A estratégia americana de energia e suas petrolíferas privadas: a centralidade de México e Brasil, por Caroline Scotti Vilain

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A estratégia americana de energia e suas petrolíferas privadas: a centralidade de México e Brasil

por Caroline Scotti Vilain

Nos últimos anos, os Estados Unidos reafirmaram sua centralidade no campo energético não apenas como o principal demandante global, mas também como um gigantesco produtor de petróleo e gás. A crescente produção do shale gas – um tipo de petróleo não convencional – tem permitido aos Estados Unidos, por meio de suas empresas, reposicionarem-se no setor de energia global.

Como afirmou o pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), José Luis Fiori, em recente artigo publicado na Le Monde Diplomatique, “Trump assume e radicaliza o nacionalismo econômico dominante dentro do sistema mundial, e acelera a política de autonomização energética dos EUA, no momento em que os Estados Unidos voltam a ser os maiores produtores mundiais de petróleo, mas também do gás, e se propõem reassumir sua velha função de articulador do mercado mundial de energia. Esta decisão já havia sido tomada antes da eleição de Donald Trump, mas não há dúvida que Trump lhe deu uma nova dimensão muito mais agressiva, recolocando os EUA na luta pelos mercados europeu e asiático, em competição aberta com os russos e os iranianos, mas também, de certa forma, com seus velhos aliados da Arábia Saudita”.

Essa janela de oportunidade aberta aos Estados Unidos, no entanto, apresenta um relativo grau de incerteza por conta das perspectivas de rápido esgotamento das reservas do shale gas. Outro texto do mesmo Le Monde Diplomatique, assinado por Nafeez Mosaddeq Ahmed, utilizando um estudo de David King levanta o problema econômico do shale gas, “uma vez que gera uma produção de vida muito curta (…) o rendimento de um poço de gás de xisto diminui de 60% a 90% após seu primeiro ano de exploração”. Algumas estimativas afirmam que as reservas de shale gas nos Estados Unidos devem entrar em declínio já no final da década de 2020.

Independente da precisão dessas estimativas, o fato é que os Estados Unidos tentarão preservar sua posição de grande produtor global, se não pelo seu próprio petróleo, assegurando reservas em outros países por meio de suas grandes petrolíferas, em especial a ExxonMobil e a Chevron.

Nesse cenário, Brasil e México emergem com países estratégicos para a política americana de energia. No caso brasileiro, desde a descoberta do pré-sal em 2007, os Estados Unidos redobraram sua atenção ao mercado de petróleo brasileiro. Basta lembrar do vazamento das conversas entre o senador José Serra e executivos da Chevron para que, caso o tucano fosse eleito presidente em 2010, uma prioridade do seu governo fosse a mudança da lei de regulação do pré-sal. O México, no mesmo sentido, flexibilizou a regulação do setor de petróleo e gás ampliando a possibilidade de entrada da petrolíferas americanas.

Uma matéria recente do Wall Street Journal lembra que os dois países são uma das poucas regiões fora dos Estados Unidos que apresentam reservas de petróleo e gás promissoras no longo prazo. Os americanos confirmaram essa preferência em documentos oficiais de governo incentivando parcerias estratégicas com países como Brasil e México. Em 11 anos, os investimentos externos diretos vindos dos EUA aumentaram vertiginosamente. Na América Latina e Caribe, os EUA é a maior fonte de investimento externo direto, representando 25,7% deste tipo de recurso em 2015, sendo 52% somente no México.

O mesmo José Luís Fiori explica que com a “nova estratégia de segurança nacional”, há mudanças radicais no establishment da atuação externa americana. Segundo ele, “nesta nova estratégia de segurança, os Estados Unidos abdicam de sua hegemonia ética mundial, mas ao mesmo tempo se assumem como um ‘poder global’ sustentado por seu império militar. Um ‘poder global’ que não tem inimigos absolutos e aceita negociar com qualquer país, desde que as negociações sejam favoráveis a seus interesses nacionais”.

Os mercados de energia no continente americano estão profundamente integrados. Apesar do boom do shale gas, que levou a um aumento acentuado na produção de petróleo dos EUA e uma queda nas importações, os Estados Unidos ainda dependem da América Latina para mais de 30% do petróleo que compra no exterior. Ainda que haja perspectiva dos americanos retomarem sua autossuficiência em petróleo e gás por conta do shale gas, a segurança energética dos EUA continua em jogo. Esse fato, associado ao aumento dos preços do petróleo a partir do começo de 2016, impulsiona as grandes petrolíferas a buscarem novos ativos e investimentos, segundo as diretrizes da sua política energética.

Em 2011, o Governo dos Estados Unidos divulgou um documento chamado Blue Print for a Secure Energy Future, cujas sete iniciativas incluem ampliar a produção de petróleo do país por meio da plataforma continental americana e ampliar as negociações e cooperação com países como México e Brasil. Este último, principalmente, focado nos recursos do pré-sal, visando promover o desenvolvimento e acelerar a produção destes recursos.

