Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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Philippe Henriot, rádio Vichy e o radialismo ideológico, por André Motta Araújo

A rádio ativismo ideológico teve papel importante na vitória do bolsonarismo nas eleições e continua sendo um intransigente defensor do governo direitista

Philippe Henriot, Rádio Vichy e o radialismo ideológico

Por André Motta Araújo

Sempre tive especial fascínio pelos acontecimentos que seguiram a vergonhosa derrota militar de Junho de 1940, quando um governo de ocasião não só aceitou mansamente a derrota “en raise campagne” e, em seguida, aceitou colaborar com os alemães de bom grado, com a ideia de que os nazistas seriam uma barreira contra o comunismo. Os personagens de Vichy eram, no geral, fervorosos cristãos. Os lemas da plataforma de Vichy eram Deus, Pátria e Família, eram carolas e conservadores, moralistas e misseiros.

O Governo de Vichy durou até a rendição de Paris, em agosto de 1944, para as tropas do General De Gaulle, mas ainda depois manteve-se a ficção de um governo soberano no exílio, quando o gabinete de Vichy se mudou para o Castelo de Sigmaringen, na Alemanha. O surrealismo de Vichy chegou ao ponto de esse Estado ter Embaixadores nos EUA e no Brasil, embora todos soubessem que era um governo fantoche dominado por Berlim. O Presidente Roosevelt manteve em Vichy seu Embaixador, seu amigo pessoal Almirante Lehay.

A França das glórias de Luis XIV, Luis XV e de Napoleão se submeteu ao absurdo de haver um embaixador francês em Paris, o Conde Fernand de Brinon, e de ter em Paris um Comandante Militar Alemão – o último foi o General von Choltotiz, com seu QG no Hotel Meurice, na Rue de Rivoli, que se rendeu ao Gen. Leclerc da Força gaullista.

O tema deste artigo é a Rádio Vichy, um instrumento de propaganda ideológica tão fanática como a Radio Berlim, fazia parte do Ministério de Informação e Propaganda a cargo de Philippe Henriot, um jornalista de prestígio antes da derrota militar de 1940, que ficou conhecido historicamente como o “Goebbels francês”. A Rádio Vichy tinha como principal alvo o General De Gaulle e sua Força dos Franceses Livres, um Governo francês com sede em Londres e reconhecido como Governo pela Grã-Bretanha e pela União Soviética. Roosevelt jamais gostou de De Gaulle e foi por essa razão que manteve até o fim seu Embaixador em Vichy.

A questão vem a propósito do papel da RÁDIO no ativismo dos movimentos de ultra direita, papel que se vê até nossos dias, quando ao lado da redes sociais de internet, uma forte presença de uma radio ativamente ideoligca, a Jovem Pan, que opera como rádio farol da ultra direita bolsonarista, numa escala nunca antes vista no Pais. Nem mesmo no apogeu da rádio como poder de mídia, durante o Estado Novo, quando o Governo Vargas dispunha da mítica Rádio Nacional, nunca foi aparelhada no radicalismo hoje visto na Jovem Pan.

A RÁDIO NACIONAL tinha uma programação variada e com grande diversidade, seus noticiários, como o Repórter Esso eram razoavelmente neutros, embora o Brasil estivesse numa ditadura. Nos seus quadros, havia inclusive conhecidos intelectuais e artistas de orientação comunista, o discurso estado-novista era mais refinado, o regime dispunha a seu serviço de escritores e artistas de bom nível cultural. Havia, sim, propaganda do regime, mas em um tom mais ameno do que a gritaria e a grosseria da atual ultra direita primitiva.

A rádio ativismo ideológico teve um papel importante na vitória do bolsonarismo nas eleições de 2018 e continua sendo um intransigente defensor do governo direitista, aliciando jornalistas dessa linha ideológica, em um vigor antes não conhecido na rádio brasileira.

Voltando a Philippe Henriot e à Rádio Vichy, chama a atenção por sua bizarria histórica o fato de existirem fanáticos que, em Junho de 1944, já com os anglo-americanos desembarcando na Normandia, que ainda acreditavam numa vitoóia do Terceiro Reich, a turma de Vichy continuava cegamente a apoiar os alemães. A Milicia de Vichy era mais temida que a Gestapo por sua truculência, mas como entender que pessoas cultas como Henriot podiam acreditar que uma Alemanha já em ruínas, sem petróleo e sem minério de ferro pudesse vencer um País muito maior e mais rico como os Estados Unidos – aliado à União Soviética e ao Império Britânico, que não era só Inglaterra, tinha Canadá e Austrália? Já então a Itália estava fora de combate, o Japão cambaleando, mas em Vichy tudo corria como se a Alemanha fosse vencer a guerra.

