Decisão do STF impõe derrota à grilagem e invasão de terras   

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
[email protected]

Decisão oferece mais celeridade para a declaração de nulidade dos títulos de propriedade oriundos de grilagem, por exemplo

O arrendamento de terras indígenas, intenção dos ruralistas, apesar de proibido pela Constituição Federal, continua sendo em muitos territórios um gatilho de violência. Foto: Lidiane Ribeiro/Ibama

Em decisão pelo plenário virtual, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve dispositivos da lei federal que autoriza o corregedor-geral da Justiça a declarar a inexistência e cancelar a matrícula e o registro de imóvel rural. 

Para comunidades tradicionais, camponeses pobres, pequenos agricultores, que muitas vezes disputam áreas de ocupação com invasores, é uma vitória importante porque impede, por um meio mais célere de Justiça, a grilagem de suas terras e territórios (leia mais abaixo). 

A decisão da Corte Suprema se deu na última semana de novembro, durante o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1056, porém só foi divulgada nesta segunda-feira (4).

Conforme explica o STF, a ação impetrada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) alegava, entre outros pontos, que a Lei 6.739/1979 permite o cancelamento unilateral do registro de imóvel, em ofensa ao direito à propriedade do produtor rural. 

Para a entidade, a medida só poderia se dar por decisão do Judiciário, e não por ato do corregedor de Justiça, que exerce apenas função administrativa.

Em seu voto pela improcedência do pedido, o relator, ministro Alexandre de Moraes, lembrou que, de acordo com a Súmula 473 do STF, a administração pode anular seus próprios atos, quando houver vícios que os tornem ilegais. 

Segundo ele, as providências a cargo do corregedor-geral ocorrem diante de fatos que justificam a sua atuação.

Título nulo ou em desacordo 

No caso, os dispositivos questionados pela CNA exigem registro vinculado a título nulo ou em desacordo com a legislação, por provocação de pessoa jurídica de direito público e após sólido exame dos elementos apresentados. 

O ministro ponderou que, sendo inválidos os títulos registrados, não há que se admitir ofensa ao direito de propriedade, pois ela não deveria existir. A seu ver, a norma questionada foi uma decisão legislativa ponderada diante da necessidade de proteção do registro imobiliário nacional. 

Ainda de acordo com Moraes, o procedimento administrativo de retificação e cancelamento de matrículas respeita as exigências constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. 

O corregedor-geral somente cancela o registro diante de provas irrefutáveis e, após esse ato, o interessado é avisado e poderá ingressar com ação anulatória da decisão do corregedor-geral. 

Decisão é boa notícia 

Para povos indígenas, quilombolas e defensores de áreas de proteção ambiental, cujas terras são de propriedade da União, sendo elas invadidas por autodenominadas propriedades rurais, que realizam livremente o cadastro rural mesmo quando irregulares, a decisão é uma boa notícia. 

A morosidade do sistema judiciário, em sua longa tramitação de ações judiciais nas três instâncias, com diversos dispositivos para retardar ainda mais decisões, joga a favor de grileiros e grandes proprietários que se apossam de terras e territórios tradicionais, áreas de proteção ambiental ou de utilização camponesa e extrativista.  

Quanto maior a demora, mais se dá a consolidação da grilagem ou da invasão, podendo até mesmo a terra ser levada ao cadastro rural, por exemplo. 

Para o advogado e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Rafael Modesto, que em seu trabalho trata diariamente de terras indígenas invadidas, a decisão do STF respeita a legislação vigente que protege as comunidades que, inclusive, foram ou são expulsas de suas terras por grileiros e demais invasores, bem como áreas públicas.  

“(As terras invadidas) acabam registradas com fraudes ou vícios em seus procedimentos. A competência para isso com o corregedor-geral é uma tramitação administrativa em que se instaura o processo, verifica-se se houve fraude ou vício ou qualquer outro motivo que gere a nulidade do título”, diz.

Modesto lembra que mesmo assim é possível recorrer da decisão do corregedor-geral nas varas judiciais comuns, o que garante o direito de ampla defesa.    

LEIA MAIS:

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador