O resgate de Trump aos agricultores e o sistema alimentar quebrado dos EUA, por Emily Atkin

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do OPEU – Observatório Político dos Estados Unidos

O resgate de Trump aos agricultores e o sistema alimentar quebrado dos EUA

O plano de US$ 12 bilhões do presidente para ajudar os que foram atingidos por sua guerra comercial destaca a profunda disfunção do setor agrícola norte-americano.

por Emily Atkin

Traduzido do The New Republic*

Os agricultores americanos estão furiosos, e o presidente Donald Trump tenta acalmá-los da única maneira que sabe: jogando dinheiro neles.

Desde que começou sua guerra comercial, as vendas de produtos agrícolas no exterior sofreram, reduzindo as margens de lucro já escassas dos fazendeiros. Para compensar essas perdas, Trump anunciou, na terça-feira, US$ 12 bilhões em ajuda de emergência – um resgate que, segundo o The Washington Post, incluirá “pagamentos diretos aos agricultores, esforços para promover produtos dos Estados Unidos no exterior e expansão de um programa que compra excedente de produção agrícola e distribui para bancos de alimentos e outros programas anti-fome”.

Alguns agricultores não se entusiasmaram com a iniciativa de Trump. “Eu entendo que estão tentando nos ajudar. Entendi isso. Mas não é uma correção de longo prazo. É uma chupeta, por assim dizer”, falou Dave Kestel, um produtor de soja de Illinois, à CBS News.”Prefiro não receber.” E Trump tem sido amplamente criticado em Washington, mesmo por membros de seu próprio partido.

 

Tuíte do Senador Pat Toomey:

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos está tentando colocar um band-aid em uma ferida auto-inflingida. O governo desestrutura os agricultores com uma guerra comercial desnecessária e tenta tranquilizá-los com doações do contribuinte. Este socorro compõe má política com políticas ainda piores.

Tuíte do Senador Rand Paul:

As tarifas são impostos que punem os consumidores e produtores americanos. Se as tarifas castigam os agricultores, a resposta não é bem-estar social para os agricultores – a resposta é remover as tarifas.

 

A guerra comercial de Trump pode ser nova, mas o bem-estar social dos agricultores não é. Na verdade, o fato de 12 bilhões de dólares em ajuda serem largamente vistos como uma solução escassa e temporária só realça o problema mais amplo: o sistema alimentar americano está quebrado e tem sido assim há muito tempo.

Não resta dúvidas de que as tarifas de Trump estão castigando os agricultores. Depois que os Estados Unidos tributaram as importações de mais de 800 produtos chineses este mês, Pequim respondeu taxando 545 itens americanos, incluindo soja, arroz, carne bovina, nozes, carne de porco, laticínios e produtos. Grande parte da indústria agrícola depende das exportações para sobreviver. Os produtores de carne suína, por exemplo, remetem cerca de 26% de toda a produção para o exterior, e um terço da soja dos Estados Unidos é enviado para a China a cada ano. Como resultado, o suinocultor médio está perdendo entre US$ 20 e US$ 25 por porco, disse à NPR o presidente da Associação de Produtores de Carne Suína de Iowa, Gregg Hora, e a soja caiu para os preços mais baixos em uma década.

Mas a indústria agrícola depende tanto das exportações, em parte porque o governo subsidia a produção de alimentos que os americanos não comem, nem precisam. Desde a Grande Depressão, o Congresso vem autorizando programas para apoiar a indústria quando os problemas climáticos ou as flutuações do mercado provocam queda dos preços. Como a CNN observou na quarta-feira, esses programas “foram originalmente implementados para garantir que a nação tivesse comida e alimentos adequados, o que era crucial para o crescimento da economia… Agora, porém, os Estados Unidos têm uma indústria de exportação agrícola em expansão, o que tornou o comércio internacional ainda mais importante para os agricultores”.

Assim, o governo gasta em média US$ 16 bilhões por ano para comprar produtos de agricultores que não conseguem encontrar compradores nos Estados Unidos ou no exterior. Isso resultou em estoque massivo de alimentos em todo o país. Os produtores de laticínios dos Estados Unidos, por exemplo, têm um excedente de 630 milhões de quilos de queijo – seu maior excedente já registrado – porque criaram vacas seletivamente para super produzir leite, e o leite é mais facilmente armazenável do que o queijo. Há também um excedente de 1,13 bilhão de quilos de carne, informou a Vox esta semana, o que é parcialmente devido às tarifas de Trump, mas também ao desinteresse crescente por carne.

