Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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CPI das apostas esportivas e linchamento no Guarujá: como mídia faz pseudo-eventos e não-notícias, por Wilson Ferreira

Como o jornalismo corporativo sempre tenta encaixar acontecimentos em scripts. Dessa vez pela necessidade da aprovação da PL das Fake News. 

CPI das apostas esportivas e linchamento no Guarujá: como mídia faz pseudo-eventos e não-notícias

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Pseudo-eventos em jornalismo se caracterizam por timing e oportunismo. É o caso da Operação Penalidade Máxima 2 que, AGORA, ganha destaque da grande mídia (depois da primeira fase da Operação ter sido escondida pelo escândalo que envolveu o técnico Cuca). Por quê? Porque AGORA a Operação ganhou sentido: a oportunidade de turbinar a criação de mais uma CPI no Congresso, dentro da agenda para criar desgastes ao governo. “… uma CPI a gente sabe quando começa, mas não sabe COMO termina”, críptica afirmação de uma “colonista” da Globo, revelando o ardil. Ansiedade midiática capaz de dar pernas também a não-notícias: o suposto linchamento no Guarujá (SP) por conta de uma “fake news”. O caso teve uma reviravolta, criando mais uma “barriga” jornalística: como o jornalismo corporativo sempre tenta encaixar acontecimentos em scripts. Dessa vez, gerado pela pressão da Globo pela necessidade da aprovação da PL das Fake News. 

“É ruim para o governo… uma CPI a gente sabe quando começa, mas não sabe como termina”. Essa foi a críptica afirmação da “colonista” Ana Flor, Globo News, ao lado dos repórteres Guilherme Balza e Ricardo Abreu, ao vivo diretamente do Estádio Mané Garrincha, em Brasília.

Mais uma vez, os jornalistas e apresentadores da Globo vão, em poucos dias, do chilique à excitação; dos protestos contra as Big Techs e a derrota na retirada da PL das Fake News para a possibilidade de mais um acontecimento dentro da pauta diária de desgaste do governo Lula: a possibilidade da abertura de mais uma CPI no Congresso, agora a CPI das apostas esportivas.

Afirmação críptica porque a jornalista Ana Flor sabe o que dizia: o timing e oportunismo da fala num momento que parece que a Globo, assim como o resto do jornalismo corporativo, finalmente descobriu a mais-valia semiótica para a segunda fase da Operação Penalidade Máxima que investiga escândalo de apostas no futebol brasileiro.

Mas antes, vamos relembrar alguns acontecimentos.

A Operação Penalidade Máxima, desencadeada pelo Ministério Público de Goiás (MPGO) e iniciada no final do ano passado, investiga diversos jogadores e jogos de futebol das séries A e B por suspeita de manipulação de jogos através de esquema de apostas esportivas.

Escândalo que acontece num momento em que portais de apostas esportivas entram no país seguindo um minucioso planejamento – despejaram verbas publicitárias na imprensa corporativa, alternativa e blogs. Por exemplo, num intervalo publicitário do “Globo Esporte” com cinco inserções, quatro são de site de apostas. Todos sediados no Exterior.

Depois passaram a patrocinar massivamente times de futebol. Ao mesmo tempo, estimulou conteúdos editoriais na grande imprensa para naturalizar tudo isso: um artigo de Nelson Motta em despudorada defesa do jogo (“O tempo é seu e gaste como quiser. O Estado não tem nada a ver com isso”- clique aqui); ou a criação de quadros nos programas de esporte nos quais jornalistas e comentaristas fazem bolões “espontâneos” de apostas sobre os resultados dos jogos da rodada. 

Este humilde blogueiro nem vai entrar na questão de como esse ambiente de jogos e apostas se torna tóxico com o passar do tempo: caminho aberto para lavagem de dinheiro; num ambiente de crise econômica e precarização do trabalho torna-se uma patologia social ao induzir ao vício compulsivo em jogo e a perspectiva mágica do dinheiro fácil, arruinando relações familiares e de amizades; influência política com financiamento de campanhas etc.

Sites de apostas patrocinando clubes de futebol e até dando nomes a campeonatos da CBF (“Copa Betano do Brasil”, da CBF e Globo) encerra em si mesmo um conflito de interesses: o interesse esportivo vs. interesse financeiro privado. Era questão de tempo para explodir o primeiro escândalo de manipulação de jogos – assim como ocorreu nos EUA, Espanha e Itália, cujo mercado de jogos foi dominado por máfias locais.

