Abaixo a ditadura – não vai ter Copa.

Dos “comunistas” da década de 70 aos black blocks de hoje, o fracasso da Copa do Mundo é pensado como forma de derrubar o governo.

A diferença é que, na época, vivíamos em uma ditadura.

O texto abaixo foi publicado originalmente em 18/06/2013 e ao recordá-lo vemos como o atual “não vai ter Copa” é o ápice de uma estratégia que surge da distorção dos “protestos de Junho” do ano passado e tem como fundamento a instrumentalização de preconceitos há muito arraigados na alma da classe média nacional, como ferramenta o uso da violência e como intenção a desestabilização do governo Dilma.

É a Copa, estúpido – ou, a direita encontrou seu mote.

“A gente explode se for campeão

Depois se fode na eleição,

A gente perde a copa e aprende

A eleger quem é honesto e competente.

Já dizia o General De Gaulle:

“Este país não é sério!”

Quem quer trocar a copa do mundo

Por um Brasil sem vagabundos?”.

São alguns versos da canção M TE VÊ de Rita Lee.

Rita Lee é a nossa eterna roqueira rebelde, mas de família.

São poucos versos para a quantidade de preconceito que contém.

Referem-se a um preconceito da classe média brasileira em relação aos pobres típico da década de 70. Considerava o povo brasileiro como manipulável através da sua paixão pelo futebol – a pátria de chuteiras e imaginava que uma derrota futebolística seria o estopim de uma revolta social que direcionada corretamente levaria a derrubada da ditadura. Não eram poucos os diziam torcer contra o Brasil por esse motivo. Mas na verdade, era essa mesma classe média quem sempre comprou os pacotes das agências de turismo a cada Copa do Mundo, essa mesma classe média e suas mocinhas em trajes sumários sambando nas arquibancadas do mundo a fora. São atraentes, sem dúvida.

Pois bem, esse preconceito é tão arraigado na classe média que mesmo já sendo anacrônico para a Copa de 98, época da composição da Rita, ele estava presente. Anacrônico porque o Brasil já perdera Copas de 74 a 90 em pleno regime militar e nem por isso a ditadura se abalou.

O mar de povo que ontem tomou as ruas das principais cidades do Brasil extrapolou as relações que poderia ter com o que reivindicava o MPL e aumentou o espanto dos que se perguntam se vinte centavos justificariam o que foi visto. Se não, o que então?

Uma leitura geral, inicial e provavelmente incompleta é a de que o movimento iniciado pelo protesto contra o aumento das passagens, catalisado pelo repúdio às cenas de violência policial, despertou o sentimento de insatisfação difuso das classes média baixa e remediada – o mal estar de uma geração, chamei-o aqui um post atrás. Hildegard Angel falava ontem desse estrato de nossa sociedade que não foi beneficiado nem pelas ações de distribuição de renda do Bolsa Família nem pelos incentivos às grandes empresas via BNDES. É necessário entender nada de economia para aceitar que isso seja uma verdade. Essa é a classe dos engenheiros que no passado abriam lojas de suco e hoje estão sendo caçados a laço no mercado, isso só para resvalar nos benefícios que a ativação da economia trouxe ao país como um todo.  Mas isso é uma análise racional. É fácil não perceber que os benefícios do crescimento econômico da era Lula-Dilma foram indiretos em relação à classe média e considerar que eles não existiram. E que essa é a causa da insatisfação e da classe média estar novamente nas ruas após tanto tempo.

Quem analisa esses movimentos ainda não tem uma explicação. E é aí que mora o perigo.

A instrumentalização.

Ontem, mesmo depois de saber que sua equipe de reportagem foi hostilizada no Largo da Batata, ponto inicial da passeata aqui em São Paulo, mesmo depois de admitir ao vivo que os manifestantes que passavam frente à Rede Globo lançavam xingamentos a ela, lá estava o indefectível JN – Jornal Nacional explicando o motivo do protesto:

Era contra os aumentos das passagens e do custo de vida. Pasmem, quem colocou o custo de vida no meio da passeata? Uma clara tentativa de associar os protestos à “inflação do tomate” e aos colares de Ana Maria Braga.

