O bolsonarismo não morreu, ele virou um zumbi, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Ao conseguir levar a disputa para o 2o. turno Bolsonaro reanima a sanha golpista dos generais, coronéis, almirantes, brigadeiros

O bolsonarismo não morreu, ele virou um zumbi

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há alguns dias publiquei no GGN um texto dizendo que Bolsonaro era um cadáver eleitoral  https://jornalggn.com.br/opiniao/o-complexo-de-lazaro/.

O resultado do primeiro turno provou que eu estava enganado, pois ele recebeu 51 milhões de votos. O sucesso de Lula no 1o. turno tem um gosto amargo, pois a partida ainda não está ganha. Na verdade, ela já foi parcialmente perdida.

Não é possível explicar a sobrevida eleitoral de Bolsonaro pelas realizações dele. A economia não cresceu quase nada. A taxa de desemprego segue elevada. Uma parcela significativa da população brasileira voltou a ser miserável e não pode esperar quase nada do neoliberalismo autoritário. A fome voltou a ser uma realidade e a pandemia foi transformada por Bolsonaro numa arma de destruição em massa para desonerar o orçamento.

Ao que parece a onda vermelha arrebentou contra uma muralha de antipetismo. O ódio está conseguindo vencer a esperança, pois ele é regurgitado diariamente por dezenas de milhares de pastores em milhares de igrejas evangélicas. A politização da religião foi um fenômeno importante nessa eleição. Prova disso foi a eleição de Damares Alves no Distrito Federal. 

A vitória do general Hamilton Mourão simboliza a restauração parcial da credibilidade política dos militares. Muitos outros disputaram cargos eletivos e alguns foram eleitos. O estrago que eles causarão à democracia será maior do que aquele que qualquer presidente civil conseguiu causar às Forças Armadas durante a vigência das Constituição de 1988.  

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O sistema constitucional erigido ao fim da Ditadura Militar foi mortalmente ferido em 2016. Em virtude do resultado da eleição de 2022 podemos dizer que ele está agonizando. 

Alguns analistas avaliam que, tendo chegado ao teto do seu desempenho, Bolsonaro não tem espaço para crescer e perderá a disputa presidencial no 2o. turno. Todavia, mesmo que ganhe a eleição Lula não conseguirá governar com a mesma folga que teve a partir de 2002. Os inimigos dele no Congresso Nacional serão muitos e alguns deles não podem ser apaziguados com concessões. Digo isso pensando especificamente em Sérgio Moro e Deltan Dellagnol. 

Ao conseguir levar a disputa para o 2o. turno Bolsonaro reanima a sanha golpista dos generais, coronéis, almirantes, brigadeiros etc que se aninharam nos ministérios civis e enriquecem enquanto o povo brasileiro empobrece. Eles obviamente querem continuar no poder e ficarão mais e mais tentados a dar uma rasteira no adversário e/ou na própria Justiça Eleitoral.

Numa democracia, as tensões políticas deveriam ser dissolvidas através das eleições. Me parece evidente que o resultado do 2o. turno não fará isso. Se for eleito Bolsonaro não poderá ser controlado por nada nem por ninguém. Se for derrotado o sistema de poder que ele ajudou a construir continuará assombrando o Brasil liderado pelo capitão zumbi.   

As escolhas feitas pelo Sistema de Justiça no passado impediram a democracia de enterrar os restos nauseabundos da Ditadura Militar. O que resta de democracia conseguirá sobreviver por muito tempo sob a pressão de um câncer que cresce dentro do Estado com ajuda incansável dos pastores evangélicos? 

O ódio ao PT pode definir não apenas essa eleição. Ele pode definir até mesmo o destino daqueles que se recusaram a odiar Bolsonaro e que serão inevitavelmente silenciados por uma nova ditadura se o nascimento dela não for abortado. Esse aborto, porém, será difícil e doloroso. O zumbi do fascismo não será morto se não for decapitado. O problema é que agora ele tem diversas cabeças e algumas delas são muito mais ardilosas e sofisticadas que a do capitão genocida.

Qualquer que seja o resultado do 2o. turno o retrocesso é evidente. O túnel escuro e ameaçador em que o Brasil entrou em 2016 ainda não chegou ao fim e tudo indica que ele será muito comprido. 

As vitórias eleitorais de Sérgio Moro e Deltan Dellagnol também tem um sabor amargo. Elas confirmaram que os heróis-vilões lavajateiros nunca agiram como agentes do Sistema de Justiça dentro dos limites da legislação. Ambos eram apenas inimigos políticos do PT e de Lula e foi assim que eles se apresentaram à população para conquistar um lugar ao sol no Congresso Nacional. No parlamento eles não poderão mais usar máscaras, nem tampouco conseguirão enganar quem quer que seja dizendo que perseguem apenas Justiça. 

Sérgio Moro e Deltan Dellagnol sempre tiveram ambições pessoais e partidárias. Agora eles estão no lugar certo. Quando atuavam na Justiça Federal e no MPF eles estavam em condições de se proteger sob o manto de uma imparcialidade presumida que ambos cotidianamente violavam. O mal que eles fizeram ao Sistema de Justiça foi imenso. Mas no Congresso eles serão peixinhos nadando entre os verdadeiros tubarões da política. Se não tomarem cuidado ambos serão isolados, neutralizados e defenestrados por inimigos tão ou mais poderosos do que eles.

O desgosto de ver Lula superar Bolsonaro no primeiro turno deve ter azedado a vitória de ambos. Se for eleito, Lula poderá fazer acordos para empurrar Sérgio Moro e Deltan Dellagnol para o baixo clero onde os egos feridos deles não encontraram qualquer possibilidade de cura. Na política, os heróis-lavajateiros correm o risco de ser transformados em zumbis. 

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Fábio de Oliveira Ribeiro

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