Para os trabalhadores brasileiros, a crise ainda está longe de acabar, por Ana Luíza Matos de Oliveira

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Observatório de Políticas Públicas do Instituto Lula

Para os trabalhadores brasileiros, a crise ainda está longe de acabar

por Ana Luíza Matos de Oliveira

Os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) divulgados mostram uma taxa de desocupação de 12,2% no trimestre de novembro de 2017 a janeiro de 2018, estável em relação ao trimestre anterior e menor se comparada ao mesmo trimestre do ano anterior.

A partir desses resultados, o governo tem alardeado uma recuperação econômica e recuperação do mercado de trabalho que efetivamente não tem sido sentida pelos brasileiros. Se é verdade que em 2017 tivemos as primeiras quedas na taxa de desocupação desde o início da crise e um princípio de reversão do processo de perdas líquidas de postos de trabalho formais (medidos pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, Caged), para os trabalhadores brasileiros a crise no mercado de trabalho está longe de acabar.

Aqui elencamos 4 aspectos que mostram como a crise continua se manifestando para os trabalhadores brasileiros:

1. A taxa de desocupação no Brasil continua muito alta e a níveis muito maiores que antes da crise

Os dados da PNADC mostram que a taxa de desocupação de 2017 foi a maior da série histórica: 12,7% em 2017, contra 11,5% em 2016, 8,5% em 2015 e 6,8% em 2014. De 2014 a 2017 a média anual de desocupados cresceu de 6,7 para 13,2 milhões de brasileiros. Os dados mais recentes da PNADC, do trimestre de novembro de 2017 a janeiro de 2018, estimam a taxa de desocupação em 12,2% e um contingente de 12,7 milhões de brasileiros.

2. A recuperação do mercado de trabalho tem ocorrido com a ampliação da informalidade

Observando o movimento do mercado de trabalho de 2012 a 2017, há um crescimento do número de ocupados em 2017 e uma queda no número de desocupados nos últimos meses: no último trimestre de 2017, a população desocupada no país caiu 5% em relação ao trimestre anterior e se manteve estável em relação ao mesmo trimestre no ano anterior, enquanto a população ocupada cresceu 0,9% no último trimestre de 2017 em relação ao trimestre anterior e 2% em relação ao mesmo trimestre no ano anterior. Já no trimestre de novembro de 2017 a janeiro de 2018, a população desocupada ficou estável em relação ao trimestre anterior e ao mesmo trimestre no ano anterior, enquanto a população ocupada ficou estável em relação ao trimestre anterior e cresceu 2,1% em relação ao ano anterior.

Mas é preciso discutir qual tipo de ocupação tem sido a responsável por esse crescimento da ocupação, pois desde o início da crise, em 2015, o país perdeu 3,3 milhões de postos de trabalho formais, enquanto havia criado 8,7 milhões de empregos formais desde 2008 segundo o Caged. Em 2017, o Brasil perdeu 21 mil empregos formais.

O crescimento da ocupação no Brasil tem sido puxado pela ampliação dos empregos sem carteira, por conta própria e emprego doméstico, indicando um aumento da informalidade na economia brasileira, a partir dos dados da PNADC. Já o número de empregados sem carteira ficou estável de novembro de 2017 a janeiro de 2018 em relação ao trimestre anterior e subiu 5,6% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Comparando as médias anuais de 2014 e 2017, em 2017 há 330 mil pessoas a mais nesse contingente. Também nas médias anuais, em 2012, o trabalho por conta própria envolvia cerca de 22,8% dos trabalhadores (20,4 milhões) e, em 2017, passou a representar 25,0% (22,7 milhões).

Os gráficos abaixo mostram a evolução do emprego com e sem carteira de 2014 a 2017: desde o início da crise, em 2015, só houve recuperação do emprego sem carteira no Brasil.