Para além da estratégia dos EUA na América Latina, em especial Brasil, há também a facilitação dos governantes do nosso país em cooperação com os americanos. O relatório da ONG The Dialogue “Investimento em Energia EUA-América Latina” comenta que “novas oportunidades se abriram para o investimento privado nos setores de óleo e gás após líderes pro-mercado entrarem no poder no Brasil e na Argentina”. Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, em uma entrevista transformada em livro e publicada este ano, afirmou que “é sempre difícil falar, mas os interesses hoje, sobretudo em função do pré-sal… O Brasil é muito grande, muito grande. Logo depois que nós descobrimos o pré-sal, os Estados Unidos restabeleceram a Quarta Frota no Atlântico [em 2008]. Para que a Quarta Frota?”.

Esta quarta frota é explicável quando se analisa a estratégia americana para o continente, boa parte dela focada em Brasil e México. Neste último, o setor energético foi aberto ao investimento estrangeiro apenas recentemente, em 2013. Com o fim do monopólio da Pemex, estatal mexicana, sobre a exploração e produção do petróleo, as companhias americanas passaram a fornecer serviços neste ramo, construíram infraestrutura de gasodutos e passaram a investir em exploração e produção. Relembrando o documento Blue Print, as companhias americanas já construíram 17 gasodutos entre os dois países e planejam construir mais. Além disto, no primeiro leilão de investimentos em óleo e gás natural no país, empresas como ExxonMobil e Chevron estiveram presentes com ofertas na Bacia de Perdido.

No caso do Brasil, desde 2007 com o pré-sal, o investimento direto americano no setor de petróleo e gás cresceu de menos de um bilhão de dólares para 4,5 bilhões de dólares em 2015. A Chevron e a ExxonMobil, por exemplo, já adquiriram blocos de petróleo da área do pré-sal nos últimos leilões realizados do Brasil. A última empresa adquiriu em leilão mais de 2 bilhões de barris de petróleo no campo de Carcará. Também compraram dez blocos de exploração e aumentaram seu domínio no pré-sal. A principal estratégia de seu portfólio é integração: negócios na área de upstream, ou exploração e produção de petróleo e gás natural, acontecem na Permian Basin e outras Bacias estrangeiras; os volumes são transportados para os EUA; e, por fim, adicionam valor ao produto produzindo derivados. A estimativa da empresa é que a mesma tenha um ganho de US$700 milhões atuando como empresa integrada. 

A Chevron, por sua vez, também trabalha como empresa integrada, não somente na prestação de um serviço para petrolíferas. A empresa americana atua desde a exploração e produção de petróleo, até energia elétrica, lubrificantes e aditivos, todos derivados de petróleo. Além disso, está presente também no transporte de petróleo e gás natural, com navios reservatórios e gasodutos. Além dos blocos na Bacia do Ceará e de Campos, a Chevron adquiriu recentemente participação no bloco Três Marias localizada na área do pré-sal da Bacia de Santos.

Mais do que atender aos seus interesses comerciais e de mercado, essas empresas, embora privadas, seguem fielmente a estratégia do governo americano. A conquista da autossuficiência e do controle da produção de petróleo não será facilmente abandonado por este governo. Nem que para isso seja necessário desestabilizar governos de países próximos.

Caroline Scotti Vilain – Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UNB). É pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Edurado Dutra (Ineep).

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. E o pior de tudo é que isso

    E o pior de tudo é que isso vem acompanhado da obrigação de aceitarmos o dólar como medida econômica. O dólar que vira e mexe os EUA manipulam para criar crises e pobreza. O dólar que dizem ser a moeda da economia global mas que só a um país é permitida sua emissão e controle. E como se isso não fosse suficiente, vem também anexa a obrigação de aceitarmos jurisdição daquele país sobre o nosso impondo-nos, por exemplo, leis de combate à corrupção que no próprio país deles eles não aplicam, a chamada “lawfare”. Isso sem falar na educação idiotizante que vai desde o antigo USAID até treinamentos de como lesar a pátria alheia como os oferecidos a juizes e promotores da Lava Jato. Educação que reza que “esse negócio de patriotismo é idiotia e fora de moda”, faltando esclarecer que só aos EUA é aprovado o patriotismo, e nem no fato de ser, aquele estrangeiro, senão o único, o país que mais desfere ataques bélicos e morais contra praticamente todos os outros países do mundo, exceções a Israel (terra prometida pelo deus deles), Arábia Saudita (ditadura teocrática familiar).

    Creio que a autora se engana quando diz que “Mais do que atender aos seus interesses comerciais e de mercado, essas empresas, embora privadas, seguem fielmente a estratégia do governo americano.” Na verdade é o contrário, o estado estadunidense, independente de quem esteja no governo, é que segue os interesses privados. Acerta quem diz que apesar de apenas parecer democracia, aquele país é a maior e mais profunda plutocracia do nosso planeta.

    Por fim, que centralidade é essa que fará de tudo, legal ou ilegal, moral ou belicamente, nos manter periféricos? Não há centralidade alguma em se manter periférico.

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