Para recordar: O centenário de Valzinho, por Laura Macedo

do Portal Luis Nassif

Centenário de Valzinho

Laura Macedo

Valzinho (Norival Carlos Teixeira)

* 26/12/1914 – Rio de Janeiro (RJ)
+ 25/01/1980 – Rio de Janeiro (RJ)

Compositor / Violonista / Cavaquinista

Confesso que a primeira vez que ouvi falar sobre o compositor e músico – Valzinho (Norival Carlos Teixeira) -, foi através do multifacetado Hermínio Bello de Carvalho. Seu verbete no Dicionário Cravo Albin, apesar de pequeno, revela sua grande importância na história da Música Popular Brasileira.

O nome de Valzinho está associado a grandes ícones do universo musical brasileiro, como Pixinguinha, Garoto, Dante Santoro, Zé Menezes, Radamés Gnattali e, mais recentemente, Paulinho da Viola, Jards Macalé e a jovem violonista Antonia Adnet.

UMA FAMÍLIA MUSICAL

O patriarca da família – Edgard Carlos Teixeira – era violonista e exercia a profissão de ferroviário; já a matriarca – Nisa Chaves Teixeira tocava piano. Resultado: uma bela família musical.

Da direita para esquerda: Newton Teixeira (flauta) / Nilva Teixeira (bandolim) / NorivalValzinhoTeixeira (violão) / Neuwaldo Teixeira (cavaquinho).

Neuwaldo (flauta) / Valzinho (cavaquinho) / Edgard Carlos Teixeira (violão) [pai dos três] e Newton (violão).

Newton, NilvaValzinho

Um pouco da trajetória Pessoal e Profissional de Valzinho

Aos 13 anos já tinha a ocupação de ajudante de alfaiate visando colaborar na renda familiar. Seu primeiro emprego foi na Casa da Moeda (gravador artístico) onde se aposentou muito tempo depois. Dedicou-se também a escultura, desenho e gravura, se aprimorando no Museu de Belas Artes.

Valzinho e Pereira Silva
 
Valzinho iniciou a carreira de músico aos 19 anos (1933), na Rádio Guanabara tocando no conjunto de Pereira Filho. Trabalhou também com Pixinguinha. Entre 1936 e 1938 atuou na Rádio Mayrink Veiga integrando o Regional de Luperce Miranda. Foi nesta época que os dois feras compuseram “Não sei porque” gravada, posteriormente, por Gilberto Alves, em 1944.

À esquerda: Valzinho e Luperce Miranda com seus instrumentos / À direita: Apresentação do regional de Luperce, na Rádio Nacional. Valzinho está de costa com o violão, Luperce com seu bandolim e Carlos Galhardo cantando.

Não sei porque” (Valzinho/Luperce Miranda) # Gilberto Alves. Disco Odeon (12448-A), 1944.

Abaixo ouviremos – “Não sei porque” – na voz de Muiza Adnet e no violão de Antonia Adent. Essa é uma das várias músicas que percebemos, muitos antes do movimento bossanovista, o quanto Valzinho já fazia harmonizações inovadores.

Dante SantoroValzinho

A partir de 1939, Valzinho, iniciou seu trabalho na Rádio Nacional, onde permaneceu até se aposentar trinta anos depois, integrando o regional de Dante Santoro, ao lado dos violões de Rubens Bergman, Norival Guimarães e Carlos Lentine e do cavaquinho de Waldemar Pereira de Melo.

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Paralelamente participava, também, do conjunto “Clube da Bossa” liderado pelo amigo Garoto (Aníbal Augusto Sardinha), com quem compôs algumas músicas.

 

 

PeterpanValzinho

Sua primeira composição foi elaborada em 1938 – “Tudo foi surpresa” -, em parceria com Peterpan. Composição que fez sucesso nas gravações de grandes nomes da Música Popular Brasileira, como Aracy de Almeida (1940), Raul Moreno (1959), Elizeth Cardoso (1971), Cristina Buarque de Holanda (1979), Zezé Gonzaga (1979) e Muiza Adnet (2014). Esta é uma das minhas preferidas.