Clovis Rossi na Folha de hoje, [18/06/2013]:

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi/2013/06/1296793-a-vaia-saiu-as-ruas.shtml

“Por fim, sobre o que querem os manifestantes, já muito além do passe livre, quem parece ter razão é Juan Arias, o excelente correspondente de “El País”: “Querem, por exemplo, serviços públicos de primeiro mundo; querem uma escola que, além de acolhê-los, lhes ensine com qualidade, o que não existe; querem uma universidade que não seja politizada, ideologizada ou burocrática. Querem que ela seja moderna, viva, que os prepare para o trabalho futuro”. Mais: “Querem hospitais com dignidade, sem meses de espera, onde sejam tratados como seres humanos, e querem, sobretudo, o que ainda lhes falta politicamente: uma democracia mais madura, em que a polícia não atue como na ditadura”. “Querem um Brasil melhor. Nada mais.”

Além do ridículo de um experiente jornalista brasileiro se apoiar em um correspondente estrangeiro para emitir um parecer genérico sobre o Brasil, afinal, os espanhóis devem estar esperando o mesmo da Espanha, lembremo-nos do título do artigo: “A vaia saiu à rua”.

Ah! entendi, o protesto era dirigido à Dilma.

[a presidente havia sido vaiada no Estádio Mané Garricha na abertura da Copa das Confederações. Alguma semelhança com a vai a Lula no Maracanã na abertura do Pan do Rio de Janeiro? Sim, os burgueses eram os mesmos, apenas 6 anos mais velhos]

A classe média, que no Brasil representa a vanguarda e é bem informada percebeu finalmente que o que lhe falta em termos de saúde e educação, ou seja, o que nos impede de ter um Brasil melhor, é devido aos custos da realização da Copa do Mundo?

Clovis Rossi não deixa dúvidas quanto a isso: “O Brasil não é um país de sair à rua, salvo em Mundiais. Que saia agora, em massa, ainda por cima para protestar também contra as obras da Copa, é de atordoar qualquer um”.

Quer dizer que antes tínhamos um país de primeiro mundo e que a partir das obras da Copa deixamos de tê-lo? Todos os recursos do país foram investidos em estádios de futebol, o país está parado em todas as demais áreas. É isso?

Não, não é.

Vejamos.

Nos últimos 7 anos, foram gastos na preparação para a Copa 23 bilhões de reais. Ocorre que com estádios o gasto foi de 7 bilhões. Portanto, 16 bilhões foram gastos em reformas de aeroportos e melhoria da mobilidade urbana. Os VLTs – veículos leves sobre trilhos e BRTs – bus rapid transit em várias sedes da Copa, tais como, Cuiabá e Belo Horizonte são exemplos de obras que ficarão servindo a população após a Copa.

E a saúde e a educação? Na saúde são investidos mais de 70 bilhões de reais ao ano e na educação mais de 30 bilhões. Se não resultou ainda no que esperamos, deve se isso a baixos investimentos e desvios no passado – quem ainda se lembra que originalmente a CPMF no governo FHC era para saúde? Acabou aonde? Saúde e educação são também obras de gerações e não de um único governo. Podem ainda estar deficientes e precisam melhorar mas não foi a Copa que tirou dinheiro delas.

Os estádios serão elefantes brancos? Não, não serão, talvez com as exceções de Cuiabá e Manaus. Mineirão, Maracanã, Olímpico e Itaquerão serão utilizados apenas na Copa e abandonados depois? O Mané Garrincha  em Brasília é um monumento arquitetônico e muito bem localizado. Eixo monumental entre os setores hoteleiros Norte e Sul. Com o conceito de arena multi-uso será o grande palco de eventos de massa do centro-oeste, independente de futebol ou não.

Os próprios estádios são uma melhoria em si. O Brasil tem campeonatos regionais e nacionais que envolvem  milhões de torcedores anualmente. Dez entre dez comentaristas de futebol afirmam que essa massa de gente é tratada como gado, que os gramados são uns pastos. Quem ainda recorda a tragédia do Fonte Nova em Salvador – 7 mortos e dezenas de feridos, despencados das lajes do estádio devido à má conservação? 

Terão agora estádios de primeiro mundo. A classe média não vai a estádios, seus filhos não vão?

Um detalhe. Os estádios foram financiados com empréstimos do BNDES e não com recursos orçamentários. Logo, deverão ser pagos pelas empresas ou órgãos que administrarem esses lugares. Se a classe média está interessada em combater a corrupção é nesses pagamentos que deverão centrar sua atenção.

