Brasil vive um clima de pré-nazismo enquanto a oposição emudece, por Juan Arias

O silêncio dos que deveriam defender a democracia pode acabar deixando o caminho aberto aos autoritários, que se sentem ainda mais fortes diante de tais silêncios

do El Pais 

Brasil vive um clima de pré-nazismo enquanto a oposição emudece

por Juan Arias

O Brasil está vivendo, segundo analistas nacionais e internacionais, um clima político de pré-nazismo, enquanto a oposição progressista e democrática brasileira parece muda. Somente nos últimos 30 dias, de acordo com reportagem do jornal O Globo, o presidente Jair Bolsonaro proferiu 58 insultos dirigidos a 55 alvos diferentes da sociedade, dos políticos e partidos, das instituições, da imprensa e da cultura.

E à oposição ensimesmada, que pensa que o melhor é deixar que o presidente extremista se desgaste por si mesmo, ele acaba de lhes responder que “quem manda no Brasil” é ele e, mais do que se desfazer, cresce cada dia mais e nem os militares parecem capazes de parar seus desacatos às instituições.

Há quem acredite que o Brasil vive um clima de pré-fascismo, mas os historiadores dos movimentos autoritários preferem analisá-lo à luz do nazismo de Hitler. Lembram que o fascismo se apresentou no começo como um movimento para modernizar uma Itália empobrecida e fechada ao mundo. De modo que uma figura como Marinetti, autor do movimento futurista, acabou se transformando em um fervoroso seguidor de Mussolini que terminou por arrastar seu país à guerra.

nazismo foi outra coisa. Foi um movimento de purga para tornar a Alemanha uma raça pura. Assim sobraram todos os diferentes, estrangeiros e indesejados, começando pelos judeus e os portadores de defeitos físicos que prejudicavam a raça. De modo que o nazismo se associa ao lúgubre vocábulo “deportação”, que evoca os trens do horror de homens, mulheres e crianças amontoados como animais a caminho dos campos de extermínio.

Talvez a lúgubre recordação de minha visita em junho de 1979 ao campo de concentração de Auschwitz com o papa João Paulo II tenha me feito ler com terror a palavra “deportação” usada em um decreto do ministro da Justiça de Bolsonaro, o ex-juiz Sérgio Moro, em que ele defenda que sejam “deportados” do Brasil os estrangeiros considerados perigosos.

Bolsonaro, em seus poucos meses de Governo, já deixou claro que em sua política de extrema direita, autoritária e com contornos nazistas, cabem somente os que se submetem às suas ordens. Todos os outros atrapalham. Para ele, por exemplo, todos os tachados de esquerda seriam os novos judeus que deveriam ser exterminados, começando por retirá-los dos postos que ocupam na administração pública. Seu guru intelectual, Olavo de Carvalho, chegou a dizer que durante a ditadura 30.000 comunistas deveriam ter sido mortos e o presidente não teve uma palavra de repulsa. Ele mesmo já disse durante a campanha eleitoral que com ele as pessoas de esquerda deveriam se exilar ou acabariam na cadeia.

Inimigo dos defensores dos direitos humanos, dos quais o governador do Rio, Witzel, no mais puro espírito bolsonarista, chegou a afirmar que são os culpados pelas mortes violentas nas favelas, Bolsonaro mal suporta os diferentes como os indígenas, os homossexuais, os pacíficos que ousam lhe criticar. Odeia todos aqueles que não pensam como ele e, ao estilo dos melhores ditadores, é inimigo declarado da imprensa e da informação livre.

Sem dúvida, o Presidente tem o direito de dizer que foi escolhido nas urnas com 53% dos votos, que significaram 57 milhões de eleitores. Nesse sentido o problema não é seu. Os que votaram nele sabiam o que pensava, ainda que talvez considerassem seus desatinos de campanha como inócuos e puramente eleitoreiros. O problema, agora que se sabe a que ele veio, e que se permite insultar impunemente gregos e troianos começando pelas instituições bases da democracia, mais do que seu, é da oposição.

Essa oposição, que está muda e parece impotente e distraída, demonstra esquecer a lição da história. Em todos os movimentos autoritários do passado moderno, os grandes sacerdotes da violência começaram sendo vistos como algo inócuo. Como simples fanfarrões que ficariam somente nas palavras. Não foi assim e diante da indiferença, quando não da cumplicidade da oposição, acabaram criando holocaustos e milhões de mortos, de uma e outra vertente ideológica.

Somente os valores democráticos, a liberdade de expressão, o respeito às minorias e aos diferentes, principalmente dos mais frágeis, sempre salvaram o mundo das novas barbáries. De modo que o silêncio dos que deveriam defender a democracia pode acabar deixando o caminho aberto aos autoritários, que se sentem ainda mais fortes diante de tais silêncios.

