Oração, de Fernando Pessoa, por Maria Bethânia

Enviado por Gilberto Cruvinel

Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte!

O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu!

Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também.

Onde nada está tu habitas e onde tudo estás — (o teu templo) — eis o teu corpo.

Dá-me alma para te servir e alma para te amar.

Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.

Torna-me puro como a água e alto como o céu.

Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos.

Faz com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.

[…]

Minha vida seja digna da tua presença.

Meu corpo seja digno da terra, tua cama.

Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.

Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.

Senhor, protege-me e ampara-me.

Dá-me que eu me sinta teu.

Senhor, livra-me de mim.

.

1912?

.

………………………………………………………………………………………………

Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966. – 61.

Por Maria Bethânia

Redação

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Muitos passam pela vida

    Muitos passam pela vida repetindo mecanicamente versículos, orações e/ou mantras das denominações religiosas das quais fazem parte, poucos chegam a orar.

    Fernado Pessoa através da sua pura intuição poética vai além das formas e alcança a essência das religiões, inclusive a judaico/cristã. E verdadeiramente ora através deste poema que é ORAÇÃO de fato!

    E assim como Pessoa neste poema/oração, existem diversos místicos cristãos, que expressam através da poesia, a oração de seus “corações”, que ao final, são as únicas que contam…

    Um destes místicos cristãos é San Juan De La Cruz, que através de seus poemas expressa sua experiência mística de forma muito pessoal:

    “Na interior adega
    Do Amado meu, bebi; quando saía,
    Por toda aquela várzea
    já nada mais sabia,
    E o rebanho perdi que antes seguia.

    Minha alma se há votado,
    Com meu cabedal todo, a seu serviço;
    já não guardo mais gado,
    Nem mais tenho outro ofício,
    Que só amar é já meu exercício.

    Gozemo‑nos, Amado!
    Vamo‑nos ver em tua formosura,
    No monte e na colina,
    Onde brota a água pura;
    Entremos mais adentro na espessura.”

     

      1. exato e verdadeiro

        E que é “exato e verdadeiro”?

        Aliás, se “é exato não pode se verdadeiro” ou “se é verdadeiro não pode ser exato”,

        pelo menos , não no campo da humana experiencia religiosa.

        1. Exato e verdadeiro

          Alguém pode orar a Deus com palavras inexatas, mas o sentido geral da oração ser verdadeiro, e vice-versa. Assim como pode orar com palavras inexatas e sentido falso, ou com palavras exatas e sentido verdadeiro.

  2. Muitos passam pela vida

    Muitos passam pela vida repetindo mecanicamente versículos, orações e/ou mantras das denominações religiosas das quais fazem parte, poucos chegam a orar.

    Fernado Pessoa através da sua pura intuição poética vai além das formas e alcança a essência das religiões, inclusive a judaico/cristã. E verdadeiramente ora através deste poema que é ORAÇÃO de fato!

    E assim como Pessoa neste poema/oração, existem diversos místicos cristãos, que expressam através da poesia, a oração de seus “corações”, que ao final, são as únicas que contam…

    Um destes místicos cristãos é San Juan De La Cruz, que através de seus poemas expressa sua experiência mística de forma muito pessoal:

    “Na interior adega
    Do Amado meu, bebi; quando saía,
    Por toda aquela várzea
    já nada mais sabia,
    E o rebanho perdi que antes seguia.

    Minha alma se há votado,
    Com meu cabedal todo, a seu serviço;
    já não guardo mais gado,
    Nem mais tenho outro ofício,
    Que só amar é já meu exercício.

    Gozemo‑nos, Amado!
    Vamo‑nos ver em tua formosura,
    No monte e na colina,
    Onde brota a água pura;
    Entremos mais adentro na espessura.”

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador