ao se inclinar para a China e Rússia e denunciar veementemente os crimes democratas, por mais que nunca irá se posicionar a favor de qualquer candidato, também trabalha por uma política de détente.

Passou também rapidamente pelos trabalhos de Daniel Estulin e Whitney Webb. O primeiro não pode ser considerado como simpatizante da China. Em sua visão, a predominância chinesa na economia representará a mudança do atual paradigma pós-industrial para o transindustrial, com a robotização, digitalização e vigilância massiva da população. Parece saudosista do mundo industrial propriamente dito e da autonomia individual das pessoas. Ele se insere no horizonte de utopia de uma economia dirigida pelo Estado como na União Soviética, conjugado com as liberdades civis norte-americanas.

Webb, por sua vez, é craque em antecipar alguns planos das elites do Atlântico norte através de um meticuloso trabalho investigativo. Em seu posicionamento pessoal, mostra-se bastante cética em relação a ambos os candidatos à eleição americana. É niilista à sua maneira, porém sem deixar de acreditar na boa e esclarecida luta política. Destaco um de seus últimos textos, onde denunciou os planos para um golpe militar nos EUA em caso de vitória republicana [aqui].

Todos esses atores, e poderiam ser elencados muitos outros, seja ao denunciar as políticas da City de Londres e Wall Street, as movimentações do Partido da Guerra e seus vínculos com o consenso bipartidário e as agências de inteligência – entre tantas outras coisas mais – acabam por empurrar para a neutralidade, para o esvaziamento de toda a campanha da mídia tradicional a favor do velho consenso estabelecido no mundo unipolar, aquele que se estabeleceu na virada dos 80 para os 90 após o fim da URSS. O que os une é o mesmo princípio defendido explicitamente pelo professor Stephen Cohen: a necessidade de uma política de détente, de fim da política de Guerra Fria, do neomacartismo, que jamais acabou.

Aliás, não é porque “o Ocidente venceu” no 90 que as tensões das décadas anteriores simplesmente desapareceram. Pelo contrário, nos últimos anos elas só aumentaram em graus de intensidade jamais vistos ou imaginados.

Trump, nesse sentido, aparece nu. Prefiro expor esse caso não com observações pessoais, mas com o relato de um amigo. É o segundo nível de investigação (histor), como expus logo acima acerca de Heródoto (em contraposição `narrativa de Pepe Escobar, que estaria no terceiro nível; não há hierarquia de valor entre os três níveis; o que dá valor é como se compõe a história narrada; com isso, fico pessoalmente feliz por passar por essas três etapas básicas nesse avaliação de conjuntura um pouco mais extensa que a habitual).

Ele me disse o seguinte: Trump demonstrava sua não rara predisposição para o diálogo. Estava agendada uma reunião de cúpula para este ano, presencial, e ele se movimentava para reabrir as negociações com a China depois de ter “jogado duro” com eles (algo bem típico, como ocorreu tempos atrás com a coreia do Norte). Quando despontou a coronacrise, houve uma convenção dos republicanos e a palavra de ordem, sob a ameaça do “vírus chinês”, da campanha anti-China para impulsionar sua campanha. E Trump embarcou na euforia, como também é de costume.

Ao lado da exposição dessa costumeira oscilação emocional de Trump, coloco trecho do relato trazido por Pepe Escobar: “Trump tem que trabalhar dentro do sistema. Ele sabe isso. Sou amigo de Donald e sei que ele quer fazer a coisa certa. Mas ele não está no comando. Ele certamente quer ser amigo da Rússia e da China. Ele é um empresário. Ele quer fazer acordos com países, não combatê-los”. Em resumo, o que separa Trump de todo e qualquer democrata, além da fação bipartidária da guerra e os neocons do Never-Trump, é uma intuição um tanto vaga sobre querer “fazer a coisa certa”.

Em nosso mundo, isso se traduz no não impulso para as guerras quentes, enquanto os democratas (e todo o círculo que entrará no poder com o “morto muito louco”), tem na cabeça apenas guerra, guerra e guerra. com um governo democrata, o assassinato de Soleimani rapidamente descambaria para um conflito quente; também o caso dos mísseis israelenses em Beirute ou mesmo na reação americana às supostas armas químicas de Assad. Uma liderança não inclinada para a guerra, conseguiu esfriar rapidamente eventos desse porte. Lembre-se que Trump foi dormir quando o mundo inteiro esperava seu pronunciamento após a resposta contundente do Irã que seguiu ao assassinato do general.

Essa conversa poderia se estender infinitamente tamanha as nuances que ela comporta. O que não se pode aceitar é a atitude acrítica em relação aos democratas (atitude às vezes eufórica), muito menos o mero niilismo que, por negação, acaba igualando políticas diferentes. Só uma última palavra: a charge abaixo ilustra bem o destino de Trump se embarcar com força na campanha anti-China. Fortalecerá o eixo eurasiático.

Alguém ainda poderia se perguntar: mas e a Venezuela? Os elementos pró-guerra no governo dos EUA tentam por guerras irregulares e indicam uma guerra formal uma mudança de regime no país. O dado concreto é que a aliança militar entre Rússia, China e Irã foi consolidada por Maduro. Trump não quer uma guerra quente e é improvável que tente transformar a Venezuela numa nova Líbia ou Síria – o sonho dos democratas.

Esse texto provavelmente foi escrito para não ser lido. Por sua extensão, pelo seu tema e também por inúmeras dificuldades que ele pode provocar no leitor comum, saturado de informações dos conglomerados financeiros-midiáticos internacionais, com penetração em publicações de todos os espectros políticos. Mas, para quem conseguiu superar essas sinuosidades e as inclinações do caminho que percorri até aqui, que pelo menos uma opinião mais abalizada, mesmo para continuar a defender o Partido da Guerra, se consolide. O excesso de ingenuidade redunda na ignorância e essa no ódio. Que se tenha uma discussão um pouco mais racional, como temos precisado nos últimos tempos, mais do que nunca.

 

PS 1: Existe uma ausência de espaço no Brasil para textos mais analíticos que tangenciam as análises de cunho mais informativos, conjunturais, com as que flertam com a escrita de tipo acadêmico, preocupada, nos melhores casos, com analisar situações a partir de seu conjunto ou, não sei se uso a melhor expressão, de forma estrutural. Não pude fatiar esse texto e publicá-lo em partes separadas. Era imperativo a análise de todos os aspectos como pertencentes a uma só narrativa e que as comparações fossem feitas de forma intensiva, e não seccionadas em partes que serão lidas por uns e não por outros (o que não permite a leitura do quadro como um todo).

Além do mais, da sátira que às vezes uso em textos sérios, os contornos metodológicos que sugiro, as inúmeras interrupções e reaproximações em que o texto é trabalhado, apontam, mais do que para o problema da extensão, para o problema da necessidade de uma nova linguagem para dar conta dos processos dramáticos que vivemos atualmente. Esse é um dos aspectos do que poderá ser no futuro uma nova arte da política, já que, dizem, a arte já está demasiado politizada. Quem dera essa última afirmativa fosse, em sua plenitude, verdadeira.

PS2: Para obter informações de primeira mão ou que simplesmente não saem na mídia de esquerda ou direita, participem do grupo Circuitos Contemporâneos, criado por mim no Facebook (clique aqui).

Redação

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador