Cipó de aroeira no lombo dos vilões lavajateiros, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Os procuradores federais exercem uma profissão regulamentada pela LEI COMPLEMENTAR Nº 75, DE 20 DE MAIO DE 1993. Eles deveriam respeitar os limites legais que lhes foram impostos, mas preferiram avançar o sinal

Cipó de aroeira no lombo dos vilões lavajateiros

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Uma parcela significativa do MPF está horrorizada com a possibilidade do CNMP exonerar os 11 procuradores da Lava Jato. Na internet eles reclamam especificamente do uso dos depoimentos dos Senadores investigados que representaram contra os procuradores.

https://www.anpr.org.br/imprensa/noticias/25730-cnmp-defesa-aponta-legalidade-na-publicidade-de-acoes-penais-por-membros-do-mpf

Há aqui uma evidente campanha de desinformação. No CNMP os investigados não são os Senadores e sim os procuradores. Portanto, o órgão não pode simplesmente desprezar os depoimentos das vítimas.

A situação dos procuradores é delicada, sim. Mas isso decorre menos da representação do que dos abusos que eles cometeram durante a operação. Em razão de uma maneira muito especial de interpretar a constituição, eles provocaram prisões desnecessárias, transformaram o processo penal num instrumento de tortura para obter confissões.

Alguns deles conspiraram com o juiz, plantando nulidades que já foram declaradas. Outros obtiveram lucro dando palestras e até tentaram se apropriar de recursos públicos para uma fundação privada. Isso para não falar nas ameaças feitas a Ministros do STF, na aplicação seletiva da Lei Penal para inocentar parceiros do PSDB e na maneira escandalosa como eles se referiam aos cidadãos cujos direitos foram sabotados pela Lava Jato.

No ápice da Lava Jato, os procuradores fizeram acordos internacionais usurpando a competência do Itamaraty, submeteram o MPF aos interesses privados dos acionistas norte-americanos da Petrobras e tentaram incorporar princípios legais estrangeiros à legislação brasileira. Eles agiam aqui como se fossem super-heróis a serviço de uma missão definida fora do Brasil. Além disso, Deltan Dellagnol e seus colegas agiam como se fossem editores de uma novela jornalística, vazando informações para a imprensa e ajustando suas ações às necessidades da agenda midiática para interferir no campo político.

Os procuradores federais exercem uma profissão regulamentada pela LEI COMPLEMENTAR Nº 75, DE 20 DE MAIO DE 1993. Eles deveriam respeitar os limites legais que lhes foram impostos, mas preferiram avançar o sinal. O desejo de obter fama e, quem sabe até, uma nomeação para o STF cegou-os. A exposição excessiva na imprensa entorpeceu a capacidade deles de agir dentro da legalidade. Em algum momento ele chegaram a acreditar que suas próprias ações abusivas e até ilegais não poderiam ser submetidas a julgamento.

Não foi por falta de aviso. Aqui mesmo no GGN alertei os procuradores da Lava Jato de que os padrões jurídicos que eles estavam criando poderiam se voltar contra eles. Isso não ocorreu, mas um grupo de procuradores do MPF parece disposto a torcer uma vez mais a legislação para garantir a impunidade deles.

Como os heróis lavajateiros eram (ou ainda são) admiradores do direito anglo-americano, creio que é justo citar aqui o instituto do dolo tal como aplicado por ingleses e norte-americanos.

“It is dolus to give a wrong judgment from inimicitias, gratia or sordes;…” (Roman Law and Common Law, by the late W.W. Buckland and Arnold D. MacNair, second edition, Cambridge University Press, 2008, p.386)

Tradução:

“É dolo proferir julgamento errado baseado em inimizade, gratidão ou sujeira.”

O fragmento citado pelo autor inglês refere-se ao Digesto (Roman Law), mas não há dúvida de que ele encontra eco na Common Law.

