do Blog de Paulo Fonteles Filho
Castro Alves, 1871: A última entrevista do poeta da liberdade
Vale a pena lembrar a última entrevista de Castro Alves, concedida ao escritor e professor, Augusto Sérgio Bastos, em 1871, no Palacete do Sodré, em Salvador. Cecéu, como o poeta dos escravos era chamado pelos amigos baianos, morreu às 15:30h do dia 6 de julho de 1871, um mês após haver concedido essa franca e comovente entrevista, onde aborda temas ainda hoje atuais, como a escravidão e a liberdade.
Quem é o poeta Castro Alves?
Sou um homem que escreve e declama seus poemas. Por amor, por compulsão e por herança. Um poeta brasileiro nascido em 14 de março de 1847 lá na fazenda Cabaceiras, sete léguas distante de Curralinho. Um baiano do sertão. Meus pais foram o doutor Antônio José Alves e dona Clélia Brasília da Silva Castro, que também nasceu em um 14 de março.
A família mudou para Salvador quando eu tinha sete anos de idade. Aqui completei o curso primário e fiz o ginasial. Aos 15, em 1862, eu e meu irmão José Antônio fomos morar no Recife para fazer o Curso Anexo, um ano de aulas preparatórias que habilitavam às provas da Faculdade de Direito, onde fiz o 1º e o 2º ano.
Lá, ainda em 62, pela primeira vez tive um poema publicado pela imprensa, “A destruição de Jerusalém”, no Jornal do Recife. No ano seguinte saiu no nº 1 de um jornal acadêmico, chamado A Primavera, o meu primeiro poema contra a escravidão: “A canção do africano”. Em 68, fui para São Paulo continuar meus estudos jurídicos. Completei apenas o 3º ano, sem bacharelar-me por conta de problemas relacionados à saúde.
Fale um pouco mais sobre sua família e a infância em Salvador
“O povo – esse condor gigante – sacudindo as longas asas
pairou na ordem social por sobre a realeza,
na ordem científica por sobre a autoridade.”
Como o Senhor vê a poesia nesta segunda metade do séc. XIX?
O poeta é às vezes um corcel sem freios…
Eu tenho consciência de que faço alguns poemas
para voz alta, e não para leitura com um chá, no
aconchego das cadeiras de balanço.
De que forma o Senhor situa a sua obra dentro deste contexto?
Que figuras exerceram influência na sua formação de escritor?
Ser chamado de “poeta dos
escravos” é uma honra. Acho,
porém, que não diz tudo; sempre
quis ser “O poeta da Liberdade”.
O Senhor está começando a ser chamado “O poeta dos escravos”. Como se sente?
A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor.
Senhor!… pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu…
(um acesso de tosse interrompe a fala;
ele se senta novamente, e com dificuldade termina a estrofe)Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos…
Deixai a terra ao Anteu.
Além dos comícios republicanos e da campanha abolicionista, é sabido que o Senhor tem participado de debates sobre a liberdade de imprensa e de muitos outros movimentos civis, como a luta pelo voto feminino. Por outro lado, as discussões literárias também não foram poucas. Fale-nos sobre sua polêmica com o poeta Tobias Barreto.
Aproveitando a sua lembrança, o Senhor poderia nos falar da grande atriz D. Eugênia Câmara?
Eram cada vez mais constantes as nossas desavenças.
Cenas violentas, ciúmes, brigas, precárias reconciliações.
Sopravam-me histórias de adultério.
Foi por isso que o Senhor resolveu ir para São Paulo?
Quis te odiar, não pude. – Quis na Terra
Encontrar outro amor. – Foi-me impossível.
Então bendisse a Deus que no meu peito
Pôs o germe cruel de um mal terrível.Sinto que vou morrer! Posso, portanto,A verdade dizer-te santa e nua:
Não quero mais teu amor! Porém minh’alma
Aqui, além, mais longe, é sempre tua.
Adeus, irmão desta alma, digo-te Adeus!
Mas deixa que eu evite esse – jamais! –
Que o céu se compadeça aos rogos meus
E um dia cessarão teus e meus ais!Adeus! Se um dia o Destino
Nos fizer ainda encontrar
Como irmã ou como amante
Sempre! Sempre me hás de achar.
Como foi seu contato com José de Alencar?
Então busquei ajuda médica no Rio de
Janeiro e o diagnóstico foi implacável: teria
que amputar a perna esquerda no seu terço
inferior. Devido ao meu estado debilitado,
a intervenção cirúrgica se daria sem
anestesia, pois a cloroformização seria perigosa.
Quando e por que o Senhor decidiu deixar o sul do país e retornar à Bahia?
Quais são seus planos para o futuro?
é professor e escritor
Nota: A entrevista acima é uma obra de ficção,
embora todas as respostas sejam verdadeiras.
Foram baseadas nas cartas e entrevistas
do poeta Castro Alves.
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Texto perfeitamente
Texto perfeitamente brilhante! Li da primeira aa ultima palavra e continuo querendo mais!
Sublime!
Dez, com louvo!..
Navio Negreiro
…E existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!…
Silêncio!… Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no seu pranto…
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança…
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo!…
…Mas é infâmia demais…
Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo…
Andrada! arranca este pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta de teus mares!
trecho de O Navio Negreiro com Caetano Veloso e Maria Betânia