Jair Arantes do Nascimento, por Gustavo Conde

Colocar Pelé no seu lugar de direito (um grande jogador manipulado por governos autoritários) é um dos passos mais importantes para que o Brasil supere sua burrice atávica de lustrar ídolos de barro.

Jair Arantes do Nascimento, por Gustavo Conde

Pode ser apenas coincidência. Talvez, um recado histórico. Não é difícil, no entanto, que seja apenas a minha imaginação – ou, ainda, a nossa condição humana de tentar significar tudo o que aparece pela frente.

Mas o cuidado com que as editorias dos grandes jornais têm em preservar a memória de Pelé impressiona. Neste momento fatídico dos 80 anos do “rei”, quis o destino que eventos ligados ao caráter de alguns jogadores de futebol servissem de anteparo para a celebração do suposto maior de todos.

O caso Robinho disparou uma libertação narrativa sem precedentes das redes sociais com relação à famigerada vocação do brasileiro em criar mitos. Tomou de arrasto a “lenda” do “atleta do século” e foi pedagógico. Novas gerações começaram a perceber que se Pelé foi um grande jogador, sua conduta como cidadão foi, em grande medida, problemática. Isso fez com que ele começasse a ser “cancelado” nas redes, com muita irreverência – o que também representa nossa vocação iconoclasta, vacina para idolatrias.

Trata-se de uma excelente notícia.

Para ser direto e dizer o óbvio: o mito de Pelé está ligado demais à ditadura militar e à Rede Globo. Gostar de Pelé, elogiar Pelé – inclusive em setores progressistas – é se orgulhar da nossa eterna viralatice associada a nossa avacalhada Síndrome de Estocolmo.

Colocar Pelé no seu lugar de direito (um grande jogador manipulado por governos autoritários) é um dos passos mais importantes para que o Brasil supere sua burrice atávica de lustrar ídolos de barro.

Cronistas esportivos brasileiros irão protestar. Eles vivem do mito de Pelé, que é o grau zero de suas crônicas emboloradas e ufanistas.

Mas eu celebro essa libertação. Celebro o desespero das editorias dos grandes jornais em produzir matérias elogiando e resgatando o mito de Pelé como quem aceita um pacote robusto de propaganda paga.

Esquecer Pelé? Jamais! Mas esquecer Tom Jobim, Rubem Fonseca, Aldir Blanc, Moraes Moreira, Villa-Lobos, pode.

Esse câncer subpatriótico que é colocar Pelé no centro de todas as metáforas edificantes no Brasil – políticos de esquerda chegam a se indagar estupidamente: “como deixar um Pelé no banco? – é a expressão máxima da nossa indigência moral, de nossa escravização às narrativas impostas de cima para baixo, de nossa vocação ao sofrimento e à idolatria.

Toda vez que se compara Lula a Pelé, eu tenho calafrios. Que desrespeito a Lula! Não bastasse ser perseguido por Rede Globo e Lava Jato, ainda tem que sofrer a humilhação de ser comparado a Pelé?

É por essas e outras que temos em Bolsonaro a nossa realidade de turno. Semioticamente, Pelé é pai de Bolsonaro, porque Bolsonaro bate um bolão driblando o nosso jornalismo e a nossa opinião pública com suas arrancadas autoritárias. Ele ganha o juiz no grito, simula faltas que não existem, tem o apoio de generais e encanta a plateia com sua alegria em humilhar o adversário.

O brasileiro médio, branco e macho que cresceu lendo as crônicas ufanistas do nosso jornalismo esportivo profissional (sic), foi levado a acreditar que a Copa do Mundo era o elixir da verdade, o Olimpo dos desafios, o grande palco da humanidade.

É só um evento esportivo, cara pálida, infestado de corrupção e favores transversos.

É com base nesse pressuposto indigente – de que a Copa do Mundo é o grande momento da espécie humana – que muito cronista coloca Pelé no panteão dos grandes brasileiros. Dizem: “ele ganhou três copas”, como se futebol fosse um esporte individual e como se ganhar três copas significasse salvo-conduto de caráter.

A insistência do nosso imaginário em fazer descer goela abaixo a ideia de que Pelé é quase um deus significa a expressão de nossos pendores autoritários – e suicidas. Goste de Pelé ou morra! Pelé: ame-o ou deixe-o.

Alvíssaras, portanto! Se as novas gerações ignoram Tom Jobim e Villa-Lobos, elas também desconhecem Pelé e Globo. Esses dois entes siameses são, agora, dois imensos elefantes brancos cuja herança pesada, cúmplice e torturante tomam a fila para o cancelamento histórico, decorrente do mero transcorrer geracional.

