Urgente: os riscos da Força Tarefa de Inteligência, por Antonio Salvador

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Isto é um pedido de urgência

por Antonio Salvador

Dada a gravidade do assunto, procurarei esclarecê-lo da maneira mais acessível, de modo que o maior número possível de pessoas compreenda. A questão é jurídica – e falo como jurista.

Acabo de ler um Decreto Presidencial publicado anteontem no Diário Oficial. Nesse Decreto, Michel Temer cria a FTI – “Força-Tarefa de Inteligência” para o enfrentamento do “crime organizado” no Brasil.

O que faz esse Decreto? Ele dá condições para que o novo Presidente da República possa agir no que seria o “enfrentamento a organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e as suas instituições”.

O Coordenador Geral da FTI, que será o Chefe do Gabinete de Segurança do Presidente, elaborará uma “Norma Geral de Ação”, que ainda não se sabe qual. Detalhe: a FTI será composta basicamente pelos vários setores da polícia e das Forças Armadas.

Agora vem o principal: a mesma lei que define “organização criminosa” aplica-se às “organizações terroristas”, tal qual definido em lei.

E o que é “terrorismo”? O terrorismo é disciplinado na Lei Antiterrorismo, sempre associado a práticas extremas, sabotagem, atentados, por razões de “xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”, com a finalidade de “provocar terror social”.

De suma importância é o parágrafo 2 do Artigo 2º, que diz expressamente não constituirem ato terrorista: “a conduta individual ou coletiva em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar”.

Em situação normal, num Estado Democrático de Direito, é evidente que tais manifestações jamais poderiam ser consideradas terroristas. A sê-lo, em primeiro lugar, estariam sumariamente criminalizados todos os movimentos sociais, de classe, protestos de artistas, de estudantes, qualquer manifestação de caráter crítico. Em segundo lugar, a Lei Antiterrorismo foi sancionada, em março de 2016, com a finalidade de adequar o ordenamento jurídico brasileiro ao panorama internacional, acossado por ações terroristas notórias. Lembremos que o Brasil estava em vias de receber os jogos olímpicos.

Eis que a Lei Antiterrorismo está prestes a ser completamente desfigurada em seu conteúdo e em suas finalidades.

Há um projeto de lei, PL 5065/16, com pedido de apreciação URGENTE na Câmara dos Deputados. O intuito do projeto é suprimir garantias fundamentais. Como?

Antes de tudo, o projeto REVOGA o citado § 2o da Lei Antiterrorismo, o que significa: todas as manifestações sociais protegidas pela Constituição, poderiam passar a ser consideradas terrorismo, a depender da subjetividade das autoridades em exercício. Em seguida, o projeto efetivamente AMPLIA o conceito de terrorismo, o qual passa a incluir ações com “motivação ideológica, política, social” que tenham por finalidade “coagir as autoridades” do poder público.

Quais ações passariam a ser terroristas?

Qualquer ato que seja considerado sabotagem, que interrompa o tráfego viário, por exemplo, ainda que de modo temporário. Ocupar as instalações dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário: terrorismo. Atentar contra as forças militares, penitenciárias, policiais, contra os membros dos três Poderes: terrorismo. Como definir esse ato de “sabotar”, “atentar” e “ocupar”? Certamente, é tarefa que caberá à Força-Tarefa de Inteligência (FTI) de Temer, que nos deixa mais esse presente.

Não bastasse esse projeto na Câmara, há outro (PL 272/2016) no Senado, que basicamente reforça o primeiro. Mas vai além. Não pretende apenas transformar manifestações populares, nas ruas, em atos terroristas, mas também a manifestação do pensamento, inclusive na internet. Está lá. Também será “terrorista” aquele que “louvar” as manifestações populares, “em público”, ou fazendo “uso de meio de comunicação social – inclusive rede mundial de computadores”.

Se me faço entender, como o conceito de “motivação ideológica, política, social” é extremamente amplo, somando-se isso à revogação do dispositivo que protege a livre manifestação do pensamento, creio, como profissional do direito, que estamos efetivamente a um passo do precipício.