O fanatismo dos ultra-direitistas é um fenômeno psicológico que explica a vitória de Bolsonaro em 2018. Há um certo descolamento da realidade, basta ouvir na Jovem Pan, um comentarista, Rodrigo Constantino, disse que ‘o NEW DEAL de Roosevelt foi um fracasso, imagine se fosse um sucesso’. As barbaridades são nesse tom, ‘o mundo está sendo dominado pelos comunistas da ONU, da OMS, do Banco Mundial, do George Soros, Deus nos Salve do Comunismo, porque a mídia está todo dominada pela esquerda…’.

Philippe Henriot foi assassinado em 28 de Junho de 1944 pelos guerrilheiros Maquis, seu funeral teve Honras de Estado, dois meses depois De Gaulle entrava em Paris.

Leia também: Paul Bauduin, ou por que os economistas de mercado adoram o fascismo, por André Araújo

 
Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

6 Comentários

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  1. O sonho desse Constantino é entrar na história escrevendo um livro provando por A mais B que Roosevelt foi o pior presidente dos EUA. Essa figura caricata, no mundo desses economistas de merda, só é ultrapassada por Luiz Paulo Rosenberg, que graças aos deuses caiu em desgraça ao falar uma de suas idiotices. Aliás, pra Bolsonaro seriam bons nomes pra vaga de Guedes, hoje um Chicago Zumbi no governo.
    Não sei como Andre aguenta ouvir a JP. Ela faz a Bandeirantes e a CBN parecerem padrão BBC.

  2. Caro sr., falando em Propagandismo como arma de guerra, onde está está o CORONAVÍRUS neste Veículo? Onde está o CORONAVÍRUS e todo ‘Catastrofismo Apocalíptico’ nas Páginas Brasileiras no dia de hoje? Seria o Calor da Primavera derretendo Histeria e Doenças de Inverno no Hemisfério Norte? Seria?! Cadê Espanha ou Itália? Esta última, citada na Imprensa apenas para divulgar que já abre suas praias. Assim como toda Europa, já inicia seu retorno à normalidade. Seria o calor da véspera do Verão e das Férias? Ou coincidência? São apenas perguntas. O Revisionismo Histórico da Grande Guerra, em especial sobre a França, merecerá algum dia, novas e novas interpretações. Os Comunistas derrubam os Alemães na França. Os Aliados não reconhecem De Gaulle, que corre para entrar em Paris com os vencedores Comunistas. Antevendo a tragédia, os Países Aliados reinventam De Gaulle. A Argélia sofrerá tais consequências e traições. Aliados irão ignorar os mesmos fatos na vizinha Espanha, justamente para aniquilar os tais “Comunistas”. Franco continuará com sua tragédia, crimes e aniquilação fascista por décadas. O tal Mundo Democrático olhará para o outro lado, condenando outros nazistas e fascistas, enquanto mantém olhos e narizes fechados. Como o sr. sempre afirma, Politica e Economia não são exatamente ciências exatas. Que a Nação Brasileira comece a aprender. Rapidamente. abs.

  3. Na base do discurso ideológico do bolsonarismo está o ódio aos Direitos Humanos. O papel da mídia sempre foi central pra manter vivo o discurso do “bandido bom é bandido morto”, da apologia aa tortura e ao assassinato. O radio jamais deu descanso nesse tipo de demagogia, transbordando para as TVs esses programas vespertinos já há décadas.

    Aqui no Rio a rádio Tupi transmite há quase 60 anos A Patrulha Da Cidade: aquela maçaroca de crimes horrorosos, politicos corruptos e degeneraçao…

    Só pra dar uma ideia, já na abertura, a musiquinha, em tom maior, alegrinha, fala em esculachar a malandragem e coisas mais…

    Alem disso, o programa mantém quadros de teatro em que os personagens invariavelmente são pobres, periféricos que gritam, brigam, sao promíscuos, etc. Irritante. Terrível.

  4. Necessitando de informações, naqueles tempos, o cônsul da Alemanha me atendeu na sua representação.
    Um enorme painel fotográfico nas suas costas com vista aérea de uma Paris do passado, deduzi ser do período anterior à segunda grande guerra. Intrometido, elogiando a cidade Luz questionei e como resposta: nasci na Alemanha, mas nesta Paris quero morrer.

  5. Não é só essa rádio…..eu ouvia uma certa rádio rock, os narradores começaram a falar tantos absurdos que fui forçado a rememorar meus velhos cds …hoje dirijo tranquilo com pink Floyd Stones e Raul…..se esse pessoal acredita que roqueiro de raiz, não esses de boutique, é coxinha de manifestação raivosa estão enganados….
    Tem aquele outro da “primeira” que em vez de tocar músicas fica a madrugada inteira falando bizarrices….

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