Os Cabeças de Planilha e a história econômica oculta do Brasil, por Luis Nassif

No livro de 2007, tive o atrevimento de incluir um ponto novo na história: as jogadas especulativas de Rui Barbosa, emuladas no Plano Real, visando criar uma nova classe de capitalistas

Há muitas explicações para a crise do Encilhamento – o jogo especulativo que quase liquida a recém inaugurada República do Brasil.

Os clássicos, em geral – Celso Furtado, Boris Fausto, Caio Prado Jr – tendem a atribuir a crise a fatores externos, que levaram tanto a Argentina quanto o Brasil à mesma crise:

* início da recessão europeia;

* superprodução de matérias primas, café, no caso do Brasil, trigo, no caso da Argentina;

* movimentos especulativos cambiais, com a adoção do papel-moeda em ambos os países;

* crise do Banco Barings, na Argentina, produzindo um terremoto cambial que acaba por sepultar a experiência monetária de Ruy Barbosa.

No livro “Os cabeças de Planilha”, de 2007, tive o atrevimento de incluir um ponto novo na história: as jogadas especulativas de Rui Barbosa, emuladas no Plano Real -, visando criar uma nova classe de capitalistas, capitaneados pelo Conselheiro Mayrink – dos quais Rui se tornou sócio.

Procurei mostrar outra lógica, tanto no Encilhamento, como no Plano Real, que talvez tivessem passado despercebidas aos grandes historiadores e economistas devido ao fato de não ser de sua área de especialidade o conhecimento de aspectos técnicos das finanças (e das jogadas bursáteis) nos dois períodos.

Períodos de remonetização (isto é, de criação de nova moeda) são propícios a grandes “tacadas” – termo utilizado por Carlito, cunhado de Rui Barbosa, para descrever as jogadas de bolsa das quais participava, em parceria com o próprio Rui. Foi assim com o primeiro grande especulador monetário, o escocês John Law, que desenvolveu o papel-moeda como alternativa ao padrão ouro, para financiar as guerras napoleônicas.

Tanto no Encilhamento quanto no Plano Real, a remonetização foi utilizada para grandes “tacadas’. No caso do Real, definindo que a remonetização se faria com a compra de dólares pelo Banco Central – transferindo o comando da liquidez às instituições financeiras, especialmente aos bancos de investimentos que surgiam naquele período. Depois disso, a grande “tacada” da apreciação cambial, uma jogada deliberada que fez a fortuna dos seus economistas.

Aliás, seria divertido, não fosse trágico, ouvir André Lara Rezende contemporâneo confessar que estava, finalmente, admitindo que interesses financeiro condicionam a discussão econômica – para rebater a dificuldade da ortodoxia em aceitar novas teses. Ele foi o principal idealizador e beneficiário das “tacadas” de câmbio do Real.

Em ambos os casos – Encilhamento e Real -, quando sobreveio a crise externa, tanto Rui quanto os economistas do Real se viram com mãos atadas para enfrentar a borrasca, porque significaria impor perdas aos seus próprios negócios. Esse fato teria levado à crise do Encilhamento e ao fim do Plano Real, com a explosão dos juros e o tabelamento do câmbio que liquidaram com a atividade interna e produziram uma explosão nas dívidas públicas interna e externa que paralisaram a economia por mais de uma década.

A condescendência dos historiadores com Rui se devia a razões variadas. Da parte dos economistas desenvolvimentistas e historiadores, devido ao fato de que o desenvolvimento brasileiro exigia, de fato, uma ampliação do crédito e um controle da moeda interna – impossível no padrão-ouro, cujas reservas flutuavam ao sabor dos movimentos do Banco Central da Inglaterra. E também à crise internacional que expôs a vulnerabilidade tanto da Argentina quanto do Brasil. Não se preocuparam em entrar na análise da parte suja da história, os interesses financeiros que paralisaram a reação contra a crise. Tudo isso produziu uma avaliação benevolente sobre Rui Barbosa – um dos mais venais personagens da história do Brasil.

Tive certeza de que as teses não eram extravagantes em um debate na Fiesp (Federação da Indústria do Estado de São Paulo), onde, pela primeira vez, expus esse ideias  – sobre as semelhanças entre Encilhamento e Plano Real – em uma mesa com o chileno Gabriel Palma, professor emérito da Universidade de Cambridge. Ao final da exposição, Palma veio me indagar qual a minha bibliografia. Na verdade, a maior parte das constatações vinha do conhecimento sobre o funcionamento do mercado financeiro e do acompanhamento crítico da implantação do Real.

Constato, agora, que a tese mereceu acolhida no trabalho “The Baring crisis and the Encilhamento crisis in the context of the capitalist world-economy”, de Felipe Amin Filomeno, como doutorando em Sociologia da Johns Hopkins University, como bolsista da Capes-Fulbright.