Com a súbita criação da Força-Tarefa de Inteligência (FTI), por Michel Temer, é cristalino e evidente que o próximo passo será dado na Câmara dos Deputados e no Senado, com a ampliação do conceito de “terrorismo” e suas consequências funestas.

Sabemos que o novo Congresso, em sua formação conservadora, não hesitará em correr com a votação do projeto, logo após as eleições. Eventuais manifestações contra o novo Presidente da República farão elevar o coro da necessidade da “pacificação social”, ainda que para isso seja necessário transformar, pela letra da lei, manifestantes em terroristas. A única maneira de barrar tais alterações legais seria pelo veto presidencial.

Mas quem será o Presidente?

Portanto, se você já foi à alguma manifestação popular de rua, ou conhece quem tenha ido; se você costuma manifestar suas ideias, sua visão política, na internet, ou conhece quem as manifeste; se é artista, ou conhece quem seja; se você tem filhas, filhos em idade escolar, amigos universitários, que participam de protestos estudantis, de assembleias: saiba que todas essas pessoas estão sob uma ameaça real, organizada agora na forma de uma Força-Tarefa de Inteligência (FTI).

Nós sabemos que essas pessoas não são terroristas, e é absurdo que tenhamos que reforçar isso. Mas o nosso tempo não economiza em absurdidade.

A propósito, se o novo Presidente da República não vetar as alterações legais propostas no Senado e na Câmara, os novos “terroristas”, condenados em regime fechado, cumprirão pena em prisão de segurança máxima.

Tudo está previsto.

ANTONIO SALVADOR
Berlim, 19 de outubro de 2018.
Humboldt-Universität zu Berlin

Fontes:
DECRETO Nº 9.527, DE 15 DE OUTUBRO DE 2018 (Cria a Força-Tarefa de Inteligência)
http://www.planalto.gov.br/…/_Ato201…/2018/Decreto/D9527.htm
LEI Nº 12.850, DE 2 DE AGOSTO DE 2013 (Define Organização Criminosa)
http://www.planalto.gov.br/…/_ato2011-2…/2013/lei/l12850.htm
LEI Nº 13.260, DE 16 DE MARÇO DE 2016 (Lei Antiterrorismo)
http://www.planalto.gov.br/…/_Ato2015-2…/2016/Lei/L13260.htm
PL 5065/2016 (Câmara dos Deputados)
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao…
PL n° 272/2016 (Senado)
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento…

ANTONIO SALVADOR – escritor e jurista – Formado em Direito pela Universidade de São Paulo – Pesquisador em Direito Público na Humboldt-Universität zu Berlin
 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. Tudo leva a crer que a

    Tudo leva a crer que a ditadura é fato consumado. A improvável vitória do PT apenas adiará o fechamento total do regime. Afinal, o que não fizemos para merecer essa distopia ?  Não radicalizamos os programas sociais ? Não reduzimos os juros por decreto ? Não regulamos a mídia hegemônica ? Não criamos uma TV Estatal para comunicação direta com o povo ?  As cartas estavam marcadas, a derrota era só uma questão de tempo. Não há democracia onde o poder das armas se associa ao poder do capital.

  2. Em pré campanha em Barra
    Em pré campanha em Barra Mansa, maio de 2018, Alexandre Martins, candidato a Deputado pelo PSL e Flávio Bolsonaro.

    Trecho da matéria ” Alexandre Martins é pré candidato a deputado federal.” Publicado em 21 de maio de 2018, 10:43 horas
    ( Diário do Vale-transporte disponível na internet)

    …” Além de poder participar dos debates da alteração do Código Penal, é lá no Senado que está o projeto da redução da maioridade penal, é lá que vamos trabalhar para acabar com as audiências de custódias, para dar mais segurança jurídica para o policial fazer o que tem que ser feito” disse Flávio Bolsonaro

    ( Alexandre é proprietário de uma das agências que estão sendo investigadas.)

  3. Projeto manifestamente
    Projeto manifestamente inconstitucional! A turminha leiga vai se arrepender de pedir a Ditadura novamente. Povo, me desculpem, no sentido constitucional, burro!