“Uma rede emaranhada de políticas federais mal concebidas explica muitos dos problemas que vemos” na cadeia alimentar, explicou Anne Kapuscinski, professora de Dartmouth e presidente do conselho da Union of Concerned Scientists, em um editorial do ano passado. “Isso explica por que as junk foods são mais baratas do que as frutas e verduras (porque o milho e a soja, ingredientes-chave dos alimentos processados, se beneficiam dos subsídios agrícolas e da pesquisa financiada pelos contribuintes); por que os agricultores aumentam o plantio dessas culturas mesmo quando os preços estão baixos (porque o seguro agrícola garante sua renda); e por que algumas das pessoas com mais insegurança alimentar em nosso país são, ironicamente, as mesmas pessoas que produzem e preparam nossa comida (porque muitos trabalhadores rurais e de serviços de alimentação trabalham nas sombras, sem um salário digno)”.

O resgate agrícola de Trump inclui medidas para lidar com o excedente de alimentos, inclusive comprá-lo e doá-lo a bancos de alimentos, o que evidencia ainda outro problema com o bem-estar social da indústria agrícola. Quarenta e um milhões de americanos sofrem atualmente de insegurança alimentar – o que significa que esses subsídios, que originalmente tinham como objetivo garantir que a nação tivesse comida suficiente, não estão funcionando para esse fim. Segundo a CBS, “Os condados rurais estão entre os mais afetados, abrangendo 79% dos municípios com as maiores taxas de insegurança alimentar, apesar de constituírem apenas 63% de todos os condados dos Estados Unidos”.

O resgate financeiro de Trump equivale a cerca de um sexto do que os Estados Unidos gastam anualmente em benefícios do SNAP, anteriormente conhecido como vale-refeição, que ajudam mais de 40 milhões de americanos. E ainda assim Trump, embora rápido em cortar US$ 12 bilhões para agricultores, parece pensar que até US$ 70 bilhões sejam demais para alimentar a fome do país: em seu orçamento de 2019, ele propôs cortar o SNAP em US$ 213 bilhões em 10 anos, quase 30% de corte (o Congresso, em grande parte, ignorou seu pedido).

Além de custar bilhões ao governo sem alimentar adequadamente os americanos, a superprodução do setor agrícola também causou uma verdadeira crise de água potável nas áreas rurais de todo o país. O fertilizante à base de nitrogênio da agricultura de grande escala tem uma tendência a escorrer das terras agrícolas para os sistemas de água doce do país, causando grave poluição por nitratos nas cidades do Vale do Rio Mississippi. Beber água mesmo com pequenas quantidades de nitratos aumenta o risco de câncer de cólon, rim, ovário e bexiga, segundo o Instituto Nacional do Câncer.

O resgate de Trump deve ser temporário. Eventualmente, argumenta ele, a guerra comercial dará frutos – os agricultores não precisarão mais da ajuda do contribuinte. “Os agricultores serão os maiores beneficiados. Aguarde”, disse ele, “Estamos abrindo mercados. Espere para ver o que vai acontecer. Só tenha um pouco de paciëncia”. É possível que, com uma guerra comercial de longa duração, Trump consiga consertar o sistema alimentar americano quebrado? Claro, é possível. Talvez quando os porcos voarem.

Emily Atkin é um escritora da equipe da The New Republic.

Tradução por Solange Reis

*Artigo originalmente publicado em 27/07/2018, em https://newrepublic.com/article/150202/trumps-farmer-bailout-americas-broken-food-system

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Já está resolvido o problema.

    Já está resolvido o problema. O Brasil envia nosso petróleo cru,acaba com a indústria naval,com a cadei do petróleo,doa o pré sal e,em troca os gringos do norte nos enviam comida,notadamente seu queijo que,a esta altura,já deve estar estragando e,assim,de quebra,ainda afundam o nosso agronegócio.

    Da-lhes paneleiros!

  2. O agronegócio brasileiro pode se dar muito mal

    O agronegócio brasileiro pode se dar muito mal se continuarmos, no meio dessa guerra comercial, com a política externa brasileira totalmente submissa ao que os EUA querem.

    Há um cenário completamente factível e que pode estar em gestação: a China e Trump acertam por cima a paz da guerra comercial, com os EUA removendo as tarifas sobre os chineses e em troca a China aumentando tarifas sobre produtos agrícolas não-americanos. O Brasil entra na história apenas como bucha de canhão.

  3. Oxente !!!!!??… Não é o

    Oxente !!!!!??… Não é o próprio mercado, sem a ingerência estatal, que está capacitado para resolver essas disfunções?

    Orlando

  4. Alguns detalhes

    Problema na tradução, onde se lê “e o leite é mais facilmente armazenável do que o queijo” , leia-se “e o leite é mais facilmente armazenável como queijo”.

    E quanto aos suínos, este domingo Globo Rural fez reportagem sobre suinocultores em SC que estão desativando as granjas porque o preço não paga os custos.

    1. Bonito de ver.
      Conheço esse

      Bonito de ver.

      Conheço esse pessoal… Batedores de panelas e defensores ferrenhos do Torquemada de Curitiba.

      Pois é, descobriram a realidade brasileira.

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