Confiram as interpretações de Dalva de Oliveira; do próprio Valzinho durante uma reunião na residência do Hermínio Bello de Carvalho, em 19/08/1970. (Colaboração de Edgard Costa [sobrinho de Valzinho]) e das jovens Muiza (voz) e Antonia (violão) Adnet.

https://www.youtube.com/watch?v=C2tRhzXONXE align:center]

Valzinho, em 1946, emplacou o sucesso de sua música – “Tormento” – gravada por Orlando Silva que, infelizmente, ficou esquecida, apesar da beleza da canção.

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O outro grande sucesso de Valzinho foi “Doce veneno”, em parceria com Carlos Lentini e Esperidião Machado Goulart, gravado inúmeras vezes e título do seu único disco “Valzinho: Um doce veneno – Zezé Gonzaga & Quinteto Radamés Gnattali”, em 1979.  A bendita iniciativa do disco foi do grande Hermínio Bello de Carvalho. Mencionei “bendita” porque no ano seguinte, 1980, Valzinho faleceu vitimado por uma trombose cerebral. Ele, Hermínio, teve ainda que solicitar do Serviço de Censura a liberação das músicas que comporiam o disco. (Abaixo foto do documento).

Valzinho e Zezé Gonzaga em estúdio gravando o LP Doce Veneno

Doce veneno” ainda foi gravado por Jamelão, Gaúcho e Orquestra, Cynara, Elizeth Cardoso, Britinho e Orquestra, Humberto Aragão, Maria Creuza, em um LP que levou o nome da música, e Paulinho da Viola, entre outros.
 
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Valzinho e a cantora Bidu Reis
 
 
Jornal O Dia / Coluna Cantinho das Canções, de Almirante, em 30/7/1972 (Fonte: Blog Os Teixeiras).
 
 
Cyro Monteiro, Radamés Gnattali, Nelson Gonçalves e Carmélia Alves.

Valzinho era muito querido por todos. Os amigos gostavam de oferecer fotos autografadas, costume muito comum na época. Como sou da década de 1950, lembro muito dos álbuns dos meus pais com as fotos autografadas.

VALZINHO 100 ANOS – COMEMORAÇÕES

As comemorações do Centenário de Valzinho estão sob a batuta do seu sobrinho Edgard Costa – historiador/programador de computadores e criador do GavezDois -, um podcast de música que emplacará uma década no próximo ano.

É via GavezDois que Edgard elaborou e disponibilizou uma série especial de programas com as músicas de Valzinho, que contou com primoroso trabalho de pesquisa da violonista Antonia Adnet e um baita time de cantores (as), violonistas e pianistas sob a direção de Delia Fischer. São programas super deliciosos permeados de emoção e histórias, inclusive, inéditas relatadas pelo Edgard.

Confiram a primeiro episódio da série em homenagem ao Centenário de Valzinho.

Tempo de Criança” (Valzinho/Luis Bittencourt) # Marya Bravo (voz) / Antonia Adnet (violão).

 

 

 

 

Eu e o tio Valzinho:

Ele era padrinho de meu irmão mais velho. Mas era uma pessoa fabulosa e não havia quem não gostasse dele.

Aí nesta foto eu, com uns 4 anos a presumir pela aparência dele antes de ter um enfarte em 1965,  e a mãe dele, minha avó, Niza Chaves Teixeira, pianista e uma das pessoas que incentivou a musicalidade de Valzinho.

Esta foto foi tirada em Teresópolis, na entrada de um pequeno apartamento que ele tinha nesta cidade da serra fluminense”.

(Edgard Costa/2012).

 

 

 

 

Valzinho compôs duas músicas com Orestes Barbosa – “Óculos escuros” e “Imagens”, gravadas respectivamente por Paulinho de Viola e Jards Macalé.