 

Essa ampliação da precarização é ruim para os trabalhadores, que ficam alijados de diversos direitos relacionados à formalização, mas também para as contas públicas, pela perda de arrecadação.

Também é preciso notar que com a ampliação do conceito de formalidade, que ocorre com a reforma trabalhista, empregos antes à margem da lei como a contratação intermitente passam a ser considerados como formais, apesar de não deixarem de ser, objetivamente, precarizados.

3. As taxas de subutilização chegaram em 2017 aos níveis mais altos da série histórica

A taxa de subutilização da força de trabalho, que agrega os desocupados, os subocupados por insuficiência de horas e os que fazem parte da força de trabalho potencial, fornecendo um quadro mais completo sobre o mercado de trabalho, chegou a um recorde em 2017, fechando o ano em 23,8%, após ter alcançado 20,9% em 2016, 17,2% em 2015 e 15% em 2014. Em números absolutos, isso significa que 26,4 milhões de brasileiros estão desocupados, trabalham menos horas do que gostariam ou desistiram de procurar emprego.

4. Um dos setores que mais tem crescido é o emprego doméstico

Recentemente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) anunciou que o Brasil tem 7,2 milhões de empregados domésticos, sendo o país com a maior população de trabalhadores domésticos do mundo em números absolutos. Tal índice está relacionado à nossa alta desigualdade social, que abre espaço para o crescimento dos serviços pessoais como os relacionados ao emprego doméstico, que por sua vez emprega maioria de mulheres negras e de baixa escolaridade.

No Brasil, o emprego doméstico não só é muito representativo como é um dos setores que mais cresceu em 2017. Dados divulgados hoje pelo IBGE/PNADC, sobre o trimestre de novembro de 2017 a janeiro de 2018, mostram que, frente ao trimestre de novembro de 2016 a janeiro de 2017, a categoria de empregados domésticos apresentou aumento de 4,4%, ou seja, mais 267 mil pessoas se somaram ao contingente de empregados domésticos.

Tais indicadores, fruto da aplicação de política econômica sem compromisso com a manutenção do emprego e da renda, mostram que a alardeada recuperação econômica precisa ser problematizada à luz da realidade objetiva dos trabalhadores brasileiros, que ainda sofrem com altas taxas de desemprego, aliadas a um crescimento da subutilização, da informalidade e de trabalhos precarizados.


Ana Luíza Matos de Oliveira é economista e professora vistante da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO). Doutoranda em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia da Unicamp, faz parte do coletivo de economistas do Instituto Lula e da Equipe Editorial do Brasil Debate (brasildebate.com.br).


 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Mas é preciso informar essa

    Mas é preciso informar essa REALIDADE aos Sardenbergs, Miriams, Denises, Julianas, Borges que insistem na decantada “recuperação da economia” com “dados animadores”, a Selic caiu 50% mas as taxas cobrados pelos bancos curiosamente não cairam nem 5%, embora os bancos paguem nos CDBs metade do que pagavam há dois anos, acompanhando a queda da Selic

    quandam PAGAM juros se reportam à Selic mas nunca quando CORAM juros.

    Curiosamente Ilan Goldfajn não tem nenhuma  explicação para isso e diz que se forem criados mecanismos como o “cadastro positivo” os juos podem cair lá por 2050, bla, bla, bla, é os comentaristas da midia acreditam.

  2. Só os trabalhadores? 
    Todos

    Só os trabalhadores? 

    Todos os profissionais liberais que prestam serviços aos trabalhadores (advogados, dentistas, etc…) também sofreram um imenso declínio sua renda. 

    Sou advogado e em 2017 ganhei apenas 1/3 do que faturei nos anos anteriores. Esse ano estou gastando o pouco que juntei. Em março/2018, pela primeira vez no ano, conseguirei ganhar o equivalente a um auxílio-moradia de juiz.

    Minha situação é deprimente. Mas varios de meus colegas, que alugam salas para trabalhar,  estão em situação muito pior.

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