O complexo de Lázaro, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Jair Bolsonaro está eleitoralmente morto. Nesse momento nada mais pode realmente ser feito para levantá-lo.

O complexo de Lázaro

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Personagem bíblico que possibilita a identificação de Jesus com as divindades do mundo antigo encarregadas de curar (Esculápio, entre os gregos; Tot, entre os egípcios; Abraca ou Abracax, entre os persas; Darrhon, entre os macedônios, etc…), Lázaro adoeceu, morreu e foi ressuscitado. O conteúdo da parábola é sintetizado pelo próprio nome do morto. Lázaro significa “aquele a quem deus ajudou”.

As eleições brasileiras estão decididas. Se existe, deus não ajudou e não ajudará Bolsonaro. Lula provavelmente será eleito no primeiro turno. Isso está causando um verdadeiro frenesi entre os inimigos do PT. Alguns deles estão dispostos a tentar ressuscitar a candidatura de Bolsonaro à poucos dias da derrota.

Muito embora a Rede Globo siga batendo em Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e Merval Pereira parecem estar vocalizando os interesses obscuros do clã Marinho de impedir a vitória de Lula no primeiro turno. Portanto, podemos dizer que uma outra eleição está em curso. Ciro Gomes e Merval Pereira disputam o cargo de Jesus eleitoral. 

Ambos se esforçam para levar a eleição ao segundo turno. Mas apenas Merva Pereita diz “levanta-te e anda” ao referir-se publicamente à candidatura Bolsonaro. Ciro Gomes não pode dizer abertamente que apoia o capitão genocida, então ele prefere se recusar a apoiar Lula atuando como uma espécie de quinta-coluna do bolsonarismo envergonhado do clã Marinho.

Há evidentemente uma heresia nessa identificação mística, retórica, simbólica e eleitoral entre o principal herói bíblico de um lado e Ciro Gomes e Merval Pereira de outro. Todavia, esse fenômeno curioso parece não incomodar os evangélicos ligados à Bolsonaro. Isso trata-se de uma anomalia teológica dentro de outra anomalia religiosa. 

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A racionalidade dos pastores bolsonaristas é singela: nesse momento vale tudo para manter na presidência o encantador de assassinos. Se o verdadeiro Jesus se apresentasse na igreja do Malafaia desautorizando o uso indevido de seu nome ele provavelmente seria tratado como se fosse uma entidade diabólica. 

E isso nos leva à uma nova questão. A politização da religião não apenas despolitiza a política e a disputa eleitoral. Ela dessacraliza o discurso religioso. Mas é evidente que a derrota de Bolsonaro não cobrirá de vergonha os pastores que o apoiam. Alguns deles são suficientemente ardilosos para mudar de lado a fim de garantir algum tipo de acesso ao Orçamento da União. 

Bolsonaro cometeu o erro de se apoiar demais na teologia da prosperidade. Ele esqueceu que aquele que perde a chave do cofre da União não pode ser considerado próspero pelos evangélicos. A famiglia Bolsonaro poderia distribuir uma parte de seu patrimônio para conservar o apoio dos pastores que se bandearão para o lado de Lula. Mas suponho que isso é muito improvável. Bolsonaro entrou na política para enriquecer e não para empobrecer. 

A Rede Globo também não fará nada para manter viva a chama evangélica do bolsonarismo. O instinto de sobrevivência financeira do clã Marinho não inclui a distribuição de dinheiro àqueles que se declaram inimigos da ideologia de gênero protagonizada pela fábrica de ilusões global. Além disso, será necessário conviver com o novo dono da chave do cofre e a Rede Globo precisa garantir uma fatia das verbas de publicidade da União e das empresas estatais.

Há uma semelhante exotérica entre o clã Marinho e o clã dos pastores evangélicos. Os dois grupos colocam a prosperidade acima de tudo e depositam todas suas esperanças num acesso privilegiado aos cofres da União. O que os desune não é a ideologia ou a teologia e sim uma competição econômica rasteira. O clã Marinho e o pastor Malafaia são as duas faces podres da mesma moeda enferrujada. Eles são os frutos do capitalismo tupiniquim totalmente dependente de verbas públicas. O que eles chamam de liberdade de imprensa e de liberdade religiosa é apenas o privilégio de pilhar o Orçamento da União. 

Se for eleito no primeiro turno Lula não poderá ser controlado por nenhum dos dois. Daí o perigo. Não para o Brasil (pois nosso país estará em boas mãos) e sim para a perpetuação dos interesses mesquinhos e rasteiros dos quais o clã Marinho e o pastor Malafaia são os principais avatares. Perto de ambos, o véio da Havan é apenas um aprendiz de feiticeiro desastrado. Um bufão fadado a perder espaço e importância nessa reta final.

Jair Bolsonaro está eleitoralmente morto. Nesse momento nada mais pode realmente ser feito para levantá-lo. Merval Pereira e Ciro Gomes não conseguirão ressuscitá-lo. Suponho que ambos continuarão tentando fazer isso apenas para demonstrar sua fidelidade canina ao poder político da Rede Globo.

Intuindo o pior, o encantador de assassinos que armou a população, provocou o genocídio pandêmico e instigou homicídios políticos continua vomitando ódio e fazendo ameaças. Bolsonaro diz que não será preso. Como a deusa vitória já fez a sua escolha, só resta ao capitão derrotado uma saída: a morte. Ele mesmo disse que prefere morrer a ser preso. 

Os inimigos da ditadura e os eleitores de Lula podem perfeitamente conviver com a morte de Jair Bolsonaro. Todavia, será muito melhor para o Brasil se ele for processado, julgado, condenado e enjaulado pelos crimes que cometeu. No caso dele a morte não deve acarretar o fim da imputabilidade penal. Aplica-se ao caso de Bolsonaro o precedente de Inês de Castro, amante de D. Pedro I (não aquele que governou o Brasil) que foi desenterrada para ser rainha de Portugal.  Caso o capitão genocida escolha sair da vida para escapar da prisão, o cadáver dele deverá ser embalsamado e colocado diante do Tribunal encarregado de julga-lo. 

A espetacularização da justiça precisa continuar. Portanto, o julgamento póstumo de Bolsonaro poderá ser televisado. Mas o clã Marinho terá que pagar uma fortuna pelos direitos de retransmissão. Formado em Direito, Ciro Gomes será convocado para defender o morto. E Merval Pereira poderá criticar o resultado do julgamento em sua coluna no jornal O Globo. 

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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