Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O Jornalismo é um cadáver “investigativo” que nos sorri, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Lá pelos anos 1990, Oliviero Toscani lançou o livro “A Publicidade é um Cadáver que Nos Sorri” sobre a inutilidade social da Publicidade que não mais vendia produtos, mas estilos de vida mentirosos. Propunha um modelo de Publicidade com função social, assim como o Jornalismo. Porém, o Jornalismo virou corporativo e transformou-se no próprio espelho da Publicidade – assim como grifes, marcas e logos promovem produtos, o próprio Jornalismo passou a promover a si próprio por meio da grife do “investigativo”. Por isso, foi sintomático o 12o. Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji, realizado na Universidade Anhembi Morumbi/SP, promover o procurador-geral Rodrigo Janot como estrela máxima e os “bastidores das delações da JBS e Lava Jato” como o “case” principal de um suposto jornalismo investigativo que terceirizou a atividade jornalística. Para a Abraji, jornalismo investigativo é “checar informações” de vazamentos que sempre selecionam seus jornalistas “investigativos” favoritos. Enquanto isso, Martin Baron (editor retratado no filme “Spotlight”) deu o verniz investigativo necessário para jornalistas que confundem investigação com checagem de vazamentos.

Há um gênio maligno presente em todos os sistemas. Sempre quando chegam em um determinado ponto de desenvolvimento e complexidade encontram um ponto de viragem: acabam inviabilizando sua própria finalidade, voltando-se contra si mesmos. 

Pensadores como Georges Bataille (1897-1962) e Jean Baudrillard (1929-2007) pressentiram essa natureza que só recentemente a Teoria dos Sistemas, através das pesquisas de Francisco Varela e Niklas Luhumann, compreenderam melhor: os sistemas tendem a se tornar “cegos” em relação ao mundo exterior por meio da auto-organização e fechamento operacional.

Bataille falava em “parte maldita”: sistemas tendem ao dispêndio e perda por meio de impulsos ilógicos, por mais que tente criar uma autoimagem de racionalidade e utilitarismo, como faz o sistema econômico e seus ideólogos da chamada “ciência econômica” – leia BATAILLE, G., A Parte Maldita, Autêntica Editora.

Baudrillard falava em “grau zero” e “hipertelia” – qualquer finalidade é substituída pela simulação e sedução: o sistema, qualquer sistema, perde sua finalidade inicial para simular a si próprio como racional e lógico. Como um morto vivo, o sistema funciona através de uma autoparódia – clique aqui.

Georges Bataille e Jean Baudrillard

 

O Grau Zero da Política e do Jornalismo

Com subsistemas sociais como a Política e o Jornalismo aconteceria a mesma coisa – a Política encontrou o grau zero quando descobriu que o Poder não mais existe, pelo menos como um locus (o Palácio, o Congresso, o Tribunal etc.), um espaço a ser preenchido por uma classe social ou grupo. O Poder migrou para a banca financeira e transnacional, na gestão automática e algorítmica do Capitalismo com seus longos ciclos de crise e prosperidade.

Através do marketing, partidos políticos simulam diferenças entre si, fazem paródia do velho espectro da Política (da esquerda à direita) e vivem do escândalo, da denúncia e do moralismo para por em movimento um sistema zumbi.

E o Jornalismo descobre que é a peça essencial nessa simulação sistêmica: escândalos e denúncias são sistemática e seletivamente vazados para a mídia corporativa segundo uma agenda política que tenta esconder esse “grau zero” de si mesma.

Porém, assim como o subsistema da Política, o Jornalismo tem que simular racionalidade e utilidade. Isto é, simular a finalidade original à qual o Jornalismo supostamente serviria: informar a sociedade, investigar, enfrentar os poderosos, perigosamente indo onde os poderes tentam cerceá-lo: na verdade dos fatos, sempre à serviço do leitor. 

Rodrigo Janot: contando tudo para os “investigativos”

Rodrigo Janot estrela da Abraji

Um exemplo explícito e flagrante que comprova esse grau zero do Jornalismo foi revelado no 12o Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo promovido pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), encerrado no dia 01 de julho no campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi.

