Nem condenado, nem absolvido: Lula deve ter sentença anulada, por Márcia Tiburi

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Ricardo Stuckert
 
 
Jornal GGN – Em artigo divulgado na revista Cult, nesta terça (9), a filósofa Márcia Tiburi afirma: “Se fosse para respeitar o que determina a Constituição brasileira, a sentença que condenou Lula deveria ser anulada.”
 
Nem condenado, nem absolvido: Lula deveria ter acolhido em segunda instância o recurso que diz, entre outras coisas, que não teve direito a um juiz imparcial. Pois “pode alguém, apontado como autor de um crime contra um réu, julgá-lo?”, questiona Tiburi.
 
Dentre vários os motivos que tornam o caso triplex passível de ser anulado, no mérito, a autora destaca o que chamou de mais simples: o Juízo de Lula estava comprometido, não poderia ser isento em sua decisão. Não pode ser isento um juiz que vaza gravações, e depois é repreendido pelo Supremo Tribunal Federal, apenas para jogar a opinião pública contra o réu.
 
Ainda que admita-se que Moro nunca será processado pelo vazamento, “a pessoa que pratica uma conduta típica que gera lesão a um direito do réu, mesmo que ela não seja criminosa, ao menos nas democracias, não pode julgá-lo.”
 
Numa democracia, diz Tiburi, não de pode criar “um direito especial para os indesejáveis como Lula, um Estado de Exceção inteiro funcionando na sua direção.”
 
“Amando ou odiando Lula, amando ou odiando o PT, deveríamos respeitar seus direitos, que são os de todos nós”, concluiu.
 
 
Por Márcia Tiburi
 
Como seria o julgamento de Lula se estivéssemos em uma democracia
 
Na Cult
 
No julgamento no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), marcado para o próximo dia 24 de janeiro, a decisão que condenou Lula deve ser mantida ou reformada? O ex-presidente deve ser condenado, e impedido de disputar a próxima eleição, ou absolvido? Existem duas torcidas, cada uma defende um resultado diferente. Tem até juiz que, mesmo sem ter lido a sentença, a declara irrepreensível. Vai entender. Nas democracias, porém, o que pensam os torcedores não importa. Em uma democracia, o ex-presidente não deveria ser absolvido, muito menos condenado.
 
Mas não estamos mais em uma democracia. A Constituição que a sustentava legalmente foi aniquilada. Hoje em dia, ninguém mais consegue citar a Constituição para fazer valer um direito. O que se chama “Estado de Exceção” tomou conta. Quem pode mais faz o que quiser – no caso, os juízes, desembargadores, ministros do STF e todo um sistema de justiça cada vez mais patético aos olhos da população perplexa. Bom lembrar que ninguém – nem o mais meigo existencialista – faz nada sem interesse. Então, essa galera toda está trabalhando muito pelo que lhe interessa: mais e mais poder.
 
Não posso seguir com esse argumento sem lembrar que antes, quando nada do que está acontecendo era imaginável, pensávamos na corrupção como o grande horror. Hoje, muitos já percebem que o “foco” que se colocou nela só serviu para desviar nosso raciocínio. A corrupção não acabou e ainda corromperam a Constituição. Ela, que servia de garantia a um pacto básico, se foi, e isso é estratégico para os interesses em jogo. Isso se chama “pós-democracia”.
 
Se fosse para respeitar o que determina a Constituição brasileira, a sentença que condenou Lula deveria ser anulada. Vários juristas já apontaram diversas nulidades e outras atipicidades na sentença que será apreciada pelo TRF4 (até livros já foram escritos só para descrever os vícios processuais e inconsistências da sentença condenatória), mas há uma que salta aos olhos em razão de sua simplicidade.
 
Não se trata do chamado “vício de competência”, que muitos vislumbram na decisão. No Direito há uma prévia determinação legal que define qual juiz dentre os vários existentes deve julgar uma causa determinada. É um assunto bem complexo e eu, que não sou da área, não vou me aventurar a explicar. Mas li diversos juristas apontando que as tais regras de competência foram violadas na sentença que vem a julgamento no dia 24 de janeiro.
 