Óculos escuros” (Valzinho/Orestes Barbosa) # Paulinho da Viola. LP Paulinho da Viola, 1971.

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Imagens” (Valzinho/Orestes Barbosa) # Jards Macalé. Álbum Aprender a Nadar, 1974.

Jards Macalé fala sobre seu encontro com Valzinho, da beleza da letra de “Imagens” e sobre o centenário do compositor. Vale a pena conferir.

https://www.youtube.com/watch?v=RkU-UoVbcew align:center]

Confiram, também, os depoimentos de Zé Menezes e Omar Frazão em homenagem aos 100 Anos de Valzinho.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=UQaGhoIX6hE align:center

[video:https://www.youtube.com/watch?v=aBlEVnvzI50 align:center

Em 1960, a cantora/compositora Alaíde Costa estava super envolvida nos ensaios do seu próximo show. A direção da RCA Victor gostou tanto dos resultados dos ensaios que resolveu transformá-los em disco. Eis que surge – “Joia Rara”, contemplando uma composição de Valzinho.

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Vamos ouvir agora algumas músicas inéditas de Valzinho, exclusividade do projeto de resgate da obra de Valzinho, coordenado pelo Edgard Costa, via GazesDois.

Minha paz” (Valzinho) # Marya Bravo (voz) / Antonia Adnet. Segundo seu sobrinho Edgard esta música era umas das preferidas de Valzinho.  

Arrependimento” (Valzinho/Delia Fischer) # Delia Fischer (voz/piano).

Deslealdade” (Valzinho/Armando Louzada) # Marya Bravo (voz) /Antonia Adnet (violão).

Oração” (Valzinho/Jararaca) # Alfredo Del-Penho (voz) / Antonia Adnet (violão).

Mais alguns Depoimentos de pesquisadores/admiradores de Valzinho

O texto que acompanha a foto é de uma longa entrevista que Radamés Gnattali concedeu a Dirceu Soares da Revista Afinal, em 28/1/1986, página/43.

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“Valzinho foi, sem dúvida, um dos precursores da bossa nova. Era venerado tanto por Tom Jobim como também pelo Maestro Radamés Gnattali, que, aliás, fez todos os arranjos do LP “Doce veneno”, gravado por Zezé Gonzaga, e editado pelo Museu da Imagem e do Som. O LP condensa boa parte da obra daquele compositor. Esse trabalho infelizmente, ainda não foi reeditado. Quanto a Zezé, era – isso eu tenho a declaração gravada – a cantora favorita de Radamés”. (Hermínio Bello de Carvalho). 

 

 

 

Valzinho é um desses milagres brasileiros que acontecem por aí sem que a gente perceba. As inovações harmônicas e melódicas que adotou atravessaram todas as fases ditas revolucionárias (inclusive a bossa nova) desse período sem que ficassem superadas. E são inovadoras mesmo. Não nasceram como resultado de modismos”. (Sérgio Cabral – Jornal O Globo, em 9/5/1979).

 

 

 

 

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Sobre o LP Doce Veneno o crítico musical José Ramos Tinhorão escreveu: “O disco mostra como Zezé e Valzinho são atuais”.

 

 

 

 

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Alguns artistas mais abertos e sensíveis, especialmente os novos, gravaram suas músicas. São registros preciosos para quem quiser desvendar o mistério de um artista à frente de seu tempo. O precursor não é necessariamente bem sucedido, mas apresenta ferramentas que serão fundamentais no sucesso de quem virá depois. Valzinho é, seguramente, um desses casos”. (Mario Adnet).

Um grande presente para os fãs de Valzinho é o resgate que Edgard Costa fez das gravações que o Hermínio Bello de Carvalho produziu em sua casa, em 19 de agosto de 1970, onde Valzinho toca violão e canta suas inovadoras composições.