“In modem English law of judicial immunity from suit, this discrepancy has ceased with the decision in Sirros v Moore . 239 Today, judicial officers of all courts enjoy immunity from civil liability as long as they do not knowingly and deliberately overstep their jurisdiction. In this respect, the immunity of inferior court judges has been considerably extended. Due to the statutory provision of s 45 of the Justices of the Peace Act 1979 as amended by s 108 (3) Courts and Legal Services Act of 1990 this general rule now equally applies to magistrates acting outside their jurisdiction.” (The liability in delict of judges for wrongs committed in the course of judicial proceedings: An historical analysis of the relative immunity of the South African judiciary, Thesis presented for the degree of DOCTOR OF LAWS in the Faculty of Law UNNERSITY OF CAPE TOWN, October 1998, by Johann-Dietrich v. Hiilsen, Starnberg, Gennany)

Tradução:

“Na moderna lei inglesa de imunidade judicial de ação, esta discrepância cessou com a decisão em Sirros v Moore. 239. Hoje, os agentes da justiça de todos os tribunais gozam de imunidade de responsabilidade civil, desde que não ultrapassem a sua jurisdição, consciente e deliberadamente. A este respeito, a imunidade dos juízes dos tribunais inferiores foi consideravelmente alargada. Devido à disposição estatutária da seção 45 da Lei dos Juízes da Paz de 1979, conforme alterada pela Lei dos tribunais e serviços jurídicos de 1990, 108 (3), esta regra geral agora se aplica igualmente aos magistrados que atuam fora de sua jurisdição.”

Comentando o caso Sirros v Moore, ROBERT J. SADLE diz o seguinte:

At this stage it may be useful to summarize the results of Sirros v.

Moore. The Court agreed that a judge, independent of status, is liable if the reprehensible act occurs whilst he is not acting qua judge. The majority view then focuses upon the subjective state of the defendant. It admits retribution only in those cases where the judge acted knowingly without jurisdiction. Conversely, the dissenting view of Buckley L.J. indicates that a superior court judge is absolutely immune. An identical result is reached where a judge of an inferior court acts within his jurisdiction. However, if the act complained of is without jurisdiction and the defendant conscientiously believes that he was acting within jurisdiction then he will be immune only if that erroneous belief was due to a justifiable ignorance of some relevant fact.

Between the date when the Court of Appeal in Sirros v. Mooren handed down its judgment and the time of writing, two relevant cases, both initiated by allegations of unjudicial conduct, have been reported. The first, a decision of the New Zealand Court of Appeal in Nakhla v. McCarthy, was pleaded in terms obviously based on Sirros. The plaintiff alleged that McCarthy, a former President of the New Zealand Court of Appeal itself, had knowingly acted without jurisdiction and failed to act bona fide in the exercise of his office. The Court relied upon the older authorities to uphold the defendant’s immunity. Despite a silent disregard of the majority in Sirros the real significance of the case lies in the Court’s clarification of the concept of jurisdiction….” (JUDICIAL AND QUASIJUDICIAL IMMUNITIES: A REMEDY DENIED BY ROBERT J. SADLER)

“The second case, Maharaj v. Attorney-General of Trinidad and Tobago (No. 2) stemmed from, and was decided upon, a due process provision in the Constitution of Trinidad and Tobago. The Privy Council cited and silently approved Sirros although Lord Hailsham, a dissentient on the substantive question, succinctly indicated that he may not hold a superior court judge liable even if that judge had subjectively adverted to his absence of jurisdiction. Reservations similar to those of Lord Hailsham’s had been expressed in Nakhla’s case. However, both Lord Hailsham, implicitly, and the New Zealand Court of Appeal, expressly, relied upon the proposition that a superior court judge cannot in practice act without jurisdiction. Since Sirros allows damages against any judge, including a superior court judge, only if he knowingly acts without jurisdiction, any doubts which may have been expressed in Nakhla and Maharaj are, for practical purposes, of little significance.” (JUDICIAL AND QUASIJUDICIAL IMMUNITIES: A REMEDY DENIED BY ROBERT J. SADLER)

Tradução:

“Nesta fase, pode ser útil resumir os resultados de Sirros v. Moore. O Tribunal concordou que um juiz, independente de seu status, é responsável se o ato repreensível ocorrer enquanto ele não estiver atuando como juiz. A visão da maioria então se concentra no estado subjetivo do réu. Admite retribuição apenas nos casos em que o juiz agiu com conhecimento de causa sem jurisdição. Por outro lado, a visão divergente de Buckley L.J. indica que um juiz de tribunal superior é absolutamente imune. Resultado idêntico é alcançado quando um juiz de um tribunal inferior atua dentro de sua jurisdição. No entanto, se o ato reclamado é sem jurisdição e o réu conscientemente acredita que ele estava agindo dentro da jurisdição, ele estará imune apenas se essa crença errônea for devido a uma ignorância justificável de algum fato relevante.

