Livreiros e comerciantes

A julgar pelos dois únicos livreiros que conheci, essa é uma profissão de inestimável valor pelo tanto de bem que faz à sociedade.

Na provinciana Jundiaí dos anos 70 do século passado bati longos papos com o Cláudio Trevisan, que foi à cidade montar a Livraria Don Quixote, durante anos a única opção que tínhamos para comprar livros decentes.

O Cláudio, falecido precocemente, era uma grande figura, culto, inteligente, e que fazia da livraria um verdadeiro centro cultural, promovendo todo tipo de atividade artística.

O outro livreiro que conheci é uma pessoa muito querida pelos jornalistas que, como eu, passaram parte da vida em redações paulistanas. 

Trata-se do João Carlos Antipon, ou o João Livreiro, como o chamávamos. 

Durante anos ele fez a festa para todos os que, como eu, têm uma relação especial, íntima, quase mística, com os livros.

Bastava a gente vê-lo chegando, na redação do Estadão, carregando umas bolsas enormes, cheias dos mais tentadores livros, para que interrompêssemos o que estávamos fazendo e fôssemos, apressadamente, conhecer as novidades que ele espalhava generosamente em alguma mesa que estivesse desocupada.

Como o Cláudio, o João sempre nos proporcionava uma boa conversa e nunca nos deixava na mão, atendia a todos os nossos pedidos.

Os dois, além de ajudarem muito na minha formação intelectual – e creio, na de muitas outras pessoas -, me fizeram entender que existem comerciantes e comerciantes, ou seja, que o sujeito, ao vender o que quer que seja, também pode transmitir aos seus fregueses uma mensagem de que a cortesia e a civilidade são atitudes imprescindíveis para que vivamos numa sociedade sadia.

Essa lembrança do Cláudio e do João me ocorreu quando li uma entrevista que o dono da Livraria Cultura, Pedro Herz, deu ao Estadão.

Fiquei impressionado com o quanto as suas respostas se distanciam daquilo que, graças ao Cláudio e ao João, sempre achei que um livreiro pensava.

Destaco algumas de suas respostas que, sei lá, revelam um indivíduo que parece entender pouco o mundo em que vive, ou que, preso a uns tantos preconceitos, o vê sob uma óptica estreita e excludente, bem ao contrário do que o extraordinário universo dos livros proporciona a todos nós:

“A maneira de fazer política está errada. No meu entender, cultura é a maneira que eu tenho de enriquecer o meu saber. Que saber eu tenho pra ser enriquecido se eu vou tão mal na escola? Para que precisamos de um Ministério da Cultura? Melhor ter um bom ministro da Educação para ter gente que lê e depois falarmos de cultura. Fazer essas tais de viradas culturais no Brasil inteiro… o que elas trazem? Nada. Bebedeira. É muito mais virada etílica do que qualquer outra coisa. É uma ofensa à palavra. Elas não trazem nada.”

“Houve uma somatória de desmandos que aconteceram e que surgiram com a entrada do Lula no governo. O país se desarranja já naquela eleição. Eu lembro que o dólar disparou, diziam até que nossas casas iam ser invadidas e todas aquelas histórias. São muitas coisas somadas ao mais grave: o custo Brasil. A máquina estatal brasileira faliu. Se fosse possível privatizar o Estado, eu diria que essa é a solução.”

“Ninguém tem 30 dias de férias com 11 meses de trabalho, gente. Só no Brasil. E querem que este seja um país de Primeiro Mundo.”

“Diretas agora não. Ela têm que caber na Constituição, aí sim. Qualquer coisa que fira a Carta eu já fico meio…”

“Desde que eu existo a cidade só vem piorando. Você pode melhorar alguma coisa pontual em algum lugar. Faz uma praça, alguma coisa. Mas acaba transferindo os problemas de lugar. Eu aprecio a tranquilidade de acordar às três da manhã e poder dar uma volta. Isso pra mim é qualidade de vida, mas não consigo mais fazer isso em São Paulo. Não dá mesmo. Eu vivo com pouco, sou modesto. Meu carro tem nove anos. Eu tenho medo de andar de bicicleta por isso, mesmo com a ciclofaixa. Eu andava de bicicleta no tempo do bonde. Eu tenho medo hoje, não ando mais. Aqui. Eu ando de bicicleta quando vou pra fora, aí alugo bicicleta. Vou pra Berlim, pego a bike e vou embora. Vou ver museus, estaciono, amarro ela num canto lá e faço tudo o que quero.”

“Façam rua de lazer, mas não prejudiquem todos os cinemas, os teatros, as pessoas que precisam dos automóveis. E depois, no Rio de Janeiro já fizeram: tem duas pistas em Copacabana e uma delas é aberta e a outra fechada. Normal. Divide o espaço. Aqui [Avenida Paulista] tem um comércio na rua de umas coisas no domingo, sabe lá o que você está comprando.”

Pois é. 

A cabeça do dono da Cultura explica, em parte, por que as livrarias estão desaparecendo no Brasil.

Redação

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