O jornalismo claudicante, por Luciano Martins Costa

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

do Observatório da Imprensa

O jornalismo claudicante, por Luciano Martins Costa

A imprensa brasileira parece ter entrado em rota de ziguezague no fim de semana prolongado. Na falta de equipes adequadas à cobertura dos principais acontecimentos do período, que incluiu o feriado do Dia do Trabalho, a solução para preencher o tempo e o espaço foi fazer uma seleção de declarações, explorar factoides e requentar acusações já exploradas em outros carnavais. É como se a redação fosse um corpo com uma perna mais curta que a outra.

No balanço desses dias, registre-se também o esforço que fez a revista Época para apagar a boa impressão criada inicialmente por sua nova direção. A reportagem de capa na qual “acusa” o ex-presidente Lula da Silva de haver atuado como embaixador abrindo mercados para empresas brasileiras no exterior é um primor de manipulação. O “crime” enxergado pela fonte da revista: “Tráfico de influência em transação comercial internacional”. Na lista de negócios obtidos ou incentivados por Lula, o foco são contratos feitos pela empreiteira Odebrecht, principalmente na África e na América Latina, com apoio do BNDES.

Como tem sido praxe no jornalismo brasileiro, há uma escolha seletiva de tempo e acontecimentos e se ignora o contexto em que o assunto deve ser colocado: a Odebrecht já fazia grandes obras na maioria desses países durante o governo do PSDB, e o aval do governo petista foi importante para evitar que algumas mudanças ocorridas nas políticas locais afetassem esses contratos.

A Odebrecht já prospectava negócios de longa data em Angola, no Peru, na Líbia, na Venezuela de Hugo Chávez, além de ter contratos em Portugal, na Polônia e em outros países de vários continentes. O sistema de irrigação que resgatou para a agricultura amplas áreas de deserto na América Latina, a modernização do sistema viário e do aeroporto de Trípoli, a reorganização da economia rural da Venezuela, a ponte sobre o rio Orinoco, uma usina hidrelétrica construída na encosta de um vulcão no Peru, são alguns resultados desses contratos.

Em praticamente todos esses casos, a multinacional brasileira superou, com suporte oficial, a concorrência de empresas chinesas, que desembarcavam nesses países com o apoio do capitalismo de Estado praticado por Pequim.

O que faz a revista Época é levantar suspeitas contra a Odebrecht para criminalizar a ação do então presidente da República.

A denúncia “esquecida”

Mas o fim de semana teve outras peripécias, como a tentativa da Folha de S.Paulo de enxergar uma associação do prefeito da capital paulista, Fernando Haddad, com o crime organizado na Cracolândia, uma enorme confusão em torno do projeto de terceirização de mão de obra e uma nova frente de denúncias, desta vez envolvendo o marqueteiro de campanhas eleitorais do PT.

O pano de fundo desse novo esforço parece ser a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, que, na terça-feira (28/4), havia concedido prisão domiciliar para os executivos presos em Curitiba por conta da Operação Lava Jato. A medida sinaliza para a interpretação segundo a qual o juiz responsável pela condução do processo na primeira instância andou abusando da restrição de liberdade para obter confissões, que são oficializadas ou não segundo seu arbítrio muito pessoal.

Na edição de segunda-feira (4/5), a Folha de S. Paulo indica que houve uma omissão importante no processo, em relação a informações vazadas a partir da delação premiada que beneficia o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Desapareceram dos autos, por exemplo, referências dos denunciantes ao senador Aécio Neves (PSDB-MG), ao presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) e ao também senador Romero Jucá (PMDB-RR).

Numa delas, Youssef afirmava que o senador mineiro, presidente do PSDB, candidato derrotado à Presidência da República em 2014, recebia propina de uma diretoria da hidrelétrica de Furnas, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu o arquivamento da denúncia contra Aécio no dia 4 de março. No dia 21 do mesmo mês, um vídeo com o depoimento de Youssef sobre o envolvimento de Aécio Neves foi divulgado no blog do jornalista Fausto Macedo, repórter do Estado de S. Paulo (ver aqui).

“Detalhes” como esse começam a aflorar à medida que o processo sai das mãos do juiz paranaense, e nas redes sociais observa-se que até alguns dos mais convictos leitores midiotizados pelo noticiário passam a desconfiar de que há um viés partidário nesse ziguezague da imprensa.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. “Detalhes” como esse começam

    “Detalhes” como esse começam a aflorar à medida que o processo sai das mãos do juiz paranaense, e nas redes sociais observa-se que até alguns dos mais convictos leitores midiotizados pelo noticiário passam a desconfiar de que há um viés partidário nesse ziguezague da imprensa.”

