Sobre jornalismo e ‘jornalismo’, por Jean Wyllys

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sobre jornalismo e ‘jornalismo’

por Jean Wyllys

Eu sou jornalista e trabalhei durante quase dez anos em jornal impresso, de modo que já realizei muitas entrevistas na minha vida. Posso explicar a vocês algumas noções básicas do ofício?

Numa entrevista, você, jornalista, começa fazendo uma pergunta — e a palavra “pergunta” significa aqui pergunta mesmo, e não uma longa exposição da sua opinião, porque numa entrevista, a opinião que interessa e a do entrevistado, não a do jornalista. Depois de fazer a pergunta, você deixa o entrevistado responder.

Se você considerar que a resposta foi insuficiente, não respondeu ou incorreu em falsidade ou contradição, voce faz uma re-pergunta, ou duas, ou mais, podendo confrontar o entrevistado com informações e dados verificáveis, mas sempre, depois, deixa ele responder. A proporção do tempo de fala numa entrevista é um elemento fundamental e fica muito evidente numa revista ou jornal impresso. Peguem algum jornal e confiram: as perguntas, geralmente em negrito ou itálico, são MUITO mais breves que as respostas. Se essa proporção ficar invertida, isso não foi uma entrevista!

A entrevista não é um debate de opinião entre dois adversários, entrevistador e entrevistado. Se você tem muita vontade de debater com o candidato, então deixe o jornalismo e entre na política. Aí você pode ser candidato também. Aliás, entre candidatos, num debate, não há tantas interrupções.

O que o Jornal Nacional fez hoje com Fernando Haddad deveria ser estudado nas faculdades de jornalismo para ensinar como não se faz uma entrevista:

1) As perguntas não eram perguntas, mas longas afirmações que expressavam a opinião política dos entrevistadores, e o que se pedia ao entrevistado, mais do que responder sobre algum assunto, era algo que poderia se resumir na frase: “Depois de ouvir tudo o que eu expliquei, candidato, o senhor não acha que eu estou absolutamente certo?”.

2) Os entrevistadores não permitiam que Haddad respondesse ou falasse nada. Ele foi interrompido 62 vezes em 27 minutos de entrevista, durante os quais conseguiu falar por apenas 16:05. Isso dá uma média de uma interrupção a cada 15 segundos e meio. Imaginem vocês mesmos tentando responder a alguma coisa dessa forma. Mesmo assim, Haddad se saiu muito bem!

3) Cada vez que o candidato não respondia o que eles queriam (ou seja, todas as vezes), além de interrompê-lo, os entrevistadores usavam “perguntas” do tipo: “Então o senhor não vai pedir desculpas ao povo brasileiro?”, ou “Então o senhor subestima os eleitores e acha que não sabem votar?”. Outra vez, isso não é uma pergunta!

4) Em nenhum momento da entrevista foi feita uma única pergunta sobre o programa de governo e as propostas do candidato; afinal, o que mais interessa! E todas as vezes que Haddad tentou falar de propostas, a interrupção era mais agressiva e insistente, até ele se calar. Dava a impressão que a única forma que Haddad teria de dizer algo seria gritando.

Isso não é jornalismo.

Agora procurem a entrevista de Geraldo Alckmin ao JN; está no YouTube. Assistam e comparem. Houve perguntas difíceis? Claro, mas ele teve tempo para responder a todas elas e foi tratado com respeito. Procurem entrevistas a candidatos em outros países e percebam a diferença.

A TV Globo não tratou Haddad como entrevistado, mas como inimigo a ser derrotado. É uma vergonha que isso seja o melhor que o principal telejornal do país possa oferecer à sua audiência. E faz muito mal à democracia.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

11 Comentários

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  1. Esse diagnóstico já foi por
    Esse diagnóstico já foi por demais realizado. Muito bom que o Jean Wyllys insista nisso para os que ainda não foram esclarecidos.
    Mas precisamos ir além.
    A própria imprensa tem sido incapaz de se autocorrigir. Não quer fazer jornalismo, mas agir de forma partidarizada. E o faz mentindo, manipulando, estuprando conceitos e princípios do jornalismo.
    A saída é regulá-la, domocratizá-la como se faz no mundo civilizado onde já se experimentou essa aberração.
    Estamos nessa ladainha há muitos anos. Embora a consciência esteja bem disseminada é preciso enfrentar na prática a doença.