A primeira fase da Operação Penalidade Máxima pegou a grande imprensa de surpresa – principalmente a Globo, parceira da CBF na Copa do Brasil que leva o site de apostas sediado na Grécia, Betano, na própria marca do evento.

Com timing preciso, tiraram a primeira fase da Operação do MPGO das breaking news com o oportuno escândalo envolvendo a contratação do técnico Cuca pelo Corinthians – a mídia esportiva trouxe à tona os protestos nas redes sociais contra o técnico condenado por estupro de uma jovem, na Suíça, em 1987, numa excursão do time do Grêmio.

Apesar de Cuca ter uma extensa e vitoriosa carreira de técnico e recentemente ter comandado o Atlético Mineiro (a torcida começou a protestar, mas a grande mídia e seu patrocinador, o BMG, simplesmente ignoraram as denúncias), além de ter feito parte da equipe de comentaristas da TV Globo na Copa da Rússia, por que só AGORA ganhou a ribalta midiática?

O fato é que o escândalo Cuca deu o tempo para a grande mídia pensar no quê fazer. Mas, principalmente, em como aproveitar a seu favor esse imbróglio, nitroglicerina pura! Principalmente quando sabiam que a segunda fase da Operação estava a caminho.

Vingança é um prato que se come frio… se o deputado Orlando Silva retirou da pauta do Congresso a PL das Fake News, tão ansiosamente aguardada pela Globo, a resposta viria a galope.

Se a reportagem não deu o espaço devido para as investigações da Operação (limitando-se à editoria de esportes), agora virou hard news com a criação da CPI das apostas esportivas ganhando força no Congresso – nesse momento o pedido já foi protocolado na Câmara com 205 assinaturas. Enquanto o presidente, Arthur Lira, já se comprometeu em instaurar a comissão.

Assim como foi a CPMI dos atos antidemocráticos, criada pela oposição para tentar reverter contra Lula e anular os seus ganhos políticos com os ataques, da mesma forma grande mídia está assanhada com a criação de uma quarta CPI em poucos meses do governo recém-eleito – já existe 16 propostas de abertura de CPIs e já estão sendo criadas: CPI do MST, CPI das Lojas Americanas, CPI do 8 de janeiro, e agora a CPI das Apostas Esportivas. 

Assanhada porque:

(a) Dentro da agenda do desgaste cotidiano do governo Lula, criar mais uma comissão de inquérito no Congresso não só desgasta a base apoio do governo que ainda não tem uma base sólida, mas, principalmente, desvia o foco da aprovação de projetos considerados prioritários por Lula como arcabouço fiscal e reforma tributária. Em outras palavras, entra em xeque a governabilidade;

(b) Essa ameaça de enxurradas de CPIs parece ter a mesma função estratégica das chamadas “pautas-bombas”, comandadas pelo então presidente da Câmara Eduardo Cunha, que ampliaram a crise do governo Dilma Rousseff ao bloquear a aprovação de PLs de interesse do Executivo, dificultando ajustes salariais e novas formas de arrecadação que ajudaram a alimentar a crise econômica autorrealizável – pedra de toque do golpe de 2016;

(c) CPI das apostas esportivas surge quando o ministro Haddad inicia movimento para regulamentação dos sites de apostas no Brasil. Como a críptica (ou ameaçadora) afirmação da “colonista” global Ana Flor diz, “sabemos quando começa uma CPI, mas não como termina”; a meta de cada uma dessas comissões é a criar uma situação em que a oposição consiga inverter a narrativa para voltá-la contra o governo;

(d) E, por último, o controle da pauta pela grande mídia. Desde o governo de transição pós-eleição, o jornalismo corporativo procura evitar que a pauta econômica (tema forte de Lula) ocupe espaço maior. Os estratégicos escândalos de evidências semanais (mas sem o “smoking gun”) contra Bolsonaro somados à escalada de criação de CPIs paralisam qualquer debate econômico.

E lembre-se, caro leitor: o tempo corre contra Lula. Essa é a aposta da grande mídia: com a ajuda da fantasia da “inflação de demanda” de Roberto Campos Neto, paralisar a economia com os juros elevados para castigar a base eleitoral do petista de até dois salários-mínimos. E torná-los vulneráveis ao discurso de extrema-direita.

Continue lendo no Cinegnose.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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