É sintomático que a maior estrela do evento tenha sido o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em um palco no qual via-se um grande quadro com os logos dos patrocinadores representantes da gestão algorítmica do Capitalismo que prescinde da Política para se reproduzir: da banca financeira, passando pelas gigantes de tecnologia da informação e chegando ao consulados dos EUA – irônico mix que faria qualquer repórter investigativo ficar de cabelo em pé.

E mais! Evento realizado em uma universidade comprada pela norte-americana Laureate International Universities, controlada pelo fundo de investimento KKR. Em uma emblemática transação dentro do processo de internacionalização do sistema educacional brasileiro que até aqui nenhum repórter/editor investigativo da grande mídia preocupou-se em escarafunchar detalhes, contradições ou conflitos de interesses. Que, aliás, estão lá estampados no grande banner dos patrocinadores e apoiadores do evento.

Um evento muito mais corporativo do que jornalístico: sob a égide da grife “jornalismo investigativo”, apresentar uma alegre e descontraído Rodrigo Janot (discorrendo sobre casos em aberto sem nenhum dos “investigativos” presentes questionar violações éticas da sua profissão) cuja prática, como de todo judiciário brasileiro, é a de vazar seletiva e sistematicamente para jornalistas “investigativos” delações ou denúncias.

Um jornalista investigativo ficaria de cabelos em pé ao ver a lista de patrocinadores e apoiadores da Abraji – Did you follow the money?

Furos e vazamentos

Orgulhosamente, o site da Abraji informava que o prato principal do evento seriam “mesas com os bastidores da revelação da JBS e outros furos da Lava Jato”. “Furos” como, por exemplo, o mais recente do colunista Lauro Jardim de O Globo, sob a permissão da alta cúpula do grupo dos irmãos Marinho. “Furo” que se confunde com vazamento da PGR para um único veículo de imprensa, sob as bênçãos dos interesses econômicos dos patrões.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

6 Comentários

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  1. Atenção, GGN!

    Peço-lhe publicar a íntegra dos artigos de Wilson Ferreira, já que não tenho acesso ao blog dele. Entendo o incentivo que o GGN faz, para que os leitores visitem o blog; mas publicando apenas parte do texto, fico privado de ler o restante.

    1. Navegador

      Meu caro, o site é aberto.

      Pode ser que seja problema com o seu navegador.

      Ontem, tentando contribuir com um crowdfunding ( é assim que se escreve ?)  não consegui imprimir o boleto de pagamento. Mudei de navegador e imprimi sem problemas.

      Tente usar outro navegador.

  2. O negócio tá feio

    “Sou contra a concentração de poder enquanto o concentrador não for Eu.”

    Quando você trabalha para concentrar o poder em si, mais do que ficar poderoso você está empoderando a ideia de que a concentração de poder é uma boa. Depois não adianta reclamar…

  3. Qual imprensa?

    Posso recomendar uma leitura?

    “Concentración de medios y libertad de expresión: Normas globales y consecuencias para las Américas”

    http://unesdoc.unesco.org/images/0024/002480/248091S.pdf

    Expressões como “imprensa” e “jornalismo” têm que ser precedidas do significado que damos a elas quando escrevemos. Hoje (mas na verdade desde que descobriram como ganhar dinheiro com meios de comunicação de massa) imprensa precisa por padrão ser associada a empreendimento comercial — as exceções que vemos hoje são possíveis pelo surgimento da Web.

    Então, dissociar jornalista do funcionário ou executivo desses empreendimentos comerciais enfraquece muito a análise dos impactos (sociais, econômicos, culturais ou políticos) dessa atividade. E achar que jornalismo investigativo é sinônimo de jornalismo “de qualidade” e distanciado de certos interesses é outro descuido comum.

    Dizer tudo isso é chover no molhado. Mas nem sempre lembramo-nos disso quando escrevemos sobre a profissão ou sobre o setor comercial respectivo.

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