Foi um descuido…, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Foi um descuido doutor, disse o réu ao mencionar o fato de ter pressionado suavemente o gatilho da pistola. Eu disparei aquele tiro mortal sem querer. A culpa foi da vítima, que inadvertidamente ficou na trajetória do projétil.

Foi um descuido…, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Pressionado porque a Rede Globo perdeu o controle de sua imagem pública em razão das reportagens do The Intercept, Sérgio Moro disse que as maquinações, articulações, acordos e sugestões extra-processuais entre ele e Deltan Dellagnol foram um descuido.

Foi um descuido doutor, disse o réu ao mencionar o fato de ter pressionado suavemente o gatilho da pistola. Eu disparei aquele tiro mortal sem querer. A culpa foi da vítima, que inadvertidamente ficou na trajetória do projétil.

A justificativa dada por Sérgio Moro para a ilegalidade evidente e comprovada que ele praticou é indigna de alguém que foi membro do Judiciário. No máximo ela só é digna de um conto fantástico. Jorge Luis Borges e Jorge Miguel Marinho poderiam escrever contos e/ou ensaios sobre o maravilhoso Direito Penal brasileiro em que o réu não tem direito algum.

O juiz combina o resultado do processo com o promotor e ambos mandam grampear o advogado para que o réu não tenha qualquer chance de absolvição. Não foi apenas um descuido. Foi excesso de zelo criminoso.

Sérgio Moro tinha vontade de condenar e encarcerar Lula. Não só isso. Ele tencionava tirar proveito político das ilegalidades processuais que cometeu para alcançar o fim desejado. Afinal, ele não passou num concurso do Judiciário porque ignorava conceitos básicos de processo penal: como o dever do juiz de se manter equidistante das partes e o direito do réu a um julgamento justo proferido por alguém imparcial.

Foi um descuido do projétil, excelência. Ele não tinha a intenção de matar a vítima. O fato é que ele somente perfurou o coração dela porque ela não estava usando um colete à prova de balas. O descuido não foi meu, entende?

Lula é culpado por ter se transformado em vítima da conspiração que o tirou da eleição e o levou para a prisão. O descuido que causou o sofrimento do réu e garantiu um Ministério para Sérgio Moro não é juridicamente irrelevante.

Nenhuma Lei processual ou princípio constitucional garante ao juiz o direito de se descuidar no cumprimento de sua obrigação funcional de fazer cumprir a legislação. Os direitos de Lula – e de qualquer outro réu – não podem ser violados por descuido ou intencionalmente (como parece ser o caso).

À luz do Código de Processo Penal e da CF/88 a culpa de Sérgio Moro está comprovada. A nulidade que foi praticada é insanável. Ela não pode ser convalidada por uma desculpa esfarrapada, inventada apenas e tão somente para ser reforçada por uma imprensa asquerosa que comemorou a condenação e a prisão injusta do ex-presidente petista.

O descuido foi do Criador, excelência. Se ele tivesse feito a pele da vítima mais resistente, se não tivesse dado a ela um corpo tão frágil que demora muito para se recuperar, o tiro não teria sido fatal. O criador do Wolverine não foi descuidado não. Aquele cabra não morre nem quando leva dezenas de tiros. O senhor me entende, não é senhor juiz?

O processo é o único escudo que o cidadão pode usar quando fica à mercê de das poderosas e opressivas máquinas burocráticas do Sistema de Justiça. O poder político, simbólico, econômico e institucional do MPF é muito maior do que o da OAB. Além disso, um procurador pode usar os recursos financeiros da sua corporação e todos os especialistas da Policia Federal para obter o resultado que pretende no processo. Mas o advogado do réu não deve usar seus proprios recursos escassos para custear a defesa do cliente. E a OAB só pode colocar à disposição dos advogados as salas com computadores nos Fóruns.

Se além de combater o MPF o advogado tiver que enfrentar um juiz que combina em segredo atos processuais com o procurador, o processo jamais irá cumprir sua função. Ele deixará de ser o escudo do réu e se transformará numa espada de dois gumes nas mãos do juiz que mais parece um degolador.

Foi descuido senhor juiz. Eu fui geneticamente progrado para ser um carrasco, mas nasci na época errada. A culpa do homicídio foi da cegonha. Aquela desgraçada deveria ter me levado para a Idade Média, mas ela resolveu me deixar desempregado no final do século XX.

Após Sérgio Moro afirmar que a conversa entre ele e Deltan Dellagnol “foi um descuido”, o The Intercept revelou chats ainda mais comprometedores. O juiz da Lava Jato ofendeu os defensores de Lula e sugeriu ao procurador encarregado do caso do Triplex que usasse a imprensa para desacreditar a defesa.

O The Intercept confirmou o que eu vinha dizendo no aqui mesmo no Jornal GGN.
https://jornalggn.com.br/midia/o-indefensavel/

“Além de juiz, Sérgio Moro se transformou numa espécie de ‘editor jornalístico privilegiado”’da operação que comanda. Há três anos ele dedica muito tempo e considerável esforça à construção da própria imagem e à definição da imagem que a imprensa construiu dos processos que ele foi encarregado do julgar.”

Entretanto, a confusão jurídico-jornalística intencionalmente criada por Sérgio Moro é muito mais grave do que eu pensei, pois ele também pautou o MPF dentro e fora do processo. Nem mesmo desconfiando profundamente da conduta daquele juiz fui capaz de imaginar que isso fosse possível.

Não senhor réu, a conduta imputada a você pela acusação não foi fruto de um descuido seu, da vítima ou do Criador. O senhor queria matar e matou alguém e isso é crime de acordo com o Código Penal.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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