Comentário de ex-professor dos jovens agressores da Paulista

Por Sergio de Moraes Paulo – O palpiteiro 

Fui professor de um dos meninos envolvidos no episódio.

Apontaria muitos defeitos na conduta de aluno, mas jamais o qualificaria como um monstro.

Fiz um relato sobre esse caso no meu blog. Caso se interesse:

www.opalpiteiro.blogspot.com

Do Blog O Palpiteiro

Você não foi perspicaz. Desculpe-me. 

Custo a acreditar que seja mesmo você. 

Convivi com você por quase um ano letivo. Você tinha 15 anos e de modo algum diria que era limitado. 

Aparentava um bom nível cultural e uma velocidade nas respostas que destoava da maioria dos garotos da sua idade.
Por vezes eu me surpreendi com a diferença entre a imagem da “bad boy” – que você fazia questão de ostentar- com a perspicácia do seu pensamento.

Você sempre me pareceu mais confuso do que mau caráter.

UmdiUm dia vi você numa das escadas da escola com aquela sua namorada. Você estava matando aula e eu lhe disse que nada falaria. Você era o aluno e eu o professor. Não tive dúvidas e informei a orientadora do que você estava fazendo. Lembro-me de que você foi chamado à atenção. A orientadora fez o trabalho dela, eu o meu. Você é que estava fazendo a coisa errada. E tenho a certeza de que percebeu isso, pois jamais me cobrou por isso. Você sabia já no ano passado a distinção entre o que é o certo e o que é o errado. Já disse e repito, dentre todos os seus defeitos, não está a falta de inteligência.

Você é perspicaz.

Em 2009 segui o combinado da escola. Falei sobre a Europa e a questão da Xenofobia. Dei aquela aula sobre a África do Sul e me dediquei ao máximo quando falei sobre o Apartheid e o problema do racismo.
Sinceramente não me lembro do seu rosto durante essas aulas. Mas tenho certeza de que você me ouviu algumas vezes.

Vou lhe confessar um segredo: toda vez que toco num assunto que envolve violência tento chamar a atenção para o que é o errado e o que é o certo. Aprendi que adolescentes ficam interessados em histórias de violência. E aprendi o quanto é importante deixar claro sobre o quanto a violência é ruim.

Falei disso quando dei aula sobre a população da América e o genocídio dos indígenas, praticado tanto na América do Norte quanto na América do Sul. Não tem essa de que os EUA foram malvados e nós não. Todos matamos índios em nossas histórias e todos carregaremos para sempre uma parcela dessa culpa. A terra que pisamos tem parte do sangue deles.

Também me esforço para falar da violência e do preconceito quando toco no assunto sobre o Oriente Médio. Desisti de buscar um lado certo naquela encrenca toda. Sempre busco deixar claro que israelenses e palestinos cometem excessos e erros.
A maldade humana não tem lado.

Você deve ter ouvido alguma coisa do que eu disse quando falei sobre a Ásia e o Vietnã. Talvez não tenha percebido, mas quando fui crítico aos EUA o que menos me interessou foi ser anti-americano.
Aprendi a condenar a violência e não o violento.

Aprendi também a condenar o holocausto, o terrorismo e perceber que o que quer que os EUA tenham feito de errado nada justificou os ataques do 11 de setembro.

Parece complicado, mas não é. Quando se assume o compromisso com a defesa da vida fica bem fácil de saber quem é bom e quem é mal.

Você foi meu aluno e esse ano saiu da escola.

Fiquei sabendo apenas agora os motivos.

Mas você deve ter aprendido mais do que nunca agora que notícias ruins se espalham com muito mais velocidade do que as coisas boas. Aprenda isso: o gosto pela maldade e pelo sofrimento alheio não é exclusividade sua. Muitos agora que se diziam seus amigos agora se orgulham em dizer que o conheciam e a lhe rotular como idiota e “sem-noção”.

Você jamais imaginou que pudesse ser vítima do julgamento dos outros como está sendo agora.

Ironia: seus amigos julgaram pessoas sem conhecer e condenaram sem a mínima legitimidade moral. Hoje você é a vítima do julgamento superficial e da ignorância. Atos que você viu de perto, de outra forma.

Você deve estar sofrendo com isso, mas deve saber que pessoas estão se divertindo às custas do seu sofrimento. Hoje. Agora.

Não acredito sinceramente que você seja um monstro. Aposto muito na ideia de que tenha se deixado levar pela bobeira que compromete a história de muitos adolescentes.

Parece fácil agora ver o quanto errou. Mas não pareceu na hora em que você errou. Você sempre me pareceu muito perspicaz. Não foi aquele dia.

Às vezes torço para que todos que citam o seu nome estejam errados. Sinceramente torço para que não seja você um dos adolescentes que estavam entre aqueles que agrediram aqueles “gays” na Paulista.
Mas os boatos e as versões me parecem tão reais que começo a crer na sua participação.

Se for você mesmo não tenho como lhe tirar a culpa. Se não errou por que não bateu, errou muito por não ter se colocado contra. A omissão é às vezes a maior aliada da maldade.

Se eu pudesse lhe dar algum conselho lhe daria o mais simples: jamais negue seu erro. Não finja que não foi com você. Pague, exigindo justiça, pelo mal que eventualmente cometeu. Nem a mais e nem a menos. Exija justiça tanto pelo que não fez quanto pelo que tenha feito.

E se puder, pense no quanto ganhará daqui para frente ao assumir um compromisso pela defesa da vida.

Você deve saber da realidade: é menor de idade e o barulho feito agora não necessariamente será da mesma proporção de uma eventual condenação. Na pior das hipóteses terá sua liberdade em menos de 2 anos. Na melhor das hipóteses desfrutará do que é mais injusto nesse país: um sistema judiciário que maltrata pobres e bajula os mais ricos.

A escolha é apenas sua. Aprender com o erro de hoje ou se safar mais uma vez.
Até quando?

E se eu pudesse lhe dizer algo olhando nos seus olhos diria: você não errou sozinho. Errei eu que não fui capaz de lhe convencer daquilo que acredito. Seus pais, suas escolas, seus amigos e toda essa sociedade hipócrita que hoje lhe condena mas que continua a criar tantos jovens que farão algo semelhante ou pior do que o que você e seus amigos fizeram.

Não duvido da necessidade de você ter algum tipo de punição. Mas não me envergonho de lhe pedir algo: desculpa. 

Luis Nassif

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