Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A controvérsia da “Queermuseu”, o software que detecta gays e a animação “Divertida Mente”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

O cancelamento unilateral da exposição “Queermuseu” em Porto Alegre após protestos de grupos neoconservadores; o desenvolvimento de um software por pesquisadores da Universidade de Stanford cujo algoritmo reconhece a orientação sexual e até a tendência política através das feições faciais de uma foto; e a animação da Pixar “Divertida Mente” (2015) cujo argumento foi inspirado em pesquisas psicológicas da CIA. O atual “revival” do bestiário pseudocientífico do século XIX (antropologia criminal de Lombroso, Eugenia de Galton etc.) favorecido pela escalada planetária do neoconservadorismo está criando bizarras ligações perigosas entre eventos aparentemente distantes no tempo e no espaço. O cancelamento do “Queermuseu” é mais uma amostra do “zeitgeist” do século XXI: como um zumbi que retorna dos mortos , o bestiário pseudocientífico anterior ao século XX retorna com roupagem high tech (algoritmos e Inteligência Artificial) ou sob o discurso da “nova política” das chamadas “revoluções coloridas”.

Em 2015 esse Cinegnose publicou o “Top 10 do bestiário neoconservador para o século XXI” – como o atual contexto político neocon planetário está ressuscitando antigas ideias até então superadas no século passado pelo progresso científico: da fantástica “revelação” de que a Terra é plana, passando pelo mito da bomba populacional e chegar ao ápice do retorno da antropologia criminal do século XIX de Cesare Lombroso – clique aqui

Esse revival neocon generalizado está criando conexões bizarras e inimagináveis, principalmente para quem pensava que, supostamente, a história da Ciência fosse uma linear acumulação de conhecimentos. Pelo contrário, a agenda científica é cíclica e parece seguir os caprichos dos contextos políticos.

Qual a ligação entre o controverso cancelamento da exposição “Queermuseu” no Santander Cultural de Porto Alegre; a polêmica do software da Universidade de Stanford, EUA, de reconhecimento facial que detectaria homossexuais; e a animação da Pixar Divertida Mente? 

São casos aparentemente distantes no tempo e espaço, mas guardam ligações perigosas dentro de um “brave new world” imaginado pela atual escalada neoconservadora.

 

Ciência do lixo

Se aqui no Brasil grupos de direitos LGBT protestam contra o cancelamento unilateral da exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” (que ficaria em cartaz até 8 de outubro no Santander Cultural) após protestos sobre supostas “blasfêmias”, “zoofilia” e “difusão da pedofilia” em alguns trabalhos expostos, nos EUA a comunidade LGBT mobiliza-se contra um estudo da Universidade de Stanford, acusando-o de “perigosa ciência lixo”.

O estudo de Stanford afirma que o seu software pode, entre outras aplicações, reconhecer a orientação sexual através das características faciais – dimensão das maxilas, mandíbulas, ossatura, musculatura e feições.

Na verdade, isso foi uma espécie de efeito colateral da pesquisa que visa continuar estudos recentes que tentam ligar traços e feições a características de personalidade. No estudo pesquisadores desenvolveram um algoritmo aplicado em fotos de mais de 14 mil americanos brancos, tiradas de um site de relacionamentos. O software foi capaz de acertar a orientação sexual (hetero ou homossexual) em 81% das vezes. Com as mulheres o acerto foi de 71%.

“Os rostos homossexuais tenderam a ter menos marcas de gênero. Os homens gays tinham maxilas estreitas e narizes maiores, enquanto as lésbicas tinham mandíbulas maiores”, afirmaram os pesquisadores.  

 

E mais. Segundo o pesquisador Michael Kosinski, a pesquisa vai além do reconhecimento de personalidade ou orientação sexual. Em entrevista ao jornal The Guardian, Kosinski afirmou estar estudando as ligações entre características faciais e posição política – o algoritmo poderia descobrir a ideologia de um indivíduo com base no formato do rosto – “Face-reading AI will able to detect your politics and IQ, professor says”, The Guardian, 12/09/2017 – clique aqui.

“A IA poderia detectar desde a predisposição a comportamentos perigosos a uma inteligência fora do comum”, completou o pesquisador.

