A briga entre Assis Chateaubriand e o arcebispo de Belo Horizonte: uma lição sobre as “verdades” da imprensa

Um episódio assim tinha ocorrido meses antes, quando Rubem Bragaainda trabalhava nos jornais de Minas Gerais. Irreverente e anticlerical, em plena Sexta-Feira da Paixão Braga escrevera um artigo considerado desrespeitoso à figura de Nossa Senhora de Lourdes, a padroeira de Belo Horizonte. A Igreja mineira, que tinha planos de criar um jornal para combater os Associados locais (o que acabaria acontecendo em 1935, com o lançamento de O Diário, que ficou conhecido como “Diário católico”), entendeu que a provocação feita por Braga era o pretexto de que precisava para abrir guerra contra Chateaubriand.

O arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, d. Antônio dos Santos Cabral, tomou a briga a peito, pessoalmente. Deu ordens para que todos os padres, até nas mais remotas paróquias do sertão mineiro, dedicassem suas prédicas e sermões dominicais ao trabalho de demolição do Estado de Minas e do Diário da Tarde. A orientação era uma só: um bom católico não podia ler jornais que faltavam com o respeito à Virgem Maria. 

Mineiro e conhecedor das tradições conservadoras de seu estado, Dario de Almeida Magalhães procurou Chateaubriand para fazê-lo ver que, se não fosse contido a tempo, d. Cabral podia causar um estrago de proporções consideráveis entre os leitores, assinantes e anunciantes dos jornais. O que ele propunha era um acordo que amansasse o bispo – por exemplo, transferir Rubem Braga para o Rio ou para São Paulo. 

Chateaubriand discordou, disse que seria uma humilhação submeter-se àquele “padre desaforado”. Dario quase desabou ao ouvir o patrão, sapateando e vociferando, propor a sua solução para o conflito:

– Se esse filho da puta continuar com essa conversa fiada, vou escrever um artigo nos jornais dizendo que sei a história dele. Vou dizer que ele estuprou a própria irmã.

Chateaubriand não conhecia d. Antônio dos Santos Cabral e não sabia sequer se ele tinha irmãs, mas Magalhães conhecia Chateaubriand muito bem e sabia que, se não fosse contido a tempo, ele sem nenhuma dúvida teria cumprido a ameaça – e o bispo que se arranjasse para desmenti-lo. Para felicidade geral acabaria prevalecendo a mineiríssima prudência de Magalhães: depois de envolver o Itamaraty e o núncio apostólico Enrico Gasparri (que aparentemente se convenceram de que por trás da ira santa do bispo estava oculto um projeto jornalístico), os Associados ofereceram como desagravo a d. Cabral a cabeça de Rubem Braga, para quem não poderia ter ha-
vido solução melhor. Há muito tempo querendo deixar Belo Horizonte, o jornalista capixaba transferiu-se de bom grado para o Diário da Noite, em São Paulo.

CHATÔ, O REI DO BRASIL, DE FERNANDO MORAIS. pp. 336/337.

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador