
As mulheres de direita estão mais competitivas nas eleições 2024? Um olhar sobre as capitais
por Danusa Marques
Quando observamos as eleições passadas, os dados mostram que as mulheres têm enfrentado uma situação de baixa chance de chegar às prefeituras – em 2020, foram eleitas prefeitas em somente 12% dos municípios brasileiros. Do total de prefeituras, somente 4% são dirigidas por mulheres negras. Como nos mostra o Censo das Prefeitas (realizado pelo Instituto Alziras), apesar de serem 12% das prefeitas, a tendência é que vençam em cidades de menor porte, onde a competição eleitoral é menos aguda, e hoje governam o equivalente a 9% da população.
A situação é de profunda desigualdade, o que infelizmente é esperado de uma classe política que sistematicamente ignora as reivindicações por mais mulheres nos espaços de poder. Esta demanda é histórica e podemos recapitulá-la no Brasil desde pelo menos 1832, com a obra Direitos das mulheres e injustiça dos homens, de Nísia Floresta – ou seja, há quase 200 anos. No campo direto das disputas eleitorais, nossa referência de candidatura à prefeita é a pioneira Alzira Soriano, eleita em 1928 para ser prefeita de Lajes (RN).
Em 2024, tem sido recorrente a afirmação de que há mais candidaturas competitivas de mulheres para as prefeituras, principalmente em grandes cidades, e que talvez vejamos alguma mudança neste cenário de exclusão. Algumas campanhas de candidatas têm se destacado nas pesquisas de intenção de voto, ressaltando-se que quase muitas destas campanhas estão no campo da direita.
Para discutir este cenário, precisamos situar algumas questões. A primeira delas é que, se classificarmos ideologicamente os partidos e analisarmos as candidaturas a prefeito/a de 2024, observamos que 54% são de partidos de direita, enquanto 25% são de centro e 21% são de esquerda[1] – ou seja, a maior parte das candidaturas a prefeito/a no Brasil é, no agregado, de direita. A segunda é que a situação das mulheres nas prefeituras de grandes cidades é de extrema sub-presença: como nos mostra o Censo das Prefeitas, apenas duas cidades maiores do que 500 mil habitantes têm prefeitas, sendo ambas em Minas Gerais e eleitas pelo PT: Contagem (cuja prefeita é Marília Campos) e Juiz de Fora (cuja prefeita é Margarida Salomão). Vale ressaltar que estas cidades, apesar de seu grande porte, não são capitais. A única capital que teve uma prefeita eleita em 2020 é Palmas (Cinthia Ribeiro, do PSDB, que não está concorrendo à reeleição em 2024, apesar de estar em seu primeiro mandato), uma cidade com menos de 200 mil eleitores/as[2].
Nas pesquisas de intenção de voto em 2024[3], são poucas as capitais brasileiras com mulheres em candidaturas competitivas[4] para as prefeituras. As mais competitivas da esquerda são do PT e estão em Goiânia, Porto Alegre e Natal. Em relação aos partidos de centro, a única que se destaca é em Porto Velho (em terceiro lugar nas pesquisas, parece ter chance de ir ao segundo turno). Já as candidatas mais competitivas de partidos de direita nas capitais são do União Brasil e do PL, liderando as pesquisas em Campo Grande, Aracaju, Boa Vista, Porto Velho e Palmas. Há chances de que tenhamos um segundo turno com duas candidatas mulheres (principalmente) em Aracaju, Campo Grande e Porto Velho.
Das 26 capitais, apenas em Campo Grande, Aracaju, Porto Velho e Palmas candidatas a prefeita estão liderando as pesquisas (em Goiânia, há um empate técnico em primeiro lugar, entre três candidaturas girando em torno de 20% das intenções de voto, sendo apenas uma feminina). Nestas, são candidatas de partidos de direita aquelas que parecem estar com as maiores chances de eleição, de acordo com as pesquisas.
Candidatas competitivas para a prefeitura de capitais brasileiras em 2024
Cidade | partido de esquerda | partido de centro | partido de direita |
Porto Alegre | Maria do Rosário (PT), Juliana Brizola (PDT) | ||
São Paulo | Tabata Amaral (PSB) | ||
Belo Horizonte | Duda Salabert (PDT) | ||
Campo Grande | Rose Modesto (União), Adriane Lopes (PP) | ||
Goiânia | Adriana Accorsi (PT) | ||
Aracaju | Emilia Correa (PL), Yandra Moura (União) | ||
Natal | Natália Bonavides (PT) | ||
Boa Vista | Catarina Guerra (União) | ||
Porto Velho | Euma Tourinho (MDB) | Mariana Carvalho (União) | |
Palmas | Janad Valcari (PL) |
Fonte: a autora, a partir de dados do Agregador de pesquisas eleitorais da CNN Brasil, compiladas pelo Ipespe Analítica. Consulta em 30/set/2024.