  2. POIS É, DEPUTADO JEAN….

    AINDA NA SEMANA PASSADA, PUBLIQUEI AQUI NESTE E NOUTROS BLOGS COMENTÁRIO EM QUE DAVA DICA AO HADDAD, OU SEJA: Que ele se levantasse, logo na primeira e segunda interrupções e chamasse para si a atenção dos telespectadores, dizendo a estes que eles mereciam respeito das duas partes na entrevista (entrevistado e entrevistadores). Mas que os mau-educados jornalistas (dizendo isso bem alto e claramente) não o deixavam responder às perguntas que faziam. Por isso, se os dois não lhe pedissem desculpa naquele momento e não mudassem de comportamento, que ele, Haddad, sairia do programa e os deixaria “brincando” sozinhos, já que eles, mal-educados como são, só sabem fazer o jogo sujo da TV globo golpista (dizendo isso bem alto e claramente)…pois se ele está alí para ser entrevistado, os cafajestes são obrigados a deixá-lo responder sem interrupções…………e que saisse do programa se eles não respeitassem esse posicionamento.       MAS COMO NÃO SOU NINGUÉM CAPACITADO PARA CHEGAR ATÉ O PRESIDENCIÁVEL, ALGUÉM, DESSES BLOGS ONDE ESCREVI, BEM QUE PODERIA TER DADO A DICA AO HADDAD.

  3. Ah! e antes que me esqueça, deputado

    Ah! e antes que me esqueça,deputado, parabéns por aquela cusparada na cara do boçal……mas eu teria jogado bosta mesmo  (embora o boçal não mereça ser comparado à Geni, do Chico, ela sim vítima de toda ingratidão dos hipócritas).

  4. Meu deus! Dá uma preguiça
    Meu deus! Dá uma preguiça enorme ver politico “de esquerda” surpreso com o “jornalismo” praticado no Brasil, sobretudo pela rede globo.

    Na ultima eleição a apresentadora do mesmo jornal nacional levantou o dedo para a entao presidenta. É obvio que na preparaçao para a entrevista eles se concentraram pra “partir pra cima” dos “eaquerdistas”. E isso foi há quatro anos. E fazem isso há quarenta!

    Meu deus!

  5. Globo faz mal a democracia. Ponto.
    Se não enfrentar a globo, esquerda nenhuma governa. É uma concessão pública, já vencida, e merece intervenção (pela dívida com a receita, o famoso darf de 600 milhões que nunca mostram) ou estatização pura e simples

    Quanto aos jornais, deixa morrer a mingua, sem verba estatal.

    E uma lei de imprensa que exija que denuncias sejam acompanhadas de provas corroboraveis pela justiça. Se não for suficiente para uma denuncia formal, jamais deve ser publicada. Direito de opinar não é direito de acusar sem responsabilização

  6. Depois de muitos anos sem ver o jN tomei uma dose

    de boa vontade para com a Globo e fui ver a “entrevista” mas, não teve jeito, o princípio ativo da dita é venenoso.

    Hoje fiquei com a impressão que se Haddad tiver real chance de ser eleito o PT que se cuide. Os Marinho vão tentar sequestrá-lo e se ele não se submeter a grande  parte do que querem, não tiver nenhuma síndrome sueca, vão conspirar de novo.

  7. A Globo está …

    Está  se desmascarando dia após dia. Então a meu ver, não há necessidade do candidato comportar-se como os inquisidores. Todos perceberam, sem necessidade alguma do Haddad mostrar claramente.

    Parabén Haddad !  “Não perca a ternura jamais” !

  8. Não se pode reclamar da

    Não se pode reclamar da globo, há muito tempo ela já deixou bem claro que não faz jornalismo. Quem quiser ler, ouvir ou ver sua programação que assista mas não aceito reclamações mais.

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