Eles representam a degradação da nossa cartolagem, a corrupção do nosso futebol, o sequestro de nossos sonhos, o machismo boleiro, o vazio estereotipado que habita a cabeça de jogadores pobres que ficam ricos, a miséria de um Neymar, de um Robinho que, não raro, desembocam na morbidez grotesca de um goleiro Bruno e todos os seus desdobramentos macabros.

Pelé merece celebração. Mas toda celebração merece o benefício da crítica. E como diria Nelson Rodrigues, toda a unanimidade é burra.

Que a controvérsia nos una – mas não muito.

Redação

6 Comentários

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  1. Pelé foi um extra-classe, em determinada época a pessoa mais conhecida no planeta, um jogador de futebol exemplar, quase mágico, uma unanimidade mundial a menos do brasilsil e da argentina de maradona.
    Quanto àquela pessoa que faz, ou fala ou falou fora das quatro linhas, trata-se de Edson Arantes do Nascimento, um cidadão que ninguém saberia quem é, não fosse ele o fenômeno com a bola nos pés e também nas mãos, pois quando preciso foi goleiro e fechou o gol.
    Quanto à comparação entre Lula e Pelé, como isto é possível? Um foi jogador de futebol único e o outro foi um presidente também único, só se formos comparar único com único.
    Quanto à ligação de Pelé com a ditadura militar, a observação encaixa-se como uma luva em Zagalo e Dadá Maravilha. Não ocorreu nada de mais na Copa de 66, na de 70 ele foi o técnico de fato do time e logo depois foi para o Cosmos ganhar a $$$ dele. Não sei onde a milicada se encaixa neste roteiro.
    No patropi que não preza ninguém, que não tem o hábito de cultuar seus “grandes”, muitos jovens não sabem quem são Pelé, Garrincha, Nelson Piquet, Ayrton Senna, Tom Jobim, Villa Lobos, e quem não conhece a história, já estamos vendo que pode até mesmo vir a ser presidente.
    Deixei Getúlio Vargas e lulalá de fora, pois preferi me restringir a outros ambientes mais populares, mas os dois gigantes sempre estarão em qualquer lista de grandes brasileiros.

    1. Mediocridade Esquerdopata levada ao extremo. Fica difícil para a doutrinação da Indústria do Fatalismo, da Vitimização, do Racismo confrontar um Brasileiro que venceu por seus Méritos e nunca se escondeu atrás da covardia e do choramingo de condenar a sua origem e cor. Respeitado pelo Mundo. De presidentes a Reis. O Brasil Vencedor. O Brasil que vence por seu Trabalho e Competência. Não à toa nunca foi aceita pela Elite destes 90 anos de Estado Ditatorial caudilhista Absolutista Assassino Esquerdopata Fascista. Quem é Rei jamais perde a Majestade !!!! VIDA LONGA AO REI !!!!!

  2. O mito Pelé pode ter sido reforçado pela ditadura e pela rede Globo, mas surgiu, com força, muito antes disso, na Copa de 58, em pleno governo JK e contemporâneo do sucesso da Bossa Nova e do Cinema Novo, de Tom Jobim e também de Glauber Rocha.
    Em seu início, Pelé representou o sucesso de um jovem pais da América do Sul. Um jovem negro da periferia desse país.

  3. Quem é ligado a ditadura é a mídia que cresceu com suas bençãoo, ou ganhou emissoras para repercutir mentiras revestidas de verdade…..ou empresários larápios, como hoje, que financiaram um regime sangrento…..ou congressistas vendidos ou covardes, e instituições que se calaram, e calam, sobre os descalabros e abusos sofridos pelo povo, quando não, todos cúmplices das patifarias em troca de favores e dinheiro…

    E hoje é sexta feira, dia da escumalha louvar o cramunhão, o rabudo, o dito-cujo, o coisa-ruim, rodopiando mais que pião noite adentro, bebendo o sofrimento do povo brasileiro….ao raiar do dia, serão “homens de bem”….

  4. A única coisa certa dessa bobajada toda é que não se pode comparar Pelé a Lula. Tratado quase como sinônimo de um Brasil simpático, honesto e vencedor, o Rei nunca se escondeu da polícia em sindicato nem teve ninguém lhe dando bom-dia em porta de cadeia. E só não anda livremente pelas ruas de nossas cidades porque seria cercado pelo amor do povo, não porque morre de medo de sua reação.

  5. O mais encantador no mito pelé, sem dúvida alguma é o quão magnânimo ele foi enquanto pai para os seus amados filhos (que não deram certo) e para os filhos que o amaram (a quem ignorou solenemente e com indiscreta crueldade) não necessariamente nessa ordem.
    Seria desesperador se o pelé representasse o homem brasileiro.

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