Temos 26 capitais estaduais e somente em quatro delas as pesquisas indicam vantagens sólidas para candidaturas a prefeita em 2024. Este número é bastante baixo e representa 15% das capitais, mas comparado ao que tivemos em 2020 (uma única prefeita eleita, em Palmas, sem segundo turno porque não havia 200 mil eleitores/as registrados/as naquele pleito), o cenário atual é quase surpreendente. Nestas quatro cidades, os partidos que lançaram candidatas muito competitivas são de direita.
O que tem acontecido com os partidos de direita? A agenda de gênero chegou com tudo, ainda que o próprio conceito de gênero seja refutado por parte significativa destas agremiações? Mais mulheres no poder são, hoje, mais mulheres de direita no poder? O que aconteceu com a demanda progressista de mais mulheres nos espaços de decisão?
É preciso lembrar que a mobilização política das mulheres de direita é clássica e importante no Brasil (e no mundo). Há muito ativismo feminino de direita no país, desde a Liga das Senhoras Católicas (fundada em 1909), passando pelas mulheres da Ação Social Nacionalista (nos anos 1920), as mulheres da Ação Integralista Brasileira (nos anos 1930, de inspiração fascista) ou as mulheres que sustentaram o golpe e a ditadura nos anos 1960 (Deutsch, 1999[5]; Ramos, 2023[6]). A participação política de mulheres de direita tem sido importante, é verdade, mas o que tem gerado inquietação é que o lento crescimento da ocupação de espaços de poder e posições dirigentes na política institucional da Nova República esteja sendo cada vez mais notável entre elas.
A agenda política de maior participação feminina nas instituições do Estado é historicamente progressista – portanto, mais ligada às agendas feministas e de esquerda. No entanto, o poder está sempre em disputa. Apesar das ameaças de retrocesso e/ou dos retrocessos em si enfrentados nos últimos anos, se uma maior cobrança por mais mulheres eleitas se fortalece, demandas feministas por maior protagonismo das mulheres nas instituições se destacam, uma onda de paridade política com potencial de efeito-contágio tem atravessado o continente latino-americano, as demandas por igualdade passam a se capilarizar na sociedade, não se pode deixar de considerar que tudo na política é dinâmico. Recursos de poder, oportunidades, estratégias e influência sempre serão disputados. Se hoje o eleitorado de direita, que é grande parte do eleitorado brasileiro, apoia candidaturas femininas, sem dúvida esta vantagem será eleitoralmente considerada.
Cabe, evidentemente, nos perguntarmos o que significa substantivamente um mandato de uma prefeita vinculada à direita. Há evidências agregadas de que mulheres governam diferentemente dos homens[7]. Mas é preciso pensar além: o gênero da candidata é usado eleitoralmente como um verniz que atualiza propostas tradicionais em uma roupagem feminina? Ou há em curso uma apropriação do lema “mais mulheres no poder”, capaz de neutralizar seu potencial transformador, enquadrar de forma desidratada as possibilidades de políticas públicas igualitárias e diminuir o potencial de imaginação política dos atores envolvidos?
Danusa Marques é professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Este artigo é parte das análises desenvolvidas pelo Observatório das Eleições 2024, iniciativa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT IDDC).
[1] Fonte: Classificação ideológica realizada a partir da trajetória histórica dos partidos (com base em https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/secretarias/secretaria-da-mulher/observatorio-nacional-da-mulher-na-politica/notatecnica-3-parceria-unb-trajetorias-eleitorais-e-chances-de-eleicao-somos-todos-iguais-201d/view), aplicada aos dados de divulgação de candidaturas 2024 pelo TSE.
[2] Em 2024, talvez Palmas ultrapasse pela primeira vez os 200 mil eleitores, marca que determina a exigência de segundo turno caso a candidatura mais votada não atinja 50%+1 dos votos válidos.
[3] Para este texto, optei pelo agregador de pesquisas da CNN, mas há outros à disposição do público. Ele faz uma média das pesquisas eleitorais divulgadas e é preciso considerar que cada uma traz uma metodologia diferente, assim como erros e margens de erro distintas. Ainda assim, é um mecanismo interessante para acompanhar tendências que vêm sendo registradas nas pesquisas eleitorais.
[4] Considerei competitivas candidaturas que apresentam pelo menos 8% de intenção de voto nas pesquisas divulgadas, o que é um valor inclusivo.
[5] DEUTSCH, Sandra McGee. Las Derechas: The Extreme Right in Argentina, Brazil, and Chile, 1890-1939. Stanford: Stanford University Press, 1999.
[6] RAMOS, Nayra. Mulheres de Direita: Conservadorismos e suas Representações no Parlamento. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. Universidade de Brasília, 2023.
[7] O Censo das Prefeitas, por exemplo, nos mostra que cidades governadas por mulheres tiveram 44% menos mortes e 30% menos internações por covid.
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