Divagações sobre o novo Mandado de Segurança em favor de Dilma

O ex-Ministro da Justiça de Dilma Rousseff protocolou no STF um Mandato de Segurança com 500 páginas sustentando a nulidade do golpe de estado disfarçado e Impedimento por crime de responsabilidade que não ocorreu (ou que deixou de ser punível sob Michel Temer). A ação é juridicamente plausível e o pedido pode em tese ser atendido.

Todavia, não creio que qualquer Ministro do STF tenha paciência ou interesse de ler 500 páginas em favor do Estado de Direito e da preservação da democracia ou sustentando a necessidade de se respeitar ao regime constitucional e atribuir valor supremo à soberania popular que conferiu o mandato presidencial a Dilma Rousseff. Além disto, a jurisprudência se encaminha no sentido oposto, pois os juízes tendem a coibir os excessos verbais dos advogados como ocorreu no processo 1010182-21.2016.8.26.0114, da 2ª Vara do Juizado Especial Cível de Campinas:

Processo 1010182-21.2016.8.26.0114 – Procedimento do Juizado Especial Cível – Indenização por Dano Moral – Raimundo Eduardo de Souza – Vistos. A petição inicial é absolutamente inadequada ao Juizado Especial Dispõe o artigo 14 § 1º e inciso II da Lei 9.099/95 que: “Art. 14 – O processo instaurar-se-á com a apresentação do pedido, escrito ou oral, à Secretaria do Juizado”. Parágrafo primeiro – Do pedido constarão, de forma simples e em linguagem acessível: I – o nome, a qualificação e o endereço das partes; II – os fatos e os fundamentos, de forma sucinta; III – o objeto e seu valor. Os requisitos acima destacados são essenciais para que o Juizado Especial desenvolva suas atividades atingindo a finalidade para a qual foi criado e cumprindo os princípios da celeridade, simplicidade e informalidade previstos no artigo 2º da mesma lei. A petição inicial não preenche os requisitos acima indicados pois não é sucinta nem simples ferindo frontalmente não só o artigo 14 e seus incisos como também os princípios do artigo  da lei 9099/95. É conhecido o princípio de hermenêutica segundo o qual o legislador não utiliza palavras inúteis. Assim ao utilizar no artigo 14 da Lei9099/95 as palavras “de forma sucinta” e “de forma simples” a conclusão a que se chega é que o legislador pretendeu que, no Juizado Especial as iniciais sejam feitas “de forma sucinta” e “de forma simples”. Se o legislador pretendesse que as iniciais fossem prolixas, ao invés de escrever que as iniciais devem ser sucintas escreveria que elas devem ser prolixas. Sucinta, conforme o dicionário é o “dito em poucas palavras; conciso; breve”. E a determinação legal não é gratuita. Ao instituir os Juizados Especiais foi criado um novo sistema de solução de litígios, com princípios próprios (artigo 2º). Entre eles o da “simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade”. A determinação do artigo 14 está, portanto, em perfeita consonância com os critérios do artigo , ambos da Lei 9099/95. A petição desnecessariamente extensa está expressamente proibida, pois se a lei não pretendesse evitá-la não teria utilizado os termos “simples” e “sucinta”. Ante o exposto julgo EXTINTO o processo com base no artigo 51inciso II da Lei 9099/95. Sem custas e honorários nesta fase. P.R.I.C. Campinas, 16 de março de 2016. HENRIQUE NADER Juiz de Direito Recebo os autos em cartório, certificando que o valor do preparo em caso de recurso é R$ 235,50.”

Não bastasse isto, antes do Impedimento e durante o mesmo (que foi possibilitado pelo fato do STF se recusar a afastar Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados), a única coisa que vários Ministros do STF conseguiam enxergar eram os respectivos recibos de pagamento. Como evidencia o áudio de uma conversa telefônica de Romero Jucá, eles também queriam derrubar Dilma Rousseff.

Michel Temer aumentou o valor dos proventos que os Ministros do STF recebem. Em razão disto, o mais provável é que eles rejeitem o Mandado de Segurança em favor de Dilma sem ler as 500 páginas escritas por Eduardo Cardoso. Assim eles poderão continuar a ler apenas seus próprios recibos de pagamento enquanto enchem as panças com os canapés refinados e os vinhos caros pagos pelo cerimonial do Tribunal com dinheiro dos cidadãos cujos votos eles ajudaram a rasgar. 

Ao discutir a atividade do Juiz, Hegel afirma que:

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El derecho, que se presenta a la existencia em forna de ley, es por sí y se opone autónomamente a la voluntad particular y opinión del derecho y debe hacerse válido como universalidad. Este reconocimiento y esta realización del derecho en el caso particular, sin el sentimiento subjetivo del interés particular, concierne a un poder público, al magistrado.” (Filosofia del Derecho, Guillermo Federico Hégel, Editorial Claridad, Buenos Aires – Argentina, cuarta edición, 1955,  p. 190)

É evidente que a lição de Hegel não foi levada em consideração pelos gananciosos Ministros do STF que ajudaram a depor Dilma Rousseff pensando exclusivamente nos seus próprios salários. E me parece óbvio que aqueles que convenientemente esqueceram que exerciam uma função pública (quando permitiram a Eduardo Cunha seguir na presidência da Câmara dos Deputados) e que se deixaram motivar pelos próprios interesses (que foram assegurados por Michel Temer após o golpe) não tem mesmo a necessária isenção e elevação para julgar o Mandado de Segurança de Eduardo Cardoso.

Mas não devemos crucificar atuais Ministros do STF. Eles não são os únicos culpados pela falta de Justiça no Brasil. Cá a Justiça com elevação, isenção e sem distinção não é feita desde os tempos da Colônia, como prova a historiografia:

“Tal foi o número de queixas que chegaram ao Conselho Ultramarino que d. João V mandou o desembargador sindicante Antônio Cunha Sotomaior viajar a Santos e São Paulo para tirar a residência de Carvalho, substituindo-o também em suas funções, ainda que temporariamente. O que o desembargador sindicante encontrou não o deixou muito animado; o ‘estado de dissolução’ dos costumes em que a capitania se encontrava ele atribuiu ao fato de não ter havido ali, nos últimos tempos, um ouvidor-geral que ‘administrasse os castigos e prendesse os delinquentes’, fazendo recair sobre eles o efetivo peso da lei, sem favorecimentos.” (Direito e Justiça em Terras d’El Rei na São Paulo Colonial 1709/1822, Adelto Gonçalves, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015, p. 152)

O episódio acima relatado ocorreu em 1710. Trezentos e seis anos depois, o STF criaria o estado de dissolução em que nos encontramos em razão de ter deixado de castigar e prender um delinqüente antes que ele iniciasse o processo de Impedimento. O peso da Lei que não se fez sentir sobre Eduardo Cunha certamente não se fará sentir agora em favor da inocente que foi derrubada pela canalha do Senado Federal. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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