Não me refiro aos usos e abusos das delações premiadas, cujo conteúdo não guarda qualquer relação necessária com o valor “verdade”. Esse já é um problema jurídico e filosófico ao mesmo tempo. Parece que os novos juristas incensados pela televisão não se preocupam muito com a questão da ética. Também não preciso mencionar as falácias contidas na sentença, que já foram recentemente denunciadas por um professor de lógica. Mas vamos adiante porque o problema que devemos apontar merece muita atenção.
 
A questão a que me refiro é muito mais simples. Não há necessidade de maiores conhecimentos em direito para respondê-la. Qualquer pessoa com bom senso saberia a resposta para a questão que a sentença do exótico e midiático (ou midiático e messiânico) juiz de Curitiba coloca: pode alguém, apontado como autor de um crime contra um réu, julgá-lo?
 
Vejam bem. Sobre o fato, a conduta que permitiu o vazamento de uma conversa telefônica entre o ex-presidente Lula e a então presidenta Dilma, não há controvérsia. O vazamento ocorreu.  O juiz de Curitiba o admite e afirma que agiu com a melhor das intenções (as mesmas boas intenções que enchem o inferno).
 
Em juridiquês, afirma-se que a tipicidade da conduta do juiz é evidente, ou seja, que a ação praticada por ele está prevista na lei penal como crime. Um fato típico, dizem os penalistas, é tendencialmente ilícito, ou seja, contrário ao Direito. Ok, embora inexista causa manifesta que permita, desde logo, afirmar que não ocorreu um crime, vamos dar o benefício da dúvida ao juiz de Curitiba, afinal, a presunção de inocência, tão desprestigiada por alguns juízes, ainda está na Constituição da República que deveríamos voltar a respeitar.
 
Nós vamos usar a presunção de inocência até mesmo para respeitar os direitos daqueles que não gostam dela. Assim, vamos admitir que na conduta do famoso juiz exótico e midiático poderia estar presente uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade. Vejam que eu estou preocupada em defender radicalmente sua potencial inocência. De qualquer modo, a pessoa que pratica uma conduta típica que gera lesão a um direito do réu, mesmo que ela não seja criminosa, ao menos nas democracias, não pode julgá-lo.
 
No julgamento de Lula, porém, tudo parece ser diferente. Por que com Lula é diferente? As regras do jogo democrático, aparentemente, podem ser afastadas sem maiores consequências no seu caso. É como se tivesse sido criado um direito especial para os indesejáveis como Lula, um Estado de Exceção inteiro funcionando na sua direção. Um desejo de puni-lo a qualquer custo. Ao custo da Constituição, da democracia e da inteligência das pessoas, do povo, sobretudo.
 
A impressão que muitos devem estar tendo nesse momento é de que uma certeza delirante tomou conta dos julgadores, de grande parte da mídia e da parcela da população que cultiva um ódio antipetista. Isso ajuda a afastar os direitos e garantias fundamentais de Lula, e as mais básicas conquistas civilizatórias tais como a imparcialidade, o devido processo legal, as regras de competência, a vedação da prova ilícita e a presunção de inocência. Isso tudo é muito sério para a vida. Fica evidente que cada um de nós pode ser o Lula de amanhã. Acha que não? Você se considera imune ao poder e às perversões dos seus agentes? Lembre-se de Robespierre e de Simão Bacamarte. Noutra linha, analise o caso da jovem palestina Ahed Tamimi, encarcerada aos 17 anos por exigir respeito à sua dignidade, caso precise de ajuda para pensar.
 
A hipótese formulada pela acusação, a qual o juiz aderiu, tornou-se mais importante do que os fatos demonstrados pelas partes. As convicções pessoais dos envolvidos no processo tornaram-se critérios de verdade. Mas na democracia não pode ser assim. Amando ou odiando Lula, amando ou odiando o PT, deveríamos respeitar seus direitos, que são os de todos nós.
 