Jim Halloran, diretor da Glaad (organização que monitora a mídia em assuntos relacionados ao público LGBT), acusa que tais pesquisas poderão no futuro ser usadas como armas para prejudicar tanto os heterossexuais cujas sexualidades poderiam ser definidas erroneamente, como também as pessoas gays e lésbicas que estão em situações em que isto é perigoso”.

E a Human Rights Campaign (HRC) acusou tal pesquisa de “ciência lixo” e que Stanford deveria deixar de emprestar seu nome a uma investigação “perigosamente falha” e que deixa o mundo “pior e mais inseguro do que antes”.

De Lombroso ao “maior detector de mentiras do mundo”

Claro que o médico e criminalista italiano Cesare Lombroso (1835-1909), onde estiver, deve estar radiante ao ver suas enterradas teses da antropologia criminal do século XIX (a prevenção da criminalidade através da identificação de potenciais criminosos por aspectos físicos como formação craniana, forma de andar, cor, raça etc.) sendo ressuscitadas através da alta tecnologia dos algoritmos e IA do século XXI. 

Cesare Lombroso: onde estiver, deve estar radiante

Mais ainda: detectando predisposições político-ideológicas – quais seriam, por exemplo, as diferentes formações cranianas de um petista e de um “tucano” simpatizante do PSDB?

Uma agenda tecnocientífica expressa no filme Minority Report – a Nova Lei (2002) no qual a polícia do futuro podia se antecipar aos crimes por meio da gravação nos computadores das premonições dos videntes “pré-cogs”. Só que agora, os videntes se transformaram em metáforas da IA.

A pesquisa de Stanford dá continuidade às pesquisas do psicólogo Paul Ekman, pioneiro nos estudos das conexões entre emoções e expressões fisionômicas. O chamado “Atlas das Emoções”, iniciado pela CIA e Departamento de Defesa dos EUA após 2001 fazendo parte dos esforços da guerra anti-terror. 

Concluído no Instituto de Psicologia da Universidade da Califórnia, o estudo de Paul Ekman é considerado “o maior detector de mentiras do mundo”.

Divertida Mente

É incrível que por trás do entretenimento da Pixar Divertida Mente, estivessem os estudos de Paul Ekman na inspiração do roteirista Pete Docter para a narrativa da animação – sobre isso clique aqui.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

13 Comentários

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  1. Entre uma bomba atômica ali, uma repressão aqui

    A leitura me fez pensar que entre 1500 e 1600 a França mandou para a fogueira muita gente que defendia a Reforma da igreja e até leitura dos classicos gregos foi proibida. A recém criada Sorbonne também proibiu muitos livros tais quais Pantagruel e Gargantua de Rabelais, considerados impudicos. Foi uma época, que teve o apice na noite de São Bartolomeu, de muitas “delações”, de muito medo, de todo mundo desconfiando de todo mundo. 

    Pelo descrito acima, esses periodos de tensão social, de conservadorismo, de intolerância, são ciclotimicos. Eles vão e voltam conforme o estado da economia mundial. Estamos de volta a mais um periodo de intolerância e de dominância repressiva.

    1. E nós que achavámos que a

      E nós que achavámos que a ciencia, ã propagação do conhecimento e o desenvolvimento da comunicação traria lucidez ao homem. O problema somos nós, os seres humanos.

      O rapaz que mais fez campanha para o cancelamento da mostra  do Santander é negro. O MBL que esteve na frente dos protestos tem como uma das principais lideranças o Holliday que é negro e homossexual. Ah! O ser humano. Como entender se eles serão as próximas vítimas?

      O Homem – Uma Mácula da Natureza

      Existe no mundo apenas um ser mentiroso: o homem. Todos os outros seres são verdadeiros e sinceros, pois mostram-se abertamente como são e manifestam o que sentem. Uma expressão emblemática ou alegórica dessa diferença fundamental é o facto de que todos os animais andam com o seu aspecto natural, o que contribui bastante para a impressão agradável que se tem ao vê-los; especialmente quando se trata de animais livres, tal visão enche o meu coração de alegria. Em contrapartida, devido ao seu vestuário, o ser humano tornou-se uma caricatura, um monstro; o simples facto de vê-lo é ja algo de repugnante, que se destaca até pelo branco da sua pele, tão natural a ele, e pelas consequências repulsivas da sua alimentação à base de carne, que vai contra a natureza, bem como das bebidas alcoólicas, do tabaco, dos excessos e das doenças. Ele surge como uma mácula da natureza! 

