Os argumentos de Kassio Nunes para votar contra a suspeição de Sergio Moro

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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"Tenho a sensação, talvez idêntica a de milhares de brasileiros, de que as novas provas trazidas aos autos muito provavelmente correspondem à verdade dos fatos. Mas estamos diante de diálogos obtidos por meios ilícitos", declarou o ministro

ASCOM/TRF1

Jornal GGN – O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, devolveu o habeas corpus da suspeição de Sergio Moro à pauta da Segunda Turma, nesta terça (23), e votou contra o recurso movido pelo ex-presidente Lula.

Segundo Marques, o habeas corpus não é o instrumento jurídico adequado para discutir a parcialidade de Moro, mas sim um recurso chamado “exceção de suspeição”. Ele disse que três exceções de suspeição já foram movidas pela defesa de Lula contra Moro em outras instâncias, e todas foram rejeitadas.

Marques também afirmou que juízes têm direito a ter uma bússola moral e ideológica que influencia em suas decisões. Seria preciso provar que Moro tinha interesse pessoal na condenação de Lula para reconhecer sua suspeição. E as mensagens apreendidas na Operação Spoofing não podem ser usadas para esta finalidade pois são provas ilícitas.

“Se [os diálogos hackeados] tivessem sido obtidos por meio lícitos, e tivesse tido seu teor e autenticidade atestados oficialmente, alegadamente teriam aptidão de comprovar parcialidade de um juiz”, declarou. Mas “se o hackeamento fosse tolerado como meio de aquisição de provas, ninguém mais estaria seguro.”

“Tenho a sensação, talvez identica a de milhares de brasileiros, de que as novas provas trazidas aos autos muito provavelmente correspondem à verdade dos fatos. Mas estamos diante de diálogos obtidos por meios ilícitos. Ainda que as provas fossem consideradas lícitas, não se pode assegurar que seu conteúdo corresponda fidedignamente aos diálogos, pois podem ter sido alteradas, com a adição ou supressão de palavras ou textos”, frisou.

“Já está registrada nos anais desta Corte a célebre e acertada frase do ministro Gilmar Mendes: ‘não se comete crime cometendo crime’. Não podemos errar, como se supõe que errou o juiz Sergio Moro, como se supõe que erraram os membros do Ministério Público Federal. Seria uma grande ironia e a pronuncia de um looping infinito de ilegalidade aceitarmos provas ilícitas para comprovar um suposto crime praticado para apurar outro crime. E aí registro eu: dois erros não fazem um acerto.”

“A prova é ilícita, ilegítima e imprestável”, finalizou o ministro a respeito das mensagens de Telegram.

Marques se alinhou ao lavajatista Edson Fachin ao rejeitar o habeas corpus de Lula contra Moro. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski já votaram pelo conhecimento da suspeição do ex-juiz. Há expectativa de que a ministra Cármen Lúcia profira um novo voto.

Acompanhe, abaixo, alguns trechos do voto do ministro:

Como bem ressaltou o relator [Edson Fahin], é inviável a reanálise [da suspeição de Moro] em habeas corpus no Supremo por causa da supressão de instâncias inferiores. 

Admitir a suspeição em habeas corpus no Supremo depois de rejeitadas três exceções de suspeição sobre a matéria, e com base em prova ilícita, desordenaria os ritos e procedimentos e iria contra toda a jurisprudência consolidada neste tribunal. 

A suspeição, diferententemente do impedimento, se configura por circunstâncias em que o juiz tem o dever de se afastar da causa. A parte pode impugnar sua atuação, mas se o juiz não se considerar suspeito, nos prazos e nas formas legais, o defeito deixa de produzir qualquer consequência jurídica no processo. Atos e sentenças que ele pôde proferir são válidos. É como se o defeito não tivesse existido ou ficasse sanado.

A exceção de suspeição tem que preceder qualquer defesa. Se presume ter a parte [defesa] aceito o juiz. 

Não se deve confundir o perfil de um juiz com ânimo favorável ou desfavorável a uma das partes [com suspeição]. Todos os juízes têm um background ideológico moral e cultural que os orientam conscientemente ou não a tomar esta ou aquela decisão. 

A suspeição pressupõe relação peculiar entre o juiz e o caso. Não basta que o juiz seja simpatizante em determinadas ideias para que ele seja tido como suspeito. É preciso que ele tenha uma apetência especial pelo resultado do processo que está em suas mãos, a ponto de suscitar desconfiança sobre a honestidade do seu proceder. 

O juiz tem o dever de se declarar suspeito caso se sinta tentado a se declarar a favor de um dos lados. A não oposição da exceção no momento apropriado implica em preclusão temporal. No caso, foram apresentadas três exceções de suspeição, todas rejeitadas pelos órgãos competentes.

É no procedimento exceção de suspeição que há espaço para se alegrar e provar suspeição. O Habeas corpus não é remédio adequado para que se avalie a suspeição de um juiz.

Se tivessem sido obtidos por meio lícitos, e tivesse tido seu teor e autenticidade atestados oficialmente, alegadamente teriam aptidão de comprovar parcialidade de um juiz.Antes dessa análise, cabe destacar o papel da Constituição como garantia de direitos. Citou Ferrajoli ao falar de garantismo.  

Tenho a sensação, talvez idêntica a de milhares de brasileiros, de que as novas provas trazidas aos autos muito provavelmente correspondem à verdade dos fatos. Mas estamos diante de diálogos obtidos por meios ilícitos. Ainda que as provas fossem consideradas lícitas, não se pode assegurar que seu conteúdo corresponda fidedignamente aos diálogos, pois podem ter sido alteradas, com a adição ou supressão de palavras ou textos.

Já está registrada nos anais desta Corte a célebre e acertada frase do ministro Gilmar Mendes: não se comete crime cometendo crime. Não podemos errar, como se supõe que errou o juiz Sergio Moro, como se supõe que erraram os membros do Ministério Público Federal. Seria uma grande ironia e a pronuncia de um looping infinito de ilegalidade aceitarmos provas ilícitas para comprovar um suposto crime praticado para apurar outro crime. E aí registro eu: dois erros não fazem um acerto.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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