Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Com João de Deus, Manchinha e bonapartismo de Bolsonaro, Globo aperta os nós para 2019, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Depois de décadas de controvérsias, acusações de assassinato, pedofilia e abusos sexuais, repentinamente “a verdade bateu à porta”, como disse Pedro Bial, e seu programa deu a partida para a caça ao médium-celebridade João de Deus, com atualizações diárias que já rivalizam com a meganhagem também diária das prisões da PF nas telas. Sabemos que para o jornalismo da Globo não basta apenas a verdade “bater a porta” – é necessário a “verdade” ter timing e oportunismo dentro das estratégias políticas da emissora. Soma-se a isso a também repentina indignação e atualizações diárias sobre o espancamento e morte do cão “Manchinha” em um hipermercado em Osasco/SP, uma notícia que na paginação tradicional dos telejornais seria colocada no bloco das notícias diversas. Tudo na semana do vazamento de movimentação atípica de dinheiro na conta de assessor de Flávio Bolsonaro, pressão da grande mídia por explicações e a resposta “bonapartista digital” de Jair Bolsonaro na sua diplomação no TSE: “o poder popular não precisa de intermediação”, apostando nas novas tecnologias para governar o País sem a grande mídia. Fala-se que a Globo “não dá ponto sem nó”:  quais nós a TV Globo está apertando para 2019 com essas “anomalias” jornalísticas no final do ano?  

Esses últimos dias que culminaram com a diplomação da chapa Bolsonaro/Mourão pela Justiça Eleitoral, foram marcados por inúmeros lances de xadrez midiático. Traçando de antemão as estratégias do tabuleiro do jogo político do próximo ano.

Em primeiro lugar, aquilo que mais chamou a atenção: a repentina e feroz investida dos canhões do telejornalismo da Globo contra o médium-celebridade João de Deus. Poucas vezes se testemunhou um ataque tão violento e sistemático contra um alvo – descontando-se, claro, as investidas do consórcio judiciário-policial-midiático que vem sustentando nos últimos anos a presença diária nas telas da meganhagem da Polícia Federal no âmbito da Lava Jato.

Sabemos que esses irruptivos ataques, em geral, são atos de vingança quando algum interesse da Globo é atingido. Como, por exemplo, as denúncias de Nicéia Pitta em rede Nacional no Globo Repórter acertando em cheio seu ex-marido Celso Pitta em 1999 – a ´prefeitura havia barrado na Justiça a final do campeonato brasileiro no meio da semana à tarde, derrubando a grade de programação de final de ano da emissora (clique aqui). 

Ou quando, no início da administração Doria Jr. (o “queridinho” da Globo naquele momento), em São Paulo, dezenas de caminhões-caçamba ocuparam o Viaduto do Chá contra uma decisão da prefeitura. Ato contínuo, o telejornalismo global disparou uma série de matérias figurando os motoristas como contraventores e baderneiros (clique aqui).

Denúncias de Nicéia Pitta em 1999 no Globo Repórter: a verdade com timing de vingança

 

A verdade “bateu a porta”

Tudo começou com o programa “Conversa com Bial” na sexta-feira (07/12) entrevistando a coreógrafa holandesa Zahira Lieneke Mous – a única mulher que aceitou mostrar o rosto e denunciar com detalhes os abusos sexuais cometidos por João de Deus. O making off do programa informa que a apuração levou “três meses”, ouvindo-se dez depoimentos de vítimas. No início o propósito era um programa com João de Deus no formato talk show– dentro dos cânones do chamado “infotenimento”.

Mas “repentinamente” mudou quando a produção “esbarrou” em denúncias de abuso sexual e “começou a correr atrás da história”. Obrigando a reformatar totalmente o programa com a presença dos depoimentos da holandesa Zahira e da americana Amy Biank – sem banda, plateia e reduzido número de técnicos no estúdio.

Desde o dia sete, diariamente, todos os telejornais nacionais da emissora vêm sustentando a suíte jornalística, com direito a imagens de repórteres indo ao encalço do médium na sua residência. Previsivelmente, o Ministério Público de Goiânia quer entrar no show, com uma célere “força tarefa” para também tomar depoimentos – previsível, dentro da atual “linha de passe” Justiça/Globo.

