
Fogo amigo ou preocupação com o amigo?, por Fernando Castilho
A presidente do PT, Gleisi Hoffman, criticou a grande mídia no último domingo pela pressão exercida sobre o governo: “querem o sacrifício de trabalhadores e aposentados”, afirmou. A deputada só se equivoca no termo “sacrifício”, pois o sacrifício já existe. Afinal, sobreviver com um salário mínimo seria o quê? O que a mídia pretende, na verdade, é impossibilitar a sobrevivência dos trabalhadores e aposentados.
Lula tem pela frente uma das decisões mais importantes de sua vida: cortar gastos atingindo somente os mais pobres, contrariando compromissos de campanha, ou incluir também os ricos e privilegiados, desagradando a Faria Lima e a grande mídia. Ou ambos.
Quem já vislumbrou um futuro com uma massa de 35 milhões de aposentados que podem não mais ter seus benefícios acompanhando os reajustes do salário mínimo, além dos 4,6 milhões que podem ter seu BPC reduzido, sabe que, além da injustiça e da insensibilidade, isso pesará enormemente sobre a campanha presidencial de 2026. E são justamente os que vislumbraram esse futuro que estão sendo acusados por parte da esquerda de praticar fogo amigo contra um governo que venceu a extrema direita em 2022 e que vem acumulando expressivas vitórias no campo da economia e que, merece, portanto, somente os louros.
É inegável que devemos comemorar o crescimento do PIB, mas como disse a sempre lembrada economista Maria da Conceição Tavares, o povo não come PIB. A inflação dos alimentos que corrói o poder do salário está aí para comprovar. A queda expressiva do desemprego é outra façanha do governo, mas (sempre esse “mas”) quando o desempregado enfim consegue sua carteira assinada, será que ele sabe que isso aconteceu graças à política econômica de um governo que não tem como programas somente Deus, Pátria e Família? Por acaso, esse governo se preocupou em mostrar a esse novo empregado que foi ele o responsável por essa carteira assinada?
Neste momento, é para se indagar se a decisão que Lula deverá tomar durante a semana não ficaria mais fácil se ele tivesse, de maneira franca, comunicado ao povo a sinuca de bico em que está. Com o povo do lado do governo, as coisas não ficariam menos difíceis? Não há cadeia nacional de televisão para isso?
Se a equipe econômica tivesse trabalhado junto à opinião pública para conseguir adesão, o projeto que cria a taxação sobre grandes fortunas poderia ter sido aprovado, o que demonstra que falta comunicação com o povo. A chave para o sucesso de um governo popular é justamente a comunicação com a população.
O mercado e a mídia têm pressa no corte de gastos e fazem pressão para que atinja somente os mais vulneráveis. Afinal, se o governo ceder, ficará muito mais fácil encontrar um nome que se contraponha a Lula em 2026 com o discurso de que ele traiu o pobre que prometeu incluir no orçamento. Essa é a armadilha que está sendo preparada. Felizmente, Lula não é neófito na política e certamente já sabe disso.
A maior crítica que se faz agora é sobre o porquê de a equipe econômica não mexer um centavo nos privilégios dos mais ricos.
Lula tem história e uma biografia de lutas na defesa dos mais vulneráveis, porém, é salutar que busquemos mostrar, através da criação de uma massa crítica, que cobramos e incentivamos que essa luta não cesse por causa de pressões de quem nunca lutou.
Trata-se, portanto, de preocupação com o amigo.
Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.
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Governabilidade, para Lula, é não incomodar a elite. Desobedecer a ordem (desculpem, não há outra forma de expressar a situação) de cortar gastos (leia-se, desvincular aposentadorias do salário mínimo, cortar BPC, etc.) significa entrar naquela espiral, já nossa conhecida, de massacre midiático, lawfare, pautas-bomba, e todas as demais armas da extrema-direita que compõe o que se poderia chamar de nosso ‘estado profundo’ – com o perdão pela comparação de mau gosto. Lula não está em uma sinuca de bico. Qualquer governo que não reze pela cartilha do mercado financeiro, do binômio bancos/Corporações, e seus moleques de recado (congresso, FFAA, bancada BBB) é uma sinuca de bico. E vive pela bola sete. E, nesse caso, encaçapá-la é mais fácil que roubar pirulito de criança. Ou os mirrados caraminguás do pobre.
Ótimo comentário.
Caro Senhor Fernando.
Lula deve ser dividido em duas etapas.
Sim, houve um tempo em que, mesmo limitado aos seus desejos fordistas (não dá para fugir muito da origem) e dos eu sindicalismo de resultados (ele se orgulhava de não ser de esquerda ou marxista, vejam só!), Lula teve uma fase da vida em que acreditava na defesa dos mais pobres e vulneráveis.
Este Lula faleceu em 2002, e sua certidão de óbito é a Carta Aos Brasileiros.
Sim, Conceição estava certa, o povo não come PIB, e ela também estava certa ao desmascarar esses pequenos intervalos de expansão como voos de galinha, haja vista a impossibilidade de crescimento periférico do capitalismo sem que houvesse rupturas significativas.
Ela falava, creio eu, de desigualdade.
Você também menciona isso, de forma indireta, porque tributo regressivo é a causa principal, ou melhor, uma das causas principais da desigualdade, a outra é o próprio modo de produção capitalista (daí a necessidade de tributos e de Estado).
Vamos a Lula e suas preocupações com os mais vulneráveis.
Nunca houve, de fato.
A mera inclusão pelo consumo é tão superficial e passageira que bastaram alguns anos de Temer e de Bolsonaro para a reversão dos ganhos, jogando de novo 40 milhões na linha da pobreza e extrema pobreza.
Eis os dados do ipeadata.gov.br
Índice Gini em 2003 0.583 e em 2023 0.496, uma variação de 0.087, caro amigo.
Agora o pior dos números, foi entre 2019 e 2020 teve uma variação mais significativa, ou seja, de 0.526 para 0.498, tomando-se como referência o período (01 ano), e macacos me mordam, isso se deu na presidência da extrema direita!!!!!!!
Tem alguma coisa errada com Lula, desde 2003, e sabemos o que é:
Vaidade, vaidade, vaidade, vaidade.
Passou a ser mais importante permanecer no poder, do que o poder de mudar as coisas.
A meu ver, que Lula vá o quanto antes…Brizola tinha razão, e sim, Golbery foi um gênio quando pariu o PT e Lula.
Excelente comentário.
As medidas em avaliação não visam corte de gastos, mas apenas crescimento compatível com a receita. A esquerda precisa parar de jogar cascas de banana no caminho do governo e ajudar mais. O mercado quer corte, mas o governo vai entregar crescimento adequado dos gastos e o mercado vai aceitar. Com nova diretoria do BC, o governo vai poder dizer que acabaram as incerteza fiscais e não existirá mais razão para Selic absurda. Com o crescimento do PIB as projeções vão mostrar queda do endividamento. Então será possível lançar programas ambiciosos como emissão de dívida nova pagável com os retornos futuros.
Antes disso é preciso confiar no governo e parar de achar pelo em ovo.
Obrigado pelo comentário.
É, e o próximo golpe depois da queda dos juros vem no trenó de Papai Noel…
Como Noel não existe, virá do congresso mesmo.
A última vez que o juro real chegou a 2%, com Dilma, foi aquilo né?
Engraçado, eu perguntei a dona história onde é que esse conto de fadas aí aconteceu, e quando…
Ela não me respondeu…