Aqui, o livro exposto no Skoob, com a seguinte apresentação:

O Brasil teve três chances de se tornar uma nação de primeira grandeza. A primeira foi no século XIX, logo depois da Abolição da escravidão. A segunda foi no final dos anos 1960, enquanto assistíamos ao “milagre econômico” do regime militar. A terceira surgiu na década passada, com o Plano Real. Mas, por que não saímos do lugar? O jornalista Luís Nassif explica: fomos travados pelos “cabeças-de-planilha”, criadores de embustes financeiros e de duvidosas “leis” do mercado. Aliando conhecimento do passado a uma extraordinária familiaridade com os temas próprios da economia e do jogo político, Luís Nassif faz aqui uma análise inteligente – além de desvendar as tramas, as negociatas e as ligações entre o grande capital e os homens do governo em diferentes períodos da república brasileira.

Aqui, o trabalho de Filomeno.

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Luis Nassif

7 Comentários

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  1. Instintivamente nunca gostei do personagem histórico Rui Barbosa. E, depois que vi o que fez para destruir a economia brasileira por golpe da República… aí é que passei a ser extremamente cuidado com essa intelectualidade do “mainstream”: tudo podre!

    1. Há pelo menos 10 anos, sei das “virtudes” de Rui Barbosa: escravista, a “Águia de Haya” incinerou documentos relatvos ao tráfico negreiro lá por 1887/1888, às vésperas da Abolição. Mais lamentável é a existência de uma “casa de cultura” Rui Barbosa. Ação similhante se aplica ao ex-presidente José Sarney, um “coronel” que não vale um ovo quebrado, ter uma cadeira (!!!!) na ABL… Terra brasilis…

  2. Ahhhhh….sempre o abutres rentistas…..esses que recebem mais de um trilhão sem exigência de nenhuma contrapartida, mas para ajudar os Estados exige que salários e aposentadorias sejam achatados…..
    Deve ser por quê o funcionalismo e aposentados aplicam o salário em contas de off agora no exterior, só pode……

  3. Rui Barbosa, 1.a República, República Paulista? O Brasil como vanguarda do Mundo associado ao Plano Real? Caro Nassif, o que o sr. anda fumando? Ou serão as doses que estão excessivas? Na maioria da vezes, a metade de um comprimido de Rivotril é o suficiente. Gostaria de ler um comentário de AMA sobre esta tese. Mas antes, vejo que tal tese obteve acolhida em Doutorado de do Sociologia ( e não Economia. Sociologia de FFLECH cúmplice de ECA de Nassif?!! Oh! Deus dai-me forças!!!). Nem uma única citação ao Pai da Catástrofe Nacional, Eugênio Gudin? Leiam as teses do “Pilar Central da Economia”, Industrialização(?) e Monetarismo Brasileiro a partir do Golpe Civil Militar Fascista de Getúlio Vargas em 1930. Replicadas na cria de seus Familiares e “genialidades Getulistas” que foi o Governo JK. Para finalmente ressurgirem das profundezas do Inferno, nas Privatarias do Governo FHC (FFLECH/ECA DA USP?!) Mas é tudo coincidência. Afinal Somos a Pátria das Coincidências !!!! Plano Real tem a ver com a Maior Era de Ascensão da Nação Brasileira 1830/1930 de Rui Barbosa, Machado de Assis, Carlos Gomes, Carlos Chagas, André Rebouças, Santos Dumont, Landell de Moura, Sabaddo D’Angelo, Barão de Rio Branco, Castro Alves, Emílio Ribas, Vital Brasil,… 1.a República com Plano Real? Com 40 anos de tragédia de farsante Redemocracia? Esta foi forte !!!! Pobre país rico. Mas de muito, muito, muito fácil explicação.

  4. Nassif..Desde que descobri teu trabalho..fico me perguntando o quanto és importante para ajudar a esclarecer esse País….O teu BLOG é admiravelmente um espaço de grandes pistas para estudos que cada leitor pode fazer em diversas áreas…Tenho lido faz tempos, todos os dias, são aulas e mais aulas que extenderam meus conhecimentos…Argumetos fundamentais..

  5. Esse Mister Barbarossa ( como era chamado por Keynes) é o símbolo mor do atraso intelectual da elite brasileira, apegada à ilustração como adorno formal, adereço social de ostentação, e nunca como instrumento à formulação de uma visão crítica do estado de coisas ao redor. Fernando Henrique foi o típico exemplo dessa linhagem sofista, ouro de tolo, fariseu que encheu de orgulho a elite brasileira por seu “refinamento e sofisticação”. Na área jurídica, Barbarossa é o arquétipo do saber jurídico, desnudando toda a superficialidade sobre qual se erige nossa formação jurídica.

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