Celso Russomanno, o exterminador de mitos?

 

Nas últimas semanas várias análises têm sido escritas com o objetivo de ajudar a entender o fato mais inusitado da eleição para a prefeitura de São Paulo até o momento: a liderança nas pesquisas de intenção de voto do candidato Celso Russomanno, do pequeno PRB. Há um ano atrás provavelmente nove entre dez analistas diriam que a corrida eleitoral na maior cidade do país seria polarizada por PSDB e PT. Mas a apenas três semanas do 1º turno, não é isso o que se vê. Russomanno parece consolidado na frente e provavelmente com uma vaga assegurada no 2º turno, enquanto José Serra e Fernando Haddad travam uma guerra particular para ver quem vai ter o direito de enfrenta-lo na rodada final.

Entre as mais recentes análises uma que chamou bastante atenção é a do cientista político Aldo Fornazieri, fraterno amigo por quem tenho grande respeito pessoal e intelectual. Na visão de Aldo o sucesso de Russomanno se deve, em grande medida, ao fato de que o candidato valorizou mais uma boa estratégia de campanha do que o horário de tv. Sim, é fato. Mas não estou certo se isso, por si só, é suficiente para dizermos que Russomanno derrubou nesta eleição o mito de que o horário de tv e a “ação milagreira” dos marqueteiros podem fazer a diferença. Lembremos que Russomanno, por um lado, não tinha opção. Conta com muito menos tempo na propaganda eleitoral que seus principais adversários, então não podia fazer do horário eleitoral sua principal arma. E, por outro, talvez Russomanno nem precisasse mesmo de mais do que os dois minutos e pouco diários de que dispõe, dado que está na vitrine televisiva há quase trinta anos. É amplamente conhecido do eleitorado. E sem ter a imagem de político tradicional que Serra, também amplamente conhecido, tem. Talvez esta eleição esteja demonstrando que o mito do horário eleitoral se mantém para o caso de candidatos até então desconhecidos, como Haddad, que cresceu nas pesquisas assim que botou a cara na telinha. E que se mantém também no caso de candidatos com imagem desgastada, como é o caso de Serra, para quem aparecer na tv por tanto tempo só aumenta a rejeição, repetindo fenômeno que já ocorreu no passado com outros candidatos. Quanto mais apareciam na tv, mais caíam nas pesquisas.

Aldo afirma ainda que as campanhas de Serra e Haddad erram ao apresentar seus respectivos candidatos na base do “eu fiz”, “eu farei”, “eu resolvo” etc., mas é bom ressaltarmos que o marketing televisivo de Russomanno vai na mesmissima linha. É uma mensagem baseada num voluntarismo radical, na qual o candidato sai abraçando pessoas na rua, provocando-as a pensar sobre problemas cotidianos e emendando, ao final: “eu vou resolver isto, e vai dar certo”. Quase que como se fossem desnecessárias todas as instituições que mediam a relação entre governante e governados. Aldo tem razão ao afirmar que a sociabilidade brasileira se define em grande medida pela sensibilidade e emotividade. Mas não nos enganemos, o eleitor não é bobo e na sua relação com os candidatos há sempre, também, uma boa dose de racionalidade e pragmatismo. Se faltam sensibilidade e emotividade na propaganda de Haddad e Serra, sobra melosidade e voluntarismo na campanha de Russomanno. E o eleitor percebe isso. Sabe que com olho no olho e iniciativa individual um político pode demonstrar muito boas intenções durante a campanha, mas não necessariamente terá condições, uma vez eleito, de cumprir tudo o que prometeu.

Como bem aponta Aldo, a abordagem que o líder nas pesquisas usa como estratégia de comunicação é a ação pastoral, voltada a dar conta das angústias e aspirações das pessoas e de prestar serviços aos necessitados. É a política do “vou cuidar de você”, “vou cuidar da cidade” etc. De fato pode caber bem no figurino de Russomanno, que fez fama e carreira na base do “se estiver bom para ambas as partes” e só falta chamar os pobres de “pequeninos”, como Francisco Rossi fazia nas campanhas eleitorais da década de 90. Mas definitivamente nesse terreno Russomanno estará sozinho nesta campanha, pois soaria inverossímil demais ouvirmos Serra ou Haddad prometendo cuidar do eleitor ou tratar a cidade com carinho. Apesar do “Lulinha Paz e Amor” do PT em 2002 e do “Zé Amigo do Lula” do PSDB em 2010, ou de programas sociais que remetem à sensibilidade, como o tucano “Mãe Paulistana” e o petista “Brasil Carinhoso”, o eleitorado paulistano conhece muito bem seus dois principais partidos para intuir que discursos nessa direção, vindos de ambos, soariam pouco factíveis. De mais a mais, sempre fica aquela questão, que atinge parcelas importantes do eleitorado tanto de PSDB quanto de PT: em que medida é produtivo fazer uma campanha que trata o eleitor de forma tão pessoal e emotiva, abrindo mão da necessária impessoalidade que caracteriza uma sociedade formada por cidadãos conscientes que suas demandas devem ser atendidas através das instituições, e não por meio de atos de vontade ou relações pessoais?

Aldo é muito feliz quando aponta para o outro aspecto da estratégia de Russsomano: a do candidato-psicanalista, aquele que ouve as pessoas. É um tipo de interação que realmente tende a ter muito sucesso, na qual o político demonstra, ao menos aparentemente, interesse em ouvir o que o eleitor tem a dizer e, mais, buscar soluções para os seus problemas. Não há dúvida, como aponta Aldo, de que esta estratégia que eu chamaria de “fala que eu te escuto”, é rara num país onde a classe política é vista como apartada do povo e surda a suas aflições, sentimentos e aspirações. Uma vez mais, no entanto, me pergunto se ela é sustentável perante uma sociedade que, mesmo pautada em relações caracterizadas pela emotividade, já não se sente assim tão desamparada, tão excluída e tem cada vez mais acesso à informação e a critérios racionais de escolha, tanto daquilo que compra quanto naqueles em quem vota. Eu diria que parte da sociedade paulistana e o líder nas pesquisas neste momento estão “se conhecendo”. Se o postulante, que é de fato um bom galanteador, continuar agradando e sendo convincente no papel de bom moço, pode dar casamento. Caso contrário, adeus. A fila anda.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

 

Redação

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