A posse de Lula, em 2003, vista no cinema e o cenário atual, por Roberto Bitencourt da Silva

Chama bastante a atenção o pano de fundo político da narrativa: a posse do presidente Lula, em seu primeiro mandato.

A posse de Lula, em 2003, vista no cinema e o cenário atual

por Roberto Bitencourt da Silva

Nesta terça-feira foi exibido no Canal Brasil um bom e interessante filme nacional, cujo título é “Domingo”. Uma produção de 2018 dirigida por Clara Linhart e Fellipe Barbosa.

A história é ambientada no interior do Rio Grande do Sul, no início do ano de 2003. Dramas, estripulias e conflitos familiares à parte, chama bastante a atenção o pano de fundo político da narrativa: a posse do presidente Lula, em seu primeiro mandato.

O desgosto da matriarca rural, uma fazendeira interpretada por Ítala Nandi, é a expressão artística de certo mal-estar das classes dominantes com o “sapo barbudo”.

As expectativas apresentadas por alguns familiares mais jovens, (pequeno)burgueses e urbanos, simpáticos a Lula, são ilustrações de algumas aspirações e percepções à época, sobretudo entre as esquerdas: uma hipotética reforma agrária, a plausibilidade da ocorrência de “invasão de terras pelos sem-terra”, denunciando as áreas rurais improdutivas etc.

Também não deixam de dar o ar da graça na película certos fragmentos de expectativa positiva de personagens que representam trabalhadores mais humildes, observando a transmissão televisiva da posse de Lula com regozijo, mas sem reverberar o aguardo de qualquer ação pelo novo governo. Esperança e prudência entre os de baixo.

Desce o pano. Treze anos de governo, malgrado uma medida aqui e acolá que melhorou alguns padrões de vida, como certos investimentos na educação pública e a política de recomposição do salário mínimo, a rigor, em termos de uma agenda de reformas sociais e econômicas, a experiência lulopetista de governo foi nula.

Nem corrigir a tabela do imposto de renda, conforme a inflação anual, essas experiências fizeram. Cada vez mais os assalariados com baixos rendimentos foram alcançados pelo leão, denotando uma política tributária regressiva, como tem sido ainda piorada nos últimos anos. 

Está certo. Reconheço. Esse ano tem eleição, blá blá blá, provavelmente a opção eleitoral efetiva contra o ignóbil Bolsonaro – um vil vende pátria, inimigo declarado do povo e criminoso despudorado –, a opção contra esse desprezível presidente, será mesmo o Lula, caso não ocorram “imprevistos” e atos institucionais “excepcionais”.

Decerto, um Lula cansado, idoso, acompanhado de lideranças e organizações políticas e sociais desprovidas de qualquer combatividade, energia, programa reformador. A apologia da impotência já circula folgadamente. Infelizmente ela possui uma enorme capilaridade em amplos estratos sociais e entre os trabalhadores. Confortavelmente, tudo apostar no rito eleitoral e na política enclausurada às instituições.

Se anos a fio se alegava que a “correlação de forças políticas é desfavorável”, para justificar a acomodação aos imperativos do grande capital internacional e doméstico, como também às oligarquias políticas reacionárias e liberais, não resta dúvida que em uma conjuntura muito mais dramática essa cantilena petista será usada às náuseas.

Claro, retirar Bolsonaro da presidência é muito importante. Mas, agir para combater o programa antinacional e antipopular do bloco de poder é decisivo, independentemente do testa de ferro que esteja a representar a lumpemburguesia que de fato manda no Brasil.

Sem ferreamente contrapor ao bloco de poder, sem perseguir e buscar realizar uma agenda reformista (que discipline o capital estrangeiro, introduza as reformas agrária, bancária, tributária e urbana, reestatize empresas que foram entregues ao imperialismo, drenando nossas riquezas e descapitalizando o país, agenda que desconstitucionalize o ajuste fiscal, que além de resgatar, igualmente aperfeiçoe os direitos trabalhistas e previdenciários do Povo Brasileiro etc.), permaneceremos chumbados no subdesenvolvimento, submetidos a uma crescente marginalização social e ao status de colônia dos esteites.

Para que expectativas construtivas e reformistas radicais, tais como apresentadas por alguns personagens do filme “Domingo”, venham a se tornar um dia realidade, o país precisa de uma verdadeira refundação das esquerdas. Que elas sejam dotadas de lideranças ousadas, que não sejam reféns do arcabouço institucional, e que tenhamos trabalhadores e demais setores populares profundamente organizados e mobilizados. Disso precisamos. E muito. Esquerdas e classes populares e médias que promovam ao menos receios nas classes dominantes. Precisamos. Não temos. Por enquanto.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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