Os novos modos de produção e a destruição do emprego, por Luis Nassif

Valendo-se do impeachment, empurrou-se goela abaixo do país o desmonte total da proteção trabalhista, sem colocar nada no lugar.

Um jovem empreendedor montou o seguinte negócio, valendo-se das redes sociais.

Decidiu fabricar roupas. Pelas redes sociais, localizou designer disposto a desenhar sua coleção.

Também em grupos de Facebook, localizou costureiras e estampadores. Nesses grupos, a pessoa anuncia o que precisa e recebe os currículos, alguns morando em localidades bem distantes. Por aplicativo acertou um sistema com entregadores, que levam os tecidos e trazem o produto trabalhado.

Seu papel é encontrar mercado. Depois de um período de produção de varejo, conseguiu uma encomenda grande com uma marca de cosméticos, para roupas com o logotipo da empresa.

Trata-se de um modelo que se iniciou anos atrás, em escala maior, quando começou o processo de globalização da economia e o país emergiu da pesada centralização dos anos 80.

Lembro-me de dois casos interessantes em fins dos anos 90.

Um deles era uma importadora americana de roupas e calçados brasileiros. Ela prospectou lojas de departamentos de roupas da moda em Nova York e descobriu uma demanda dos clientes. Na época, o Brasil estava na moda e havia boa saída de tamancos e sandálias para roupas de praia. Só que as clientes queriam roupas íntimas colantes, para empinar o bumbum. E, com as canelas de fora, não havia meia adequadas.

Ela bolou uma coleção, pela qual o colante ia até o meio das coxas. Procurou um fornecedor brasileiro, as Meias Lupo se não me engano, e trouxe uma encomenda relevante.

Outro caso foi de um exportador de lã tingida. Ele organizou a cadeia produtiva,. Identificou plantadores com problemas econômicos e garantiu capital de giro. Depois, acoplou empresas de fiação, de tingimento, e armazéns. E saiu pelo mundo buscando mercado.

Na época, sugeri a montagem de um sistema organizando os Arranjos Produtivos Locais de roupas e tecidos. Se montaria um grande banco de dados onde esses grupos se cadastrariam. Haveria testes para certificar o nível de qualidade de cada fabricante. Depois, se estimularia a figura do trader especializado, que sairia pelo mundo buscando mercado e planejando coleções. Essa demanda seria colocada na base de dados, e oferecida para os APLs credenciadas.

Na época, não havia familiaridade com aplicativos e redes virtuais.  Mas o modelo da produção descentralizada já estava dado.

O caso mais bem sucedido foi o de Nova Serrana, perto de Belo Horizonte, que montou um polo calçadista respeitável valendo-se do apoio de organizações nacionais, como o Sebrae e o Sesi, e de algumas lideranças locais responsáveis que incutiram na cidade o conceito da colaboração. Montaram redes de produção complementares, com uma empresa em cada etapa da fabricação.

A legislação trabalhista era incompatível com o modelo. Para atender à lei, houve a necessidade de gambiarras acionárias, com uma empresa participando do capital da outra, para não caracterizar terceirização da atividade principal.

Tudo isso levou à constatação da necessidade da modernização da legislação trabalhista, inclusive do papel dos sindicatos – ainda amarrados ao modelo de carteira de trabalho. Só que jogou-se a criança fora com a água do banho. Valendo-se do impeachment, empurrou-se goela abaixo do país o desmonte total da proteção trabalhista, sem colocar nada no lugar.

Ora, em fase de grandes mudanças, com modelos que reduzem a formalidade do trabalho e tecnologias que destroem o emprego, mais do que nunca era preciso sindicatos fortes, negociando com associações empresariais fortes, a fim de se chegar a uma legislação que modernizasse as relações trabalhistas sem destruir as redes de proteção social.

Sem essa rede, o país entra em uma fase crucial destruindo seu mercado de trabalho. E, com ele, comprometendo o mercado de consumo.

 

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