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

15 Comentários

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      1. arf!!!

        Cês tão neste lance de troll até hoje… não tem um contra argumento para comentar???

        Governo Lula é um governo sem força jurídica e da mídia. Não tem como governar assim, já esqueceu da Dilma???

        1. De fato Drigoeira, tudo isto é so questão de força

          De fato Drigoeira, tudo isto é so questão de força, parametros democraticos de uma sociedade  civilizada estão descartados. Mas não se esqueça que tudo isto é medo de uma outra força. A força das urnas. Como alguém já disse a direita só permanece no poder através da força e da repressão. E por favor não fale em justiça.

    1. Que nada.

      Que nada. Os salvadores do País são o Aécio, o Alckmin, o Serra, o Michel, o Marun, o Cunha, o Huck, o Moro, o Dallagnol, o Santos, o Parente, o Meireles, a Cristiane, os Marinhos, o Gilmar, o Barbosa. Esses já estão salvando o Brasil.

  1. Atenção senhores moderadores

    Os moderadores do GGN foram demitidos, estão fazendo vista grossa ou estão jogando no outro time? O que tem surgido de trolls, fakes e extremas direitas sem argumentos que não as ofensas nos últimos tempos por aqui…

    Chega a desanimar ainda mais que últimamente estão colaboradores são de direita, quase golpistas!

    De doer foi  por exemplo a defesa aqui feita do boquirroto Willian Waack!

  2. Sem noção
    As vezes me parece que esse tipo de raciocino sem noçãodo que são, o que representam e como funcionam as instâncias do poder judiciário. Esta visão do juiz ladrão, do banderinha cego são para os jogos de futebol, nos quais a paixão impede que se veja a realidade. Vamos aguatdar o dia 24.

  3. Milhares de erros

    Causa errada

    Local errado e juiz errado

    Acusação errada , divergindo da denúncia,

    Juiz nunca neutro

    Juiz que condenou o réu antes do processo e usou a mídia

    Condenação prévia na imprensa dezenas de vezes

    prendeu o acusado coercitivamente e contrária a tudo que é legal

    Juiz que cometeu crime contra o réu no grampo da dilma enviado ( barbaridade) à globo,

    Violou sem razão toda a família do acusado,Processo impeditivo de defesa do réu

    Testemunha afirmando não e depois sim.

    Testemunha constrangida, erratica, negociadora, condenada.

    Apartamento é do que disse ter dado, e da caixa

    Apartamento que está provado não é do Lula,

    Dinheiro indefinido

    Dinheiro sem origem

    Falta total de prova

    Etc, etc. etc

    Só utilização de poder, poder, covardia de outros, poder e poder.

    Tem um porém: judiciário sem o cumprimento de lei não é judiciário.

     

     

     

     

     

    1. Script

      É um roteiro escrito pelo Departamento de Estado norte americano.

      Esse juiz boçal e a sua trupe do MPF, tendo a frente o boçalíssimo Dalagnol são todos personagens a moda cinematográfica: artistas canastrões.

      As escolhas desses personagens não foram mero acaso.

      Era condição precípua para serem treinados e manipulados pela CIA.

      Imorais, arrogantes, néscios, antinacionalistas e dóceis para a manipulação dos seus cérebros de amebas.

      Qualquer texto sobre esse assunto e que fuja desse ponto de partida, torna-se inócuo.

      Então, tô cansado pra cacete de ler esses textos sempre batendo na mesma tecla.

      Não está funcionando e nós estamos vendo.

      É louvável o engajamento da Márcia Tiburi, a quem respeito muito, inclusive pela sua inteligência e beleza.

      Mas não dá querida. Precisamos ir além.

      Não se desconstroi um script montado numa proposta de aniquilar o país, com as mãos dos gatos, só com textos.

      Vamos ousar?

      Ou assistir The End.

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