Protestos: da origem democrática à tragédia e à barbárie, por Sergio Medeiros

Aqueles chavões genéricos eram amplos demais e, ao mesmo tempo que diziam, não se referiam a nada, eram pura manipulação

Agência Brasil

Protestos: da origem democrática à tragédia e à barbárie II

por Sergio Medeiros

A transformação e evolução trágica dos protestos, que tinham em sua gênese, cunho de manifestação democrática, e eram contra o império do poder econômico e político, o qual, mantém até hoje suas  estruturas oligárquicas e exploradoras do povo brasileiro.

No caso,  o protesto do movimento passe livre contra as condições do transporte coletivo em São Paulo – por ocasião do aumento da passagem dos ônibus.

Como é que, no desenrolar destes movimentos, a mídia subverteu tais manifestações e as transformou em um instrumento destinado a atacar o governo federal, o PT de Dilma Rousseff -, culminando como um instrumento indutor da barbárie e da violência.

O porque de uma parte da esquerda, neófita em guerras hibridas, ter se lançado açodadamente neste movimento, acerca do qual, muitos, ainda hoje, não tiveram  a necessária compreensão para perceberem como foram  efetivamente  usados para destruir a democracia, quando acreditavam estar ajudando a construí-la.

Uma breve remissão histórica.

No combate ao regime militar, o protesto, sem sombra de dúvida, ainda que violento e ainda que destrutivo, dirigia-se contra o aparelho de Estado, tinha sua razão de ser, destinava-se a dar visibilidade a uma forma de pensar que levaria a democracia e a liberdade de expressão.

Em síntese, os que participavam dos protestos durante o período da ditadura militar, queriam a volta da democracia e da livre expressão e pelo término da repressão policial.

Todos que participavam tinham plena consciência do que significava a manutenção da ditadura em detrimento da população em geral.

Neste ponto, faço uma breve remissão, ao movimento que foi um dos maiores protestos,  o das DIRETAS JÁ.

NO caso, todos que lá estavam (no movimento das diretas) sabiam aonde estavam, com quem estavam, contra o quê e contra quem estavam lutando… e, fundamentalmente, porque estavam ali.

Quem promovia o vandalismo era a polícia que atacava todos os movimentos, ainda que pacíficos. Era a repressão pura, oriunda da forma de pensar dos governantes de então.

Mas, eis aí a grande diferença, neste período tais atos geravam politização, cidadania, liberdade.

….

Em contrapartida, os protestos de junho de 2013, que começaram com a mesma motivação, ou seja, contra a truculência da polícia do governo do Estado de São Paulo, ou seja, contra a repressão policial… em razão do oportunismo midiático, em pouco tempo se transformaram em uma manifestação que não tinha mais norte. Passou a ser contra tudo que esta aí.

E neste tudo que está aí  estavam  no movimento,  desde skinheads, fascistas, minorias lgbtqia+(contra o Feliciano), movimento passe livre, sem teto, grupos de esquerda (psol e pstu), justiceiros, grupos contra a corrupção, black blocs…

Exatamente pela diversidade, não se sabia a favor do que ou contra o que estavam se manifestando/apoiando. Daí surgiu o mote: estamos protestando contra tudo isso que está aí…

E vieram cenas lamentáveis. o Congresso foi atacado, pequenos comerciantes tiveram suas bancas incendiadas, cidadãos comuns tiveram seus carros incendiados e  pequenos lojistas viram suas lojas serem saqueadas.

E aí, em todo este desenrolar, a grande mídia, que sempre condenou tais vandalismos e censurava toda e qualquer  manifestação.  de uma hora para outra passou a cobrir de forma incessante as manifestações, ainda que violentas, quase que transformando-as em manifestações cívicas, tudo com o propósito de imputar responsabilidades e acusar o governo, um governo de centro mas com ênfase nos direitos sociais.

Em termos claros: mostrar e insuflar , pontualmente, a insatisfação do povo brasileiro, para depois editar os motivos da insatisfação.

E muitos foram iludidos e defenderam a manifestação popular, direito fundamental da democracia.

Esqueceram que esta somente é fundamental quando é livre, e estas manifestações, a partir do momento que foram aparelhadas pela mídia perderam sua essência, viraram joguete nas mãos de seus piores inimigos. Viraram instrumento da Globo, da Folha de São Paulo, do Estadão, da Veja, de todo este grupo conservador  e antipopular.

Passou-se a defender a violência e a depredação feita pelos black blocs como fenômeno democrático.

A polícia e o patrimônio público passaram a ser atacados.

Esqueceu-se que, num regime democrático, a polícia tem a função de defender a liberdade, ao contrário do regime militar. São servidores públicos iguais a tantos outros.

