Lalão, marque o nome. A primeira vez que ouvi falar dele foi na semana passada, pelo Yamandu Costa, em um sarau no Rio de Janeiro. Yamandu despejou uma saraivada de choros impactantes. Perguntei o que era aquela maravilha? E ele me falou do Lalão, um pernambucano de Recife, 50 anos, que tocava tão bem quanto compunha, era pedreiro e nunca tinha gravado suas obras.
Yamandu o conheceu no ano passado, voltou a Recife este ano e gravou doze peças de Lalão interpretando Lalão. Agora está à espera de um patrocinador que viabilize o disco. Me deu o telefone de Lalão e fiquei esperando até agora, sábado de manhã, para telefonar.
Lalão me atendeu, meio “aperreado”, como ele mesmo me disse – o Yamandu já tinha me alertado que o pernambucano era mesmo “aperreado”. Depois, como todo “aperreado”, foi abrindo a guarda e, no final da conversa, já éramos irmãos, com convite para passar uma tarde em sua casa na minha próxima ida a Recife.
Lalão começou com a música aos 8 anos, quando ganhou do pai um vitrola Pionner, um disco do Waldir Azevedo, e um cavaquinho. O pai era muito pobre, muito mais do que Lalão é hoje. Mas lhe prometeu uma gorjeta por cada música que tirasse. Em pouco tempo, Lalão tirou todo o repertório e se tornou atração da Gurilândia, programa infantil da Rádio Clube, acompanhado por um regional de adultos.
No intervalo das apresentações, ficava brincando no violão dos adultos. Teve alguma influência de China, um sete cordas que morreu quando ele era ainda criança. A partir dos 12 anos passou a aprender sozinho o instrumento.
Quando Canhoto da Paraíba já estava entrevado, com um AVC, houve um show em sua homenagem. E Canhoto foi logo avisando que tinha apenas um violonista em Pernambuco capaz de executar sua obra com toda a arte que ela exigia: o Lalão.
Lalão vive de música, mas não da que ele faz. Toca em bailes, em conjuntos de rock, interpretando repertório dos anos 80. Mas sua paixão é o violão, que ele só consegue mostrar em saraus caseiros, em casas que visita. Basta começar a tocar para todos os presentes se encantarem. Mas, termina a noite, ele recolhe suas composições e nada acontece.
Há tempos Yamandu tornou-se reencarnação de fato de Raphael Rabello, meu amigo Raphael, o gênio das sete cordas falecido há doze anos. Não apenas no virtuosismo, na pressa, mas na sede de conhecer a história da música, do choro, na generosidade em compartilhar o palco com novos talentos, em garimpar velhos talentos desconhecidos, e em se tornar o líder de fato da confraria do choro. É um autêntico galtério, correndo o país com seu violão e arregimentando as tropas da música instrumental brasileira.
Foi para o Rio de Janeiro, enfrentou, no início, o bairrismo dos instrumentistas locais, suportou as comparações com Raphael, as críticas ao seu modo de tocar. Hoje, é o líder de fato do mundo do choro carioca. Nas rodas, se impõe não apenas pelo gigantesco talento, mas por uma personalidade galtéria que domina o ambiente.
Anos atrás, Rapahel foi para Recife, anos atrás, pra registrar a obra de Canhoto da Paraíba. Através dele, Lalão foi apresentado a Garoto, o Aníbal Augusto Sardinha, falecido em 1954, homem que revolucionou o violão, o bandolim e o cavaquinho brasileiros.
Yamandu seguiu para Recife e colheu um Lalão mais aprimorado ainda. Suas últimas obras (que ouvi no sarau do Rio) são de uma sofisticação harmônica de gênio, absorvidas das composições de Garoto. Lalão me parece um alquimista. Coloque-se na sua frente o que tem de mais sofisticado e, incontinente, ele assimila o estilo produz aos borbotões composições de primeiríssima qualidade.
E o que Lalão quer da vida? “Não quero dinheiro, não quero glória”, me diz ele. (O “aperreado” já se desarmou e me trata como irmão.) “Não sou pobre como meu pai era, mas às vezes não tenho dinheiro para a gasolina. Mas não é o que importa. O que eu queria era apenas poder tocar meu violão e mostrar minhas músicas”.
Atenção, governador Jarbas Vasconcellos, candidatos a governador Mendoncinha e Eduardo Campos, atenção, amigos do Jornal do Commercio, atenção Paes Mendonça, Pessoa de Queiroz, ficará muito feio para Pernambuco se um gênio desse quilate precisar da ajuda do centro-sul para ser apresentado ao Brasil.
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