Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Mídia no modo Alarme: pesquisa tautista dá folego ao lavajatismo, por Wilson Ferreira

Percepção não é um juízo pessoal, mas uma “ignorância pluralista” moldada pela consonância, acumulação e onipresença da pauta midiática.

Mídia no modo Alarme: pesquisa tautista dá folego ao lavajatismo

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

O jornalismo corporativo bate bumbo sobre o relatório “Índice da Percepção da Corrupção” da pouco transparente ONG Transparência Internacional – de relações promíscuas passadas com a Operação Lava Jato. Segundo a pesquisa, o Brasil caiu dois pontos no primeiro ano do governo Lula. É a grande mídia de volta ao modo alarme com a pauta da corrupção. Enquanto Moro é sacrificado como um anti-herói que, em seu último ato, deve morrer para salvar o seu legado: o lavajatismo. Por enquanto, corrupção ainda é vista como ameaça futura. A pedra angular da pesquisa é o conceito de “percepção”, confundida com “opinião”.  A questão é que a percepção não é um juízo pessoal, mas uma “ignorância pluralista” moldada pela consonância, acumulação e onipresença da pauta midiática.  Por isso, o índice da pesquisa é “tautista” (tautologia + autismo midiático): reflete apenas o ecossistema midiático – espelha o modus operandi da grande mídia na guerra híbrida.

Em um texto clássico chamado “A Opinião Pública Não Existe”, o sociólogo francês Pierre Bourdieu desconstruía os três pressupostos das pesquisas de opinião: todos têm opinião; todas as opiniões têm valor; há um consenso em torno do problema formulado pela questão – leia o texto, clique aqui

Mas Bourdieu poderia acrescentar um quarto pressuposto a ser desconstruído: que toda opinião é um parecer pessoal formado sobre qualquer assunto. 

Nessa semana a grande mídia bateu o bumbo do último relatório da ONG Transparência Internacional, sediada em Berlin, que anunciou a queda de dez posições do Brasil no chamado “Índice de Percepção da Corrupção 2023”. 

O índice classifica as nações de acordo com pontuação que vai de 0 (“altamente corrupto”) a 100 (“muito íntegro”), considerando “100” o melhor cenário. Enquanto a média mundial ficou em 43 pontos, a pontuação brasileira caiu de 38 para 36 pontos em 2023.  Isto é, para a ONG, o fenômeno da corrupção piorou no primeiro ano do governo Lula 3. 

“Pior queda do Brasil desde 2017”, “Brasil piora”, “Brasil cai”, “Brasil perde” etc. foram algumas das manchetes na mídia em seu modo alarme, anunciando, para quem for bom entendedor, que: (a) o jornalismo de guerra voltou; (b) o lavajatismo não morreu – está sendo revivido com a necessária imolação do outrora herói anti-corrupção, o ex-juiz Sérgio Moro, em praça pública. 

É o sacrifício necessário do herói em seu último ato, para salvar o seu próprio legado: o recall junto à patuleia da corrupção intrínseca ao lulismo-petismo.

Enquanto Moro é sacrificado, a grande mídia revive esse legado do lavajatismo através de uma pesquisa com uma metodologia nada transparente, efetuada por uma organização que teve ligações promíscuas com a Operação Lava Jato – a Transparência Internacional, em conluio com o procurador Deltan Dallagnol, seria a gestora da fracassada Fundação Lava Jato que receberia os bilhões de reais resultantes dos pagamentos dos acordos da Petrobrás e Odebrecht com a Justiça – clique aqui.

Moro: o herói que precisa ser sacrificado no último ato

Metodologia sem transparência

De início, tanto a metodologia quanto o conceito de “percepção” do qual parte a pesquisa são nada transparentes. Primeiro, a Transparência Internacional descreve a fonte de seus dados provenientes de treze diferentes fontes de dados de doze diferentes instituições como Banco Mundial, World Economic Forum Executive, Freedom House Nations entre outros nomes pomposos e “inspiradores” com palavras como “Liberdade”, “Sustentabilidade”, “Democracia” ou “Justiça Mundial”. 

Entre essas fontes dos dados estão servidores públicos, “especialistas” e todos aqueles próximos ao setor público e, portanto, “mais sensíveis” à experiência da corrupção em um país.