    Sem dúvida. E o processo sairá das mãos de Moro por força da lei processual. Não há como impedir essa circunstância. Nota-se que a mídia golpista, com essa avalanche de noticiário destinado aos midiotizados, está sentindo que suas pernas estão fraquejando, razão pela qual está aumentando as apresentações de seu espetáculo patético destinado a fragilizar Dilma e o PT. Em breve, a lona de seu circo cairá, mostrando aos midiotizados o quanto seus palhaços estão ficando sem graça, não conseguindo deste público nada além de sorrisos amarelos. Não há nada mais deprimente do que palhaços que não fazem rir, pois as palhaçadas viram do avesso, trazendo constrangimento, desconfiança e silêncio ao público que antes se divertia. Opa, isso não cola mais! Está soando falso! Tem coisa errada nisso! Como no maravilhoso filme de Charles Chaplin “O Circo’, os donos desmancham a lona, deixando para trás apenas o rastro de um círculo vazio desenhado no chão.

     

     

     

  2. FHC quer investir em Angola e atrair capitais da África do Sul

    Folha de S.Paulo/Brasil—- São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
    GABRIELA WOLTHERS—-ENVIADA ESPECIAL A ANGOLA

    O presidente Fernando Henrique Cardoso inicia hoje sua primeira visita a dois países africanos -Angola e África do Sul- com objetivos econômicos e políticos diferentes e que espelham o contraste das duas nações.
    FHC chega a Angola acompanhado de uma comitiva de empresários interessados em investir num país em ruínas e que precisa reconstruir sua infra-estrutura.
    Empreiteiras como Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez, cujos representantes integram a comitiva, têm interesse na construção de represas, estradas, habitações e exploração mineral.
    Como forma de mostrar “boa vontade” com os angolanos, o Brasil doará US$ 200 mil ao governo do presidente José Eduardo dos Santos, para serem utilizados no Programa de Reabilitação Comunitária e Reconciliação Nacional.
    Outro setor que desperta a atenção dos brasileiros é o petrolífero. A Braspetro, subsidiária da Petrobrás, está em Angola desde 79.
    O país produz cerca de 700 mil barris/dia. O petróleo é utilizado até mesmo para saldar a dívida de US$ 426 milhões que Angola tem com o Brasil. Desde 95, quando foi feito o escalonamento da dívida, a ex-colônia portuguesa entrega, como forma de pagamento, uma produção de cerca de 20 mil barris/dia ao governo brasileiro.
    Em setembro de 95, desembarcaram em Angola 1.130 militares e policiais brasileiros, que integram a Unavem-3 (Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola). FHC gastará boa parte da viagem para visitar a tropa do Brasil, em Kuito, centro-leste de Angola.
    Sua intenção é agradar a um setor que vem reclamando mais atenção, principalmente com relação a verbas -as Forças Armadas.
    Na política externa, FHC pretende deixar claro que está mais do que na hora de o MPLA (Movimento Popular para Libertação de Angola), o partido no poder, e a Unita (União Nacional para Independência Total de Angola), a guerrilha de oposição, chegarem a um acordo que de fato traga a paz.
    FHC deixa Angola amanhã à noite, partindo para uma viagem de três dias à África do Sul, país que responde por 40% da produção industrial do continente africano.
    No país que ficou conhecido pelo regime do apartheid e que desde 94 é presidido por Nelson Mandela, as prioridades de FHC se invertem.
    Ele quer aumentar os investimentos sul-africanos no Brasil -hoje atingem US$ 1 bilhão. Para isso, enfatizará seu discurso a favor das privatizações, principalmente a da Vale do Rio Doce. Na África do Sul, estão as principais mineradoras do mundo, como a Anglo-American e a Gemco.
    URL:
    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/11/24/brasil/11.html
     

  3. Quando li a “reporcagem”

    Quando li a “reporcagem” fiquei pasmo: só no Brasil se faz a tentativa de tornar crime o fato de um ex-presidente defender e apoiar a expansão das empresas do próprio país.  E depois tem gente que ainda acha que essa imprensa canalha é “isenta”, “imparcial” e “honesta”.

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