Um olhar sobre a classe C

O copeiro Hamilton foi o ponto de partida para a agência de propaganda AlmapBBDO investigar de lupa o comportamento da tão comentada classe C ascendente no Brasil nos últimos anos. Há tantos estudos sobre o tema, e tantos discursos contraditórios, que o time liderado por José Luiz Madeira, sócio e diretor de planejamento da agência, resolveu esquecer qualquer informação anterior e começar do zero.

Morador do bairro Parque Santo Antonio, região de Capão Redondo, periferia de São Paulo, Hamilton, por exemplo, é um voraz consumidor de DVDs de filmes de sucesso, usa o celular para ouvir música e adora dar palpites sobre comerciais. A partir dele, a equipe da agência chegou a outros oito “comunicadores” em seus ambientes de origem, que indicaram mais sete amigos de seus círculos de convivência. No total, 64 pessoas desse universo foram acompanhadas por três meses. Ao todo, 150 pessoas participaram do estudo.

“A maior preocupação era não produzirmos resultados estereotipados pelos olhos do pesquisador tradicional. Queríamos um frescor nesse olhar. E acabamos, após seis meses de trabalho, fazendo achados que derrubam mitos que se tornaram verdade absoluta no nosso meio”, conta Cintia Gonçalves, diretora de planejamento estratégico da AlmapBBDO.

Alguns dos vícios recorrentes nas mensagens publicitárias estão, por exemplo, no uso de fórmulas estabelecidas, como nos comerciais das redes varejistas, sempre uns decibéis acima para destacar as ofertas. “Esse tipo de propaganda é para pegar pobre”, diz um dos pesquisados. Ao contrário do que se prega, “eles rejeitam desordem, bagunça, gritaria e falta de espaço. A harmonia faz parte do imaginário que projetam”, aponta a pesquisa.

Fase inaugural. Outro erro clássico, segundo a pesquisa, é interpretar a classe C como um bloco, e não como um grupo heterogêneo de 110 milhões de pessoas de origens e hábitos distintos. Muitos acham que esses consumidores não têm repertório cultural e desprezam design. “Eles não querem ser rotulados e vivem uma fase de transição. Acabaram de sair de uma situação, com a melhora do poder de compra, e ainda não entraram em outra, porque experimentam consumos antes inexistentes em seu cotidiano. É uma fase inaugural na vida deles”, afirma Cintia.

Nas áreas de planejamento e pesquisa, é comum partir de condições preestabelecidas na hora de ir a campo desbravar um novo universo. E isso, como diz Cintia, leva, no caso da atual classe C, a já se sair com um briefing errado no momento de criar a comunicação da marca, justamente por essa classe estar vivendo esse momento inaugural.

Mesmo com o ganho de poder de consumo, os integrantes desse segmento, definido pelos padrões de pesquisa como os que recebem entre R$ 1.115 a R$ 4.807 por mês, não podem abrir mão da vida em coletividade, até mesmo para garantir essa crescente capacidade de consumo. “Rede social é novidade só para a classe AB”, brinca Daniel Arthur Machado, gerente de planejamento da agência.

A ideia de coletividade ganha relevância porque vem da herança de escassez. Nas comunidades em que moram, eles se ajudam. Uns tomam conta dos filhos dos outros, trocam conhecimentos e até compartilham compras em cartão de crédito. Isso aumenta o poder de compra deles. Se saírem dessa teia de valores baseada na ajuda mútua, perdem uma receita indireta e difícil de ser contabilizada.

Ética da superação. “A classe C na internet não é sinônimo de Orkut, ela está também no Facebook. Assim como ela também não vê apenas novelas e Ratinho. É uma visão distorcida. Os integrantes dessa classe conhecem as séries americanas, como House, e gostam do humor sofisticado do personagem”, acrescenta Machado.

Outro aspecto relevante para quem quer falar com esse consumidor é ter a noção de que, para ele, saber se virar é mais importante do que ser vencedor. “É a ética da superação”, diz Eduardo Nasi, gerente de inteligência da agência. “Eles estão habituados a conviver com altos e baixos. Ouvimos coisas como ‘quem precisa de terapeuta é rico’. Acostumados a perdas, preferem superar a se lamentar.”

A criatividade é o que gera envolvimento com uma propaganda. Para eles, a publicidade é uma espécie de porta-voz de mudanças, por trazer novas ideias. Cenas que abominam nas novelas, por considerarem irreais, aceitam na propaganda. Mas tendem a rejeitar os extremos: só informação ou só entretenimento.

Redação

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