Os prós e contras de Boulos aceitar sabatina com Marçal, por Samuel Braun

Talvez seja o único movimento capaz de mexer em tantos votos quanto necessário pra virar uma reeleição

Existem prós e contras.

Se Boulos não aceita, reforça o “cinturão higiênico contra a extrema-direita”, uma estratégia comum entre liberais e esquerda em muitas conjunturas, como recentemente na França, mas num cenário que lhe é adverso pois o status quo pende para a reeleição de Nunes.

Por outro lado, ao topar normalizar Marçal após ensaiar este cinturão no primeiro turno, se contradiz e parece desesperado – eis porque estamos nos questionando se faz sentido ser sabatinado por Marçal, soa contraditório.

Assim, há contras nas duas opções.

Quanto aos prós, ao rejeitar a entrevista reforça junto ao eleitorado progressista suas credenciais de virtude, e muito marginalmente sinalizaria positivamente ao eleitorado que está com Nunes CASO este topasse dar a entrevista. Como Nunes não topou, não há diferenciação, logo não vejo se concretizar esse ganho marginal.

Ao topar a sabatina, e especialmente ao fazer isso sem Nunes topar, abre a possibilidade de conquistar uma parte do eleitorado de Marçal por outra díade, não a de progressistas x conservadores, mas a entre indignados x acomodados, que encapsula hoje a real dicotomia classista. Não é a toa que Marçal tinha o apoio da Faria Lima mas o voto dos mais pobres: ele representa a saída fascista, sempre invocada em momentos de crise da gestão ordinária do capital para evitar que a indignação se transforme em pulsão revolucionária, mas em reacionária. É, por isso, uma solução PARA o capital, enquanto a do capital segue sendo Nunes.

Nunes ganha com a inércia, a manutenção do status quo, a “moderação” defendida por estrategistas liberais, e Marçal bloqueou o acesso de Boulos a organizar a insatisfação, impingindo sobre ele a pecha de ser parte do sistema, às vezes até a versão piorada desse sistema (se o reacionário odeia a degeneração atual, odeia ainda mais sua suposta progressão, a revolução).

Boulos, ao topar dialogar com os seguidores de Marçal, só tem a ganhar nesse eleitorado. É impossível perder ali qualquer voto, pois já não o tem. E se considerado que neste eleitorado estão os mais suscetíveis ao seu discurso de mudança, muito mais que entre os eleitores com Nunes, vale a pena o desafio.

Contudo, dizer que não há perdas nesse eleitorado não significa que irá ganhar. É preciso consciência que irá disputar “na casa do adversário”, que só propôs o duelo porque quer fortalecer seu domínio sobre o segmento.

Por fim, é uma escolha entre quais grupos de eleitores irá concentrar a estratégia final: os mais liberais e defensores do status quo, tentando mostrar pra eles que sua dose de renovação é melhor que a gestão do estado de coisas atual – ou seja, uma disputa no detalhe, no ajuste fino, que tem sido a tônica de Boulos até aqui – ou avançar sobre os incomodados, desacreditados, indignados, até por isso indiferentes às vaca sagradas da democracia liberal (que tem elementos importantes pro campo progressista).

Talvez seja tarde para essa guinada, e termine como um movimento atabalhoado que nem conquiste nada neste último grupo e tire força no alcance do grupo base da estratégia mantida até aqui. Mas talvez seja o único movimento capaz de mexer em tantos votos quanto necessário pra virar uma reeleição quase certa de Nunes.

Samuel Braun é Professor de Políticas Públicas (UERJ), Cientista Politico, Especialista em Teoria do Voto, Mestre em Ciência Política e Doutorando em Economia Política Internacional

O texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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