      Arthur Schopenhauer, in “A Arte de Insultar”

      1. Pelo segundo vez tento postar

        Pela segunda vez tento postar respostas a matérias que tratam da exposição queer/mbl e recebo a informação que estou bloqueada no blog. Na matéria do Fernando Horta fiquei bloqueada a manhã inteira. Hoje também.

        É do blog o bloqueio?

        1. Vera Lucia

          Acho que esses rapazes negros e/ou homossexuais que fazem parte grupos de ultra-direita tais como o MBL, age  como muitas vitimas; alia-se aos dominantes para não se sentir inferiorizado. Eh a sindrome do algoz. Então passa a interiorizar os valores de um grupo do qual não pertence e às vezes radicaliza mais que o proprio grupo.

          Quanto aos bloqueios aqui no Blog. Pelo que percebi são devidos aos ataques que o GGN tem sofrido. Tem muita gente interessada em calar a nossa voz.

           

          1. O bloqueio ocorre quando se coloca textos externos com links.

            Aqui temos outro exemplo de uma ciência BURRA, quem é inscrito tanto no GGN ou mesmo no antigo portal há mais de meia década, se vê bloqueado como qualquer intruso, ou seja, mais uma vez a ciência BURRA, mas desta vêz no GGN!

  2. Lombroso, de fato, foi

    Lombroso, de fato, foi relegado ao esquecimento. Mas Galton sempre foi um cadáver insepulto. As entidades que traziam “eugenia” no nome, principalmente no mundo anglo-americano, apenas e tão somente mudaram suas denominações, após a “propaganda” negativa associada ao nazismo; o pano de fundo e os objetivos fundamentalmente racistas e genocidas permaneceram intactos.

    Me parece que o apelo ao sensacionalismo cheio de significados subliminares do Estado policialesco, tão fértil se direcionado ao imaginário coletivo das classes médias, está em ascensão.

    http://www.viomundo.com.br/denuncias/policia-apreende-arte-degenerada-em-campo-grande-quadro-que-denuncia-pedofilia-levado-a-delegacia-por-incitar-a-pedofilia.html

    http://www.viomundo.com.br/denuncias/a-reacao-do-inutil-roger-a-entrevista-de-adriana-varejao.html

  3. Infelizmente concordo com as

    Infelizmente concordo com as pesquisas. É possível categorizar as pessoas, por exmeplo, os coxinhas que possuem a mesma sindrome narcisista.

  4. Bullshit !!!!

    A suposta IA (essa pesquisa coloca o xeque o “I”) adivinhou quem era homossexual?

    Claro que não!

    Eles pegaram a orientação sexual declarada nos perfis e procuraram características físicas em comum no rosto das pessoas. Assim “treinaram” a suposta IA a achar homossexuais.

    Se Fizessem isso com a população de presos nos EUA, fariam a monumental “descoberta” de que a maioria dos bandidos possui características físicas comuns a  negros ou latinos.

     

    O mais puro exemplo de BULLSHIT!!!!!

  5. Wilson,
    Um dia desses você
    Wilson,
    Um dia desses você poderia escrever um belo artigo analisando a indústria do marketing tecnológico que está investindo pesadamente no conceito pdeudocientifico da”inteligência artificial”. É um assunto palpitante que ainda vai ter muitos desdobramentos no futuro próximo.

  6. Vamos ver quem vai fazer isso primeiro

    Se Stanford arriscou sua reputação ao parir esse software, vamos esperar pra ver quem produz a primeira pesquisa afirmando que homossexualismo é contagioso ou que ser de esquerda é um distúrbio genético, para regozijo dos bolsominions e kataguiretes da vida.

    Vamos ver se vai ser Harvard, Cambridge ou o MIT…

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