Porém, o mais problemático é o conceito de “percepção”, pedra angular da suposta pesquisa. Por que “percepção”? Segundo a organização, “é difícil avaliar os níveis de corrupção em diferentes países com base em dados empíricos rígidos, por exemplo, comparando o número de processos ou processos judiciais.”. Para a ONG esses dados não refletiriam os “níveis reais de corrupção”, mas apenas o trabalho de promotores, tribunais etc. E destaca: “o único método de compilar dados comparativos é, portanto, basear-se na experiência e nas percepções daqueles que são mais diretamente confrontados com as realidades da corrupção em um país”.

Com isso voltamos à nossa contribuição à crítica de Pierre Bourdieu ao conceito de Opinião Pública. “Opinião” e “percepção” não só se misturam nessa pesquisa da Transparência Internacional como também, ao fazer essa fusão, apenas confirma a natureza midiática dos dados provenientes dessas fontes: numa sociedade mediatizada, a percepção deixa de ser um juízo ou um parecer pessoal diante de uma realidade empírica – aquilo que forma um clima de opinião ou a percepção a cerca de uma suposta realidade dada é o ecossistema midiático. Capaz de criar consensos, climas, atmosferas difusas que substitui a realidade empírica.

A tese desse humilde blogueiro é que o Índice da Percepção da Corrupção erra no que viu e acerta naquilo que não viu – a “percepção” que o índice representa não são resultantes de pareceres individuais, mas de consensos baseados em “credibilidade” ou na verossimilhança midiática. 

Em outras palavras, a pesquisa tem uma natureza tautista (tautologia + autismo midiático): ela apenas é um sismógrafo de como o ecossistema midiático repercute mais ou menos a pauta da corrupção. Ou mesmo, quando o termo “corrupção” é substituído por eufemismos que acabam alterando a percepção de que a corrupção caiu – como veremos adiante – sobre o conceito de “tautismo”, clique aqui.

Se a percepção é moldada pela acumulação, consonância e onipresença da pauta do momento nos meios de comunicação, então o índice quantifica nada mais do que o alcance e repercussão de uma determinada pauta ou agenda. Portanto, é tautológica e autista midiática.

Dois nomes relevantes podem nos ajudar a esclarecer essa tese: o pensador francês Jean Baudrillard e a cientista política alemã Elizabeth Noelle-Neumann.

Verossimilhança e espiral do silêncio

Em um texto chamado “A Informação no Estágio Meteorológico”, o pensador francês Jean Baudrillard refletiu como ambiente midiático privilegia a credibilidade e a verossimilhança (percepção) no lugar da verdade: lançada a informação ou notícia, enquanto não for desmentida será verossímil. Nunca a informação poderá ser desmentida em tempo real. Portanto, será apenas credível. Mesmo depois de desmentida, nunca mais será falsa, porque foi antes credível. 

Para Baudrillard, o problema da credibilidade é que ela não tem limites. Diferente da Verdade, é impossível de ser refutada por ser virtual – leia BAUDRILLARD, Jean, “A Informação no Estágio Meteorológico” In: Idem, Tela Total, Sulina, 1997. 

Em si mesma, uma notícia repercutida em acumulação, consonância e onipresença (CAO) torna-se crível (e não verdadeira). Pelo fato de todos os veículos entrarem em consonância ao longo do tempo, qualquer notícia se torna verossímil – no ponto de vista da percepção, “verdadeira”.

 Essa descrição de Baudrillard é complementada com o conceito de “espiral do silêncio de Noelle-Neumann. Para a cientista política os indivíduos parecem ter um “órgão quase estatístico”, uma espécie de sexto sentido sobre o que a sociedade em geral está pensando ou sentindo. Para a pesquisadora, a mídia, e em particular a TV, acelerariam esse processo de silenciamento de uma suposta minoria ao criar um clima de opinião através das CAOs.

A espiral do silêncio partiria de uma percepção equivocada do indivíduo (a “ignorância pluralista”) do que ele acredita ser um clima de opinião – podemos ter uma opinião que pode ser modificada frente a uma posição que achamos ser majoritária.  Algo assim: se todos veem a coisa de uma maneira diferente do que penso, deve ser porque estou errado.

Portanto, conceito de “percepção” usado pela pesquisa da Transparência Internacional é tautista: não reflete um suposto índice de corrupção, mas apenas o índice reflete a repercussão das CAOs ao longo dos anos. 

Continue lendo no Cinegnose.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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