  4. Se é assim…

    Que assim seja.

    Seremos, então, “terroristas de teclado” a denunciar o TERRORISMO DE ESTADO, implantado pelos milicos vagabundos e covardes que falam grosso com estudantes, trabalhadores e o povo, mas se cagam de medo do US ARMY.

    Quem puder mais, vai chorar menos.

  5. COM OS SENTIDOS EM ALERTA!!!

    Ontem, um sujeito parou o carro em frente A minha casa e fotografou a fachada da mesma. Quem viu, disse que foi rápido. O cara fez, entrou no carro e foi embora às pressas. Tínhamos um cartaz do Haddad pendurado no portão. Fomos aconselhados a retirá-lo imediatamente. Assim o fizemos. Minha família é militante ativa na região. Temo por todos nós neste momento. O que será que está acontecendo?

    Na minha opinião, a única forma de garantir um ponto favorável de sustentação por parte de um governo bolsonaro, é com ações de combate à criminalidade. Meu bairro, eu já comentei aqui, é reduto de proteção do crime organizado (com as bênçãos institucionais locais). Penso que este será o mote pra pegar inimigos políticos e colocar no mesmo pacote de encarceramento, acusando todo mundo que interessar e deixando pra averiguar depois. Estou com muito medo!!! O sistema de segurança com certeza sabe onde estão malocados os agentes do crime e quem poderá ser levado por pura proximidade física, por morar no mesmo bairro. Chegou a hora de atender aos eleitores e à opinião púlbica tirando o bode do vagão de trem. Vão matar dois coelhos com uma cajadada só.

    Estou observaando as movimentações das ruas, depois do episódio. Druante toda a campanha política, extraordinariamente, o bairro tem mantido um silêncio sepulcral nas ruas, tanto de dia quanto à noite. Há tempos, isto não é comum. Hoje, pela manhã (20/10), a bagunça costumeira retornou. Carros de som nas ruas, muita gente transitando e as mortes porquestões internas voltaram a acontecer com frequência (houve ao menos três assassinatos na semana). Parce que as asas voltaram a ganhar penas nesta reta final eleitoral. Certeza de vitória? Não sei. Poderia ser também o preparo pra uma revoada intimidatória dependendo de quem vença a disputa.

    Penso que,favorável ou não ao coisismo, o crime terá de negociar os termos para sua existência. Acabar, não vai. Não vejo a mais remota possibilidade de o mote da segurança pública se concretizar. Acho que vão medir forças num primeiro momento pra ver quem fica no comando. De qualquer forma, quem não estiver sob a proteção de um dos lados, vai dançar invariavelmente. Outros serão sacrificados no altar do poder pra que o Estado autoritário mostre a que veio e cause “boa impressão” em seus eleitores sedentos por sangue. A raia miúda do crime – os garotos ousados, os noias, os ferrados que moram em torno e têm de se submeter à lógica paralela – estes vão perecer de imediato. Depois, viremos nós. Ou, talvez, juntos. Prefiro juntos. Não podemos ver a dor do outro e ficar em casa esperando chegar a nossa vez.

    Não tenho mais nada a dizer. Sinto medo.

  6. contra terroristas do governo a resistencia é legitima

    Quem mata pessoas e grita Bolsonaro é terrorista pela tipificação da lei? quem pinta suásticas em banheiros de universidades ameançando negros e gays de morte é terrorista? quem aponta um arma para alguém que tem uma visão politica diferente é terrorista pela tipificação da lei? os verdadeiros terroristas, do ‘terror branco’, como é conhecido o terror fascistas estão a beria de governar o país. Contra eles, qualquer forma de resistencia que não use a tortura, a mentira e o assassinato é legitima, dane-se a lei!

  7. não vão sossegar…

     enquanto não “ensanguentarem” o Brasil…………………………………………….misericórdia

     

    assustador usarem a pedagogia do terror para enganar, dizer que é para proteger o Estado e a população do terrorismo

     

    quem mais aplicou a pedagogia do terror recentemente, matou covardemente milhares de inocentes, palestinos. até crianças

     

    o que que esses caras estão fazendo no Brasil?

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