Qual a surpresa? Há décadas João de Deus é uma figura, no mínimo, controversa: acusações e julgamentos em torno de assassinato, atentado ao pudor, assédio sexual, pedofilia e contrabando de minério. Por que só agora? João de Deus é muito poderoso e intimida a todos? Nos últimos tempos o jornalismo da Globo esteva muito ocupado em derrubar um governo e turbinar a Guerra Híbrida brasileira?

No caso da TV Globo, nada é por acaso e nunca dá um ponto sem nó – seu jornalismo sempre foi regido pelo senso timing e oportunismo, e não pelo senso do dever jornalístico de Pedro Bial: para Bial, ele é “jornalista”, e o seu “talk show que procura refletir a realidade e seus fatos não pode deixar de receber a verdade quando ela se apresenta. E a verdade bateu à nossa porta”.

A verdade “bateu na porta” de Bial: qual era a oportunidade e o timing?

Bonapartismo digital

Para além de toda a justa indignação de dezenas de vítimas de abuso pelo médium-celebridade em, no mínimo, 30 anos, é necessário refletir sobre a repentina e feroz investida contra um notório charlatão. 

Paralelo a tudo isso, a Globo repercutiu vazamento da coluna de Fausto Macedo do Estadão sobre a movimentação atípica de dinheiro na conta de assessor de Flávio Bolsonaro – deputado estadual e senador eleito, filho mais velho de Jair Bolsonaro. Investigação da Operação Furna da Onça do MPF realizada no mês passado, mas só AGORA vazada.

Denuncia que atingiu em cheio o clã Bolsonaro, fazendo o futuro ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni, ser grosseiro com repórteres e o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, dar às costas aos jornalistas que cobravam um posicionamento. 

Depois dos sete minutos do escândalo no “Jornal Nacional” e de a revista Exame manchetar que Bolsonaro seria diplomado “com patrimônio familiar sob suspeita”, a resposta do futuro presidente foi rápida no seu discurso na cerimônia do TSE: “O poder popular não precisa mais de intermediação. As novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o seu leitor e os representantes”. 

Uma afirmação rica em consequências tanto para a ciência política (um bonapartismo civil digital? – “bonapartismo civil”: tipo de governo em que o Poder Legislativo perde força e o Executivo se fortalece através do culto à personalidade) quanto para o campo da cibercultura – de como o tempo real das redes digitais é uma ameaça à democracia representativa – tema já discutido pelo Cinegnoseclique aqui.

Sem falar nas consequências em política de comunicação social: Bolsonaro dará uma banana para a generosa “mídia técnica” dos tempos petistas que enchiam de dinheiro os cofres da Globo.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

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  1. Penso que a Globo nunca se

    Penso que a Globo nunca se livrará de seu triplo karma (Luz, Dinheiro e Poder), mesmo que precise aceitar as anomalias que surgirem em seu caminho. O fato de ainda sobreviver desde JK pode estar relacionado com a sua facilidade de adaptação e transformação, para o que vier. Trocando em miúdos: enquanto se adapta e se transforma ela cria o tempo preciso, para se  planejar e reagir. Ainda acredito que em seu cinto possam caber mais apertos, mas concordo que se o peso não for bem suportado, o resultado poderá ser fatal.

     

  2. A Globo precisa mostrar ao

    A Globo precisa mostrar ao Bozo que ele não sobrevive sem ela. Não tem pro bispo, nem pra ninguém …

    Bozo precisa da Globo, portanto logo haverá acerto e tudo voltará como era dantes no reino de abrantes !

    Talvez tenham que sacrificar o  zero 1 para salvar o couro do capo….

    A  Globo derrubou Dilma, prendeu Lula e agora pôs o guizo no pescoço do Bozo. Precisa de dinheiro e quer Moro Presidente. Mourão é antiquado demais !

    Mas tem um problema difícil : como sustentar um ( des)governo ruim demais, um macartismo recheado de maucaratismo ?

    Além disso, há muitas variáveis que são incontroláveis : por exemplo , a situação geopolítica mundial…um tombo lá fora acaba com tudo aqui dentro e….

     

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