Nunca existiram democracias sólidas, capazes de fazer frente aos arroubos autoritários, sem uma oposição igualmente séria e forte, que detenha na raiz as tentações autoritárias. Há países nos quais assim que se cria um governo oficial, imediatamente a oposição cria um governo fictício paralelo, com os mesmos ministros, encarregados de vigiar e controlar que os novos governantes sejam fieis ao que prometeram em suas campanhas e, principalmente, que não se desviem dos valores democráticos. Sem oposição, até os melhores governos acabarão prevaricando. E o grande erro das oposições, como vimos outras vezes também no Brasil, foi esperar que um presidente que começa a prevaricar e se corromper se enfraqueça sozinho. Ocorrerá o contrário. Crescerá em seu autoritarismo e quando a oposição adormecida perceber, estará derrotada e encurralada.

Nunca em muitos anos a imagem do Brasil no mundo esteve tão deteriorada e causando tantas preocupações como com essa presidência de extrema direita que parece um vendaval que está levando pelos ares as melhores essências de um povo que sempre foi amado e respeitado fora de suas fronteiras. Hoje no exterior não existe somente apreensão sobre o destino desse continente brasileiro, há também um medo real de que possa entrar em um túnel antidemocrático e de caça às bruxas que pode condicionar gravemente seu futuro. E já se fala de possíveis sanções ao Brasil por parte da Europa, em relação ao anunciado ataque ao santuário da Amazônia.

O Brasil foi forjado e misturado com o sangue de meio mundo que o fizeram mais rico e livre. Querer ressuscitar das tumbas as essências de morte do nazismo e fascismo, com a vã tentativa da busca da essência e pureza da brasilidade é uma tarefa inútil. Seria a busca de uma pureza que jamais poderá existir em um país tão rico em sua multiplicidade étnica, cultural e religiosa. Seria, além de uma quimera, um crime.

Urge que a oposição democrática e progressista brasileira desperte para colocar um freio nessa loucura que estamos vivendo e que os psicanalistas confirmam que está criando tantas vítimas de depressão ao sentirem-se esmagadas por um clima de medo e de quebra de valores que a nova força política realiza impunemente. Que a oposição se enrole em suas pequenezas partidárias e lute para ver quem vai liderar a oposição em um momento tão grave, além de mesquinho e perigoso é pueril e provinciano.

Há momentos na história de um país em que se os que deveriam defender os princípios da liberdade e da igualdade cruzam os braços diante da chegada da tirania, incapazes até de denunciá-la, amanhã pode ser tarde demais. E então de nada servirá chorar diante dos túmulos dos inocentes.

Redação

4 Comentários

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  1. De acordo com Juan Árias, se o Brasil entrar de vez no fascismo a culpa é da oposição. Do PT, principalmente, afinal é o maior partido de oposição do país.

    Sinceramente, Juan, acho que você está escrevendo em uma sala com ar condicionando lá em Madrid e observando a “realidade” brasileira pelas lentes da Globonews.

    A culpa do avanço do fascismo não é da oposição, não é do PT, não é do Lula. Se você não está enxergando os movimentos de resistência populares e da oposição, o esforço que estamos fazendo para conter essa desgraça, me desculpe, mas a GloboNews vai continuar não te mostrando isso.

    Ela jamais vai dizer que ela própria é uma das maiores patrocinadoras deste teatro do absurdo que estamos vivendo. Junta-se esta imprensa podre com uma elite mais sanguinária que a aristocracia romana, e temos este cenário.

    Desliga essa Globonews e vem para o mundo real. Precisamos de ajuda.

  2. Me pergunto, entretanto, de que oposição o jornalista fala. Pois o PT, o PSOL, dentre outros, têm denunciado há tempos o caráter do governo, ainda mais agora que o Lula foi liberto. Há, decerto, muita dificuldades e hesitações em ir para a rua. Assim como problemas de estratégia para falar às pessoas. Apesar dos pesares essas oposições não estão silenciosas.
    O silêncio vem dos setores esclarecidos daqueles antigos simpatizantes do PSDB. Dos jornalistas das grandes empresas, da OAB, dos ministros do STF, etc. Esses sim estão devendo e muito ao país diante da barbárie que se instalou e se aprofunda. Acreditam na ilusão chamada Paulo Guedes como uma aposta que vale o risco.
    Cobrar a “oposição” em termo genérico, creio, não ajuda muito à análise.

  3. Caro ( no sentido pecuniário) Juan Arias,

    com seus ataques venenosos contra a moderada gestão social-democrata do PT na presidência você contribuiu zelosamente durante anos para que o ovo da serpente fosse chocado no Brasil. Você não passa de um reles golpista.

  4. As vezes paro e me pergunto se o Brasil merece tudo isso… Acho que merece, merece coisa muito pior, porque na verdade sempre desprezamos profundamente a nossa própria história….Não aprendemos e não queremos aprender…
    Erros são cometidos. Erros são repetidos e nada parece fazer o brasileiro querer mudar seu próprio destino.
    O caso do capitão é típico. TODO mundo sabia quem ele era. AVISOS foram dados aos montes… Alguém escutou? Pouquíssimos… Ninguém queria escutar e o resultado taí..

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