A FIFA é quem está mandando no Brasil. Realmente, os dirigentes da FIFA são arrogantes e muitas das suas intervenções nos ofenderam. Mas devemos lembrar que ela é detentora dos direitos do 2º maior evento esportivo planetário – o primeiro são os jogos olímpicos. Ela tem exigências que são impostas a todos os países que sediam Copas do Mundo. Alemanha, Japão, Coréia do Sul e África do Sul também atenderam essas exigências nas três últimas Copas do Mundo. Esses países perderam suas soberanias durante a Copa? Foi isso que vimos?

A FIFA é a única que vai ganhar dinheiro. A FIFA vai ganhar muito dinheiro, e esse parece ser seu principal interesse, com direitos de transmissão e patrocínios. Mas ela não cobrará royalties dos hotéis, restaurantes, taxistas, empresas de telefonia, teatros e casas de show e barraquinhas de coco verde na beira das praias. Esses também ganharão muito dinheiro servindo os turistas nacionais e estrangeiros que assistirão a Copa.

Esta é a Copa do Mundo mais cara da história. Está custando mais que as últimas três Copas – Japão-Coréia, Alemanha e África do Sul, juntas. Aqui é necessária uma análise circunstancial. Nesses quatro países praticamente se investiu dinheiro apenas em estádios e não em obras de melhoria. Alemanha, Japão e Coréia do Sul já tinham suas necessidades de comunicação e transporte bem resolvidas, precisaram de investimentos mínimos. A África do Sul pouco investiu nessas áreas. Quem acompanhou o noticiário de então viu como era difícil se locomover e como foram poucos os turistas estrangeiros em função dessa e outras deficiências.

O Brasil não. Está investindo em estádios e melhorias urbanas. É natural que gaste muito mais.

Haverá retorno financeiro para esse investimento? Estima-se que a Copa do Mundo movimentará no Brasil algo em torno de mais de 140 bilhões de reais, além de muita gente empregada.

Devemos abrir mão de tudo isso? Há algum senso nisso?

Não, mas é a opção que defendem os colegas de escritório com quem discuti logo cedo. Bom, como esses também acham que o filho do Lula é um dos maiores milionários do Brasil, não mudaram de opinião, apenas aceitaram a primeira explicação fácil que lhes deram e que lhes permite conservar seus preconceitos.

Preocupado mais fiquei ao ver, ainda que não tenha me aprofundado no assunto, as manifestações no Maracanã, Brasília e Mineirão.

Em Brasília, com cartazes escritos em bom inglês para inglês ver.

Bem fizeram os meninos do MPL que deixaram claro: o movimento é pela revogação do aumento das passagens.

Quanto à direita “cansada”, aos inocentes úteis convencidos pela mídia de oposição e aos oportunistas de sempre, parece que encontraram o seu mote em relação aos protestos:

“É a Copa, estúpido”.

Redação

1 Comentário

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  1. O Romário só falou besteira.

    Já têm dois meses este post mas vou comentar:

    O Romário é um poeta calado! Falou muita besteria neste video:

    1° Ele se contradiz, comparar dinheiro dos estádios com quadras quadras esportivas???? Mas, os dois não são esporte e lazer? Só que os estádios são esporte, lazer, hotelaria, comercio, turismo e consequentemente vai trazer retorno para alguns seguimentos econômicos do nosso país.

    2° Dinheiro gasto??? e a cpmf não era dinheiro para a saúde?????

    Concordo que no Brasil sempre ouve desde o descobrimento até hoje corrupção e superfaturamento em qualquer obra não é na Copa que isso vai mudar. Ele não deu nenhuma solução para mudar isso!

    Não concordo com este dinheiro que o futebol moviementa que inclusive enriqueceu o nobre deputado, mas, e o esporte    n°1 da nação e se têm muitos consumidores de todas as classes sociais, vai movimentar muito dinheiro, e não sou eu que vou controlar o gasto das outras pessoas.

    O governo só gastou este volume de dinheiro, porque o povo também gasta muito dinheiro consumindo este esporte. Veja a diferença de participação e me incluo nesta, entre jogos de futebol x progrmas benifecientes.

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