Ressalvo que, como todo aparato militar de segurança, pode ter sua atuação desvirtuada pelo governante de ocasião (exatamente o que aconteceu). Quando Geraldo Alckmin (PSDB) reprimiu com o uso da policia as manifestações,  .

…as manifestações eram contra o aumento das passagens dos ônibus e pela instalação de uma CPI para averiguar desvios no transporte coletivo (metrô de São Paulo e o cartel, corrupção, propina…e o sucateamento dos trens como resultado deste descalabro).

Pois bem.

Em linhas gerais, bem amplas, estes são alguns dos aspectos que compuseram tal cenário.

Houveram várias outras componentes, mas, nesta análise, que não tem a mínima pretensão de ser exaustiva, prendo-me a estas diretrizes.

…..

De tal cenário, como erroneamente apregoaram diversos analistas políticos(da grande mídia), não surgiu uma maior politização, entendida como um espaço maior na  liberdade de expressão e manifestação em busca de objetivos comuns à sociedade em que vivemos.

Ao contrário, resultou em um aumento da barbárie e proporcionou o surgimento de ícones fascistas (justiça pelas próprias mãos, repressão aos pobres da periferia pelos rolezinhos, vandalismo, e a toda hora manifestações que resultavam em depredações várias, ou no trancamento puro e simples de vários acessos vitais).

Com o tempo, os protestos, com tal falta de unidade de desígnios, que uniam manifestantes de shopping centers a jovens da periferia e militantes de esquerda,  etc , que passaram a ter apenas o mote midiático “de contra tudo que esta aí”,enquanto manifestações massivas, se tornaram insubsistentes e definharam, .

A ânsia em participar de manifestações coletivas, a adrenalina do protesto em si mesmo, a catarse coletiva, logo consumiu seu fôlego,  cedeu ao apelo da razão na maior parte dos coletivos e movimentos de esquerda, passou a ser um imperativo a pergunta: porque estou aqui? E, a palavra de ordem, “contra tudo isso que está aí“, por ser vazia de sentido e não ter objetos definidos e claros, deixou de ter apelo determinante.

Aqueles chavões genéricos   –  contra a corrupção, a juventude se manifestando, o povo na rua, contra a repressão, etc,  eram amplos demais e, ao mesmo tempo que diziam tudo, não se referiam a nada, eram pura manipulação. Passaram a soar como discursos de outros Demóstenes, ou Collors de Mello,  paladinos da Justiça e caçadores de marajás, já desmascarados, ou por desmascarar.

A maior parte dos participantes não se identificava com os black blocs, que participavam vandalizando, destruindo e sendo protagonistas na arte de hostilizar os policiais.

Aos poucos a desilusão, a noção de terem sido manipulados, a sensação de serem objeto da mídia passou de forma subliminar a tomar conta. Não, não foi e, não é ainda hoje, uma coisa consciente. Muitos destes, apenas se sentem incomodados quando se veem ou veem isso na mídia. Mas, ainda é tempo de compreensão, principalmente porque somente restou a barbárie.

De outro lado, movimentos sem conotação partidária expressa, como a Marcha das Vadias, ou com objetivos definidos como o MST ou até mesmo o Movimento Passe Livre e os de militantes de partidos políticos, aos poucos voltaram a ter sua real representação e a ter suas manifestações e movimentações excluídas da informação midiática nos grandes jornais.

Ficou somente o rescaldo do aumento da barbárie como resultado dos movimentos de protesto, que deveriam ser manifestações de apoio e construção da democracia, e que por motivação expressa dos donos da mídia tradicional transformaram-se no oposto.

Mais uma vez criaram um monstro.

Foi o primeiro teste no Brasil da forma híbrida de insuflar e pautar movimentos sociais de massa, e  naquele momento a hegemonia das grandes redes de comunicação, jornais e televisão, se mostraram e toda sua extensão, e não se fale em redes sociais, as quais incipientes aqui no Brasil, eram alimentadas, justamente por este monopólio das comunicações.

Fundamentalmente, foi uma demonstração soberba do poder da mídia de alterar a motivação geral dos manifestantes nos protestos, de editá-la, e, pior, de redirecioná-la no sentido que eles quisessem.

Tais forças destrutivas, depois de liberadas, fogem ao controle.

Neste compasso, tenham muito cuidado, as forças da destruição e da barbárie todos os dias ecoam nos grandes jornais e televisões, e, agora, com força nas redes sociais, seu canto de sereia, querendo levar à perdição quem acreditar em seus porta-vozes.

Depois deste primeiro período, houve a perda de poder da mídia tradicional, mas,  o modus operandi,  continuou o mesmo, só que através do aparelhamento das redes sociais, como o que levou, em 2018, um obscuro político de conotação fascista e antidemocrática e seu grupo, ao poder maior, a Presidência da República e a hegemonia política.

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Redação

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