Há alguns meses escrevi um texto sobre as ilusões à esquerda e à direita desencadeadas pelo Impedimento mediante fraude de Dilma Rousseff: https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/a-crise-brasileira-e-as-ilusoes-da-direita-e-da-esquerda
Volto ao assunto, pois a derrocada econômica brasileira (que tende a se amplificar em razão da destruição do Mercosul, da resistência diplomática europeia ao golpe e, principalmente, a vitória do protecionismo na eleição norte-americana) amplificou a crise política, confirmando parcialmente o que eu disse. A direita brasileira realmente “…deu um golpe de estado no momento errado, pelas razões erradas com base em projeções econômicas erradas.”
A aprovação da Lei que permite a responsabilização dos abusos cometidos por Juízes e Promotores produziu um racha entre os articuladores do golpe de estado contra Dilma Rousseff. Isto era previsível. Como eu mesmo disse:
“Em consequencia, o novo regime será obrigado a cumprir sua promessa de garantir impunidade para os 300 ladrões que endossaram o golpe de estado. Todavia, isto não pode ser feito dentro dos limites traçados pela constituição federal sem que o Executivo exerça uma pressão ilegal e insuportável sobre as instituições. As primeiras vítimas do golpe serão, portanto, o Ministério Público e o Poder Judiciário.
A reação dos órgãos estatais às novas diretrizes impostas por Temer para garantir o bem estar e a tranquilidade da sua quadrilha provocará a primeira crise do novo governo. A flexibilização da constituição – instrumento que garantiu o impedimento sem fundamentação jurídica – será seguida pela flexibilização do Direito Administrativo. Juízes, procuradores e promotores que colocarem em risco a nova República de velhos ladrões serão pressionados, afastados e perderão seus cargos.
Os expurgos promovidos por Michel Temer irão necessariamente continuar enquanto autoridades do Judiciário e do MP demonstrarem independência e disposição de resistir à nova tirania. Em algum momento parte da imprensa terá que escolher entre ser esmagada pela opinião pública ao servir ao tirano ou ser esmagada ao lado de suas vítimas.”
No dia 04 de dezembro de 2016 os defensores dos Juízes e dos Promotores irão às ruas. Eles não poderão contar com o apoio dos partidos e da polícia. Temer reprimiu ferozmente as manifestações em Brasília contra a aprovação da PEC-55. Se não reprimir as manifestações de amanhã ele corre o risco de abreviar seu mandato. O problema é que ele encontrará resistência por parte dos próprios comandantes policiais, que não estão acostumados a dar tiros de borracha em manifestantes de direita.
Depois que é aberta, a porta do inferno não pode ser fechada. Guardadas as devidas proporções, os brasileiros estão sendo submetidos à uma dinâmica destrutiva semelhante àquela que foi imposta aos ucranianos. Não por acaso extremistas de direita que irão à ruas amanhã prometem na internet transformar o Brasil numa Ucrânia.
Ao se insurgir contra a PEC-55 os estudantes fizeram sua parte. Mas eles são apenas uma parte da solução da crise.
“O movimento estudantil desempenha hoje importante papel na evolução da democracia brasileira. Provoca, por isto mesmo, um estado de perene irritação em todos os reacionários empedernidos dêste País. Em contrapartida, enche-nos de satisfação. Nem por isto incumbe à esquerda deixar de constatar que as entidades estudantis têm vários problemas para cuja solução devemos contribuir.”
“As organizações estudantis já têm por si mesmas uma enorme missão a cumrir. Vivemos o momento de reestruturação da sociedade brasileira. Queremos ver nossa terra como uma próspera nação industrial, fazendo pleno uso de sua soberania, sobretudo onde não hajam injustiças flagrantes. De nossa participação nesse processo de transformação depende a configuração da sociedade brasileira de amanhã. Os estudantes, individualmente ou através de seus órgãos representativos, estão chamados a participar dêsse movimento, ao lado de todo o povo. Mas compete-lhes ao mesmo tempo, a missão específica de abrir caminho à democratização do ensino, à possibilidade de que a êle tenham acesso os mais aptos e não uns poucos privilegiados. Os dirigentes políticos da esquerda podem a êsse respeito, dizer umas quantas generalidades. Mas a elaboração do programa de ação, concreto e detalhado, só as uniões de estudantes poderão realizar.”
Transcrevi de propósito estes dois fragmentos do livro “Retrato sem Retoque”, de Adalgisa Nery, Coleção Retratos do Brasil, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1963, páginas 161 e 163 respectivamente. Fiz isto para poder tecer alguns comentários sobre as ilusões provocadas pelo movimento estudantil.
Quando o livro foi escrito e publicado, acreditava-se que o movimento estudantil tinha um grande papel revolucionário a cumprir. O golpe militar de 1964 desfez todas as esperanças da esquerda. As entidades estudantis foram rapidamente destruídas pela ditadura.
A reestruturação da sociedade brasileira ocorreu, mas foi brutalmente imposta pelos militares. Os estudantes que resistiram ao golpe passaram a ser perseguidos, presos, torturados, deportados e mortos. Alguns deles ainda estão vivos: José Dirceu foi preso por Sérgio Moro; José Serra faz parte do governo golpista que aprovou a PEC-55 e que não se sustentaria se permitisse o prosseguimento da Lava Jato.
Esta lição do passado é importante. A esquerda não pode voltar a se iludir com o vigor e o volume das manifestações estudantis. Os estudantes são apenas uma pequena parte do problema (para a direita) e da solução (para a esquerda). A Frente Ampla imaginada por Lula não pode ser comandada por estudantes nem se tornar dependente demais do movimento estudantil.
A Política é a arte do possível. Cálculo e pragmatismo levaram o governo Temer a confrontar o MP e o Judiciário. Seria um erro da esquerda se unir aos juízes e promotores neste momento. Mas também seria um erro superavaliar o poder das entidades estudantis. Elas foram facilmente esmagadas em 1964 e o mesmo ocorreria no presente.
Até o presente momento as Forças Armadas tem se mantido discretamente distante dos conflitos políticos. O comandante do Exército se recusa a culpar exclusivamente o PT pela corrupção. Um coronel evitou a prisão de Lula desafiando abertamente o poder de Sérgio Moro. Todavia, me parece evidente que os Juízes exercem sobre os soldados um poder simbólico maior do que os estudantes. A esquerda não pode se esquecer disto. A Frente Ampla necessariamente terá que incluir militares, mas não poderá excluir uma parcela dos Juízes.
O passado não retorna. Cada momento histórico tem suas próprias características que limitam as possibilidades de rupturas e continuidades. Todavia, os homens tem uma tendência natural a se iludir. O futuro do Brasil não pode ficar nas mãos daqueles que deram o golpe de 2016 (Michel Temer e sua quadrilha), mas tampouco pode ser atribuído àqueles que nutrem ilusões sobre o poder e a força do movimento estudantil.

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