Edgard observa que o documentário histórico “incluí somente as músicas que estavam em melhores condições de audição, pois muitas delas estavam bastante estragadas por causa de defeitos na fita em que foi feito o registro. Justiça feita a obra deste compositor e violonista genial que passou, como disse o recém-falecido Zé Meneses, como um ET por nosso planeta, e parece que pouca gente viu”.

– “Apresentação, com Hermínio Bello de Carvalho e Valzinho

– “Três de setembro” (Valzinho / Renato Batista)

– “Imagens” (Valzinho / Orestes Barbosa)

– “Amar e sofrer” (Valzinho)

– “Teu olhar” (Valzinho / Garoto)

– “Óculos escuros” (Valzinho / Orestes Barbosa)

– “Viver sem ninguém” (Valzinho / Marcelo Dória Machado)

– “Gostar de Ninguém” (Valzinho / Hugo Almeida)

– “Não convém” (Valzinho / Jorge de Castro)

– “Minha paz” (Valzinho)

– “Não sei porque” (Valzinho / Luperce Miranda)

– “Tudo foi surpresa” (Valzinho / Peterpan)

Em dezembro de 2013, fiz uma pequena homenagem ao Valzinho, motivada pelo Hermínio Bello de Carvalho e sua “Oficina de Coisas e Reparos”. A partir daí iniciei uma garimpagem sobre sua vida/obra, inicialmente sem muito sucesso, até encontrar o Blog dos Teixeiras e, logo depois, a página “Os Teixeiras: Valzinho, Newton Teixeira e família”, mantida no Facebook por Edgard Costa.

Quando pesquisamos, por algum tempo, sobre um determinado artista acabamos estabelecendo um vínculo afetivo com o homenageado. Com Valzinho não foi diferente. A cada nova descoberta uma alegria, a exemplo da abordagem feita por Mario Adnet e a seleção de músicas de Valzinho, publicadas no site do Instituto Moreira Salles (IMS).

A indagação é inevitável: Por que um compositor do quilate de Valzinho não é tão conhecido do grande público? Eu, sinceramente, não sei responder. O que eu sei é que ele foi um gigante no seu mister de compor, antecipando o que viria a ser chamado de movimento bossanovista. O Brasil precisa redescobrir a gênese da Bossa Nova pela obra de Valzinho, resgatando-o e colocando-o entre os grandes nomes da nossa Música Popular Brasileira.

 

Laura Macedo

2 Comentários

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  1. Post de grande valor

    Excelente postagem querida Laura. Eu que penso que conheço um bocado sobre a musica brasileira descubro a musica de Valzinho e toda sua historia. Além de compositor, eximio violonista. Ao ler sua historia bem documentada aqui pelas inumeras fotografias, me ocorreu que no Brasil da primeira metade do século XX havia em cada familia alguém que tocava algum instrumento e alguém que cantava e isso parece que perdeu-se um pouco. Eh raro hoje ver uma familia de musicos, como na foto da familia Teixeira e, principalmente, a foto das crianças em que cada uma esta com um instrumento. Tenho sempre incentivado aos amigos de colocarem os filhos para fazer musica. Espero que não percamos jamais nossa tradição de um Pais de musicos, instrumentistas e intérpretes de grande valor.

    Um abração.

    1. A Arte de Valzinho!

      Querida amiga Maria Luisa,

      Eu e Gregório passamos o final de semana na cidade de “Piracuruca (PI)” em virtude do casamento de um sobrinho nosso. Foi uma festa MARAVILHOSA!

      Voltando ao seu comentário, como sempre, você arrasando!!!

      “VALZINHO” – merecia há tempos uma grande homenagem! Muito boa a sua observação relacionada ao aprendizado de instrumentos musicais nas famílias da época. Hoje em dia esse salutar hábito ainda existe na nossa capital e em várias cidades do interior.

      Viva a nossa MÚSICA BRASILEIRA!!

      Beijos saudosos!

       

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