Entre a data em que o Tribunal de Recurso julgou o processo Sirros v. Mooren e o momento da redação da sentença, foram relatados dois casos relevantes, ambos iniciados por alegações de conduta não judicial. A primeira, uma decisão do Tribunal de Apelação da Nova Zelândia em Nakhla v. McCarthy, foi alegada em termos obviamente baseados em Sirros. O autor alegou que McCarthy, um ex-presidente do próprio Tribunal de Apelação da Nova Zelândia, agiu intencionalmente sem jurisdição e não agiu de boa fé no exercício de seu cargo. A Corte confiou nas autoridades mais antigas para manter a imunidade do réu. Apesar de uma desconsideração silenciosa da maioria em Sirros, o real significado do caso reside no esclarecimento do Tribunal sobre o conceito de jurisdição….”

“O segundo caso, Maharaj v. Procurador-Geral de Trinidad e Tobago (No. 2) resultou de, e foi decidido, uma cláusula de devido processo na Constituição de Trinidad e Tobago. O Conselho Privado citou e silenciosamente aprovou Sirros, embora Lord Hailsham, um dissidente na questão substantiva, tenha indicado sucintamente que ele não pode responsabilizar um juiz de tribunal superior, mesmo que esse juiz tenha subjetivamente advertido sobre sua ausência de jurisdição. Reservas semelhantes às de Lord Hailsham foram expressas no caso de Nakhla. No entanto, tanto Lord Hailsham, implicitamente, como o Tribunal de Recurso da Nova Zelândia, expressamente, confiaram na proposição de que um juiz de tribunal superior não pode, na prática, agir sem jurisdição. Visto que Sirros permite danos contra qualquer juiz, incluindo um juiz de tribunal superior, somente se ele agir conscientemente sem jurisdição, quaisquer dúvidas que possam ter sido expressas em Nakhla e Maharaj são, para fins práticos, de pouca importância.”

Não é incomum ver promotores submetidos ao mesmo rigor aplicado aos magistrados. Nos EUA e na Inglaterra eles perdem o emprego quando conspiram para prejudicar cidadãos. Isso também é inevitável no Brasil, país que regulamenta a atuação dos agentes do MPF através da LEI COMPLEMENTAR Nº 75, DE 20 DE MAIO DE 1993, diploma legal que prescreve obrigações funcionais e penas administrativas em caso de infração.

Citei o precedente inglês o os comentários sobre o mesmo referentes à atuação judicial de propósito, pois o Acórdão do STF que considerou Sérgio Moro incompetente e suspeito no caso de Lula abriu caminho para julgar a atuação dos procuradores da Lava Jato. Deltan Dellagnol e seus colegas do MPF deveriam conhecer regras de competência e, sobretudo, garantir a higidez da decisão judicial preservando a independência do juiz. Isso de fato não ocorreu. A Lava Jato virou um simulacro. Os verdadeiros processos não ocorriam em juízo e sim através das comunicações telefônicas entre os procuradores e entre estes e o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba sempre sem o conhecimento dos advogados réus. A mixórdia processual que eles fizeram em segredo e de propósito não pode ficar impune.

O que causa espanto, portanto, não é a possibilidade dos vilões lavajateiros serem punidos e sim o fato disso ter demorado para ocorrer. Durante anos eles foram tratados como se desfrutassem um poder excepcional acima da Constituição Cidadã e insuscetível de limitação pelo STF. Além de prejudicarem empresários e lideranças políticas (e causarem pelo menos um suicídio) eles destroçaram várias empresas e provocaram o colapso da economia brasileira. Não é preciso apenas punir o que os vilões fizeram, mas criar um precedente para impedir que isso volte a ocorrer.

A situação dos procuradores lavajateiros nesse momento extremamente irônica. Quando perseguiam empresários e líderes políticos usando a legislação estrangeira eles desdenhavam dos limites impostos à atuação dele pela legislação brasileira. Agora os heróis da telenovela jornalística global não querem ser responsabilizados na forma da LEI COMPLEMENTAR Nº 75, DE 20 DE MAIO DE 1993.Todavia,eles não podem dizer que ficariam impunes se a Common Law fosse aplicada ao caso deles.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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