Competição eleitoral na Bahia: é possível vencer sem alinhamento nacional?, por Cláudio André de Souza

Desde 1994, um panorama da disputa política na Bahia, abordando o carlismo e a crescente entrada do PT no cenário eleitoral

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Competição eleitoral na Bahia: é possível vencer sem alinhamento nacional?

por Cláudio André de Souza

A aliança entre Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o PFL de Antônio Carlos Magalhães (ACM) nas eleições de 1994 levou o baiano a um lugar estratégico no centro do poder nacional. O carlismo venceu no plano federal e no estadual, elegendo Paulo Souto (PFL) ao governo baiano, no segundo turno, com 58,64% dos votos válidos. O adversário foi o ex-governador João Durval Carneiro (PMN), uma liderança ex-carlista rompida com ACM desde 1990, quando seu nome foi preterido em favor de Josafá Marinho para disputar uma cadeira no Senado.

As eleições de 1998 tiveram o reforço do instituto da reeleição, com FHC sendo candidato a um segundo mandato com o apoio irrestrito de ACM, que lançara ao governo baiano seu filho e ex-presidente da Câmara dos Deputados, Luís Eduardo Magalhães (PFL); mas, em abril daquele ano, após o seu falecimento, o vice-governador César Borges (PFL) o substituiu, vencendo aquelas eleições com 69,91% dos votos

As eleições de 2002 se desenrolaram em contexto de crise do carlismo: a ruptura da aliança entre FHC e ACM veio após o presidente ter optado por apoiar Jader Barbalho para a presidência do Senado. Em fevereiro de 2001, o PFL baiano desembarcou do governo. Meses depois, ACM enfrentaria uma tempestade perfeita ao se envolver no escândalo de violação do painel do Senado, o que o levou a renunciar ao mandato para não ser cassado. Nas eleições presidenciais, ACM levou o PFL a lançar a pré-candidatura de Roseana Sarney, ex-governadora do Maranhão, mas que desistiu da disputa após suspeitas de corrupção.

Na Bahia, àquela altura, ACM abandonou José Serra (PSDB) e apoiou Ciro Gomes (PPS), declarando apoio a Lula (PT) no segundo turno, uma movimentação inteligente visando à sua sobrevivência política nacional, vencendo mais uma eleição ao governo baiano ao eleger Paulo Souto (PFL) com 53,69% dos votos. Mas  um detalhe importante merece destaque: uma nova liderança oposicionista tivera 38,47% dos votos, o petista Jaques Wagner, que surfou na “onda Lula”, mostrando a força do alinhamento nacional.

Wagner fez parte do ministério de Lula, destacando-se como um dos principais articuladores governistas na relação com o Congresso. O cálculo político do petista partia de um cenário favorável para as eleições de 2006 diante da força governista de Lula no estado, do aumento do apoio político de partidos que orbitavam a coalizão nacional e de uma crise endógena do carlismo, que tinha acabado de ser derrotado na capital baiana nas eleições municipais de 2004.

A chapa do PT baiano para as eleições de 2006 atraiu um leque maior de partidos (PMDB, PSB, PTB, PPS, PCdoB, PRB, PV e PMN – ver tabela abaixo) conformada no fator nacional. Se no primeiro turno de 2002 na Bahia Lula obteve 55,3% dos votos válidos, já em 2006, conquistou 66,65%, logo, o aumento do seu tamanho político pode ter sido decisivo para a vitória de Wagner no primeiro turno com 52,89% dos votos válidos.

Tabela 1: Escolha dos principais partidos baianos nas eleições ao governo estadual (2002-2022)

Partido200220062010201420182022
PT      
PSDBPMDBXDEMDEMDEMUB
PMDB/MDB PT DEM PT
PFL/DEM/UNIÃO BRASIL      
PSDNNNPTPTPT
PSB PTPT PTPT
PPB/PPPFLPFLPTPTPTUB
PDTXPSCPTPTPTUB
PL/PR/PLPFLPFLPMDBPTPT 
PPS/CIDADANIAXPTPMDBDEMXUB
PRB/REPUBLICANOSNPTPTDEMDEMUB
PCdoBPTPTPTPTPTPT

   Fonte: elaboração do próprio autor.

  • = candidatura própria.

X = Não participou formalmente de nenhuma coligação.

N = Não tinha sido fundado o partido.

Nas eleições seguintes, de 2010 e 2014, a força do fator nacional pesou novamente para a continuidade do PT à frente do governo baiano, havendo uma equivalência proporcional dos votos do PT nas disputas estadual e nacional. A oposição feita pelo DEM em nível estadual e federal buscava sobreviver dentro de uma conjuntura interna de renovação.

À medida que ACM Neto buscava se consolidar como a maior liderança pós-carlista, soube conservar estrategicamente a liderança de Paulo Souto nas disputas estaduais enquanto se preparava para avançar na sua carreira política por Salvador. Após deixar de ir ao segundo turno das eleições municipais de 2008 por 44.052 votos (26,68%), ACM Neto (DEM) ganhou em 2012 para prefeito de Salvador no segundo turno, contra Nelson Pelegrino (PT), com 53,51%, sendo reeleito em 2016 com uma votação ainda mais expressiva (73,99%).

A disputa ao governo baiano em 2018  foi marcada pela desistência da sua candidatura na véspera do prazo legal de desincompatibilização. Pesou na sua decisão a incontestável margem de avaliação positiva do governador Rui Costa (PT), além do que não conseguira inviabilizar a aliança do PT com o PP e o PSD. Os três partidos, somados, saíram das eleições municipais de 2016 com 42,9% das prefeituras baianas, sendo que estas prefeituras totalizavam 31,3% da população baiana, menos que o DEM, que saiu da eleição conquistando sonha prefeituras a representar 31,9% da população baiana. O governador Rui Costa (PT) acabou reeleito com 75,50% dos votos. Na capital baiana, o petista também venceu, obtendo 72,23% dos votos.

Qual o panorama em 2022? Há um padrão de competição eleitoral na Bahia determinado pela liderança política do PT em âmbito nacional (gráfico abaixo), influenciando o cenário estadual, o que levou ACM Neto a não declarar apoio a nenhum candidato específico, o que tem como objetivo estratégico não ser lido como um candidato antipetista. Esse reposicionamento decorre da força do PT na Bahia. As pesquisas de opinião mostram Lula com um potencial entre 60 e 70% de votos dos baianos.

Como ACM Neto está em pré-campanha há mais tempo e por ter concluído o mandato de prefeito de Salvador com uma avaliação positiva acima dos 70%, o ex-prefeito lidera com folga a corrida eleitoral desde o ano passado. O PT trocou Jaques Wagner pelo ex-secretário de Educação, Jerônimo Rodrigues, que jamais foi candidato, sendo bastante desconhecido entre os baianos. Na pesquisa do Datafolha de 24 de agosto, o candidato petista era desconhecido para 61% dos entrevistados. Nessa mesma pesquisa, 42% disseram escolher, com certeza, um candidato apoiado por Lula, e 38% um candidato apoiado pelo PT. Nessa mesma rodada, o instituto verificou que 54% dos eleitores baianos indicam o voto espontâneo em Lula.

Diante desse cenário, ACM Neto busca atrair eleitores lulistas fora da lógica de alinhamento com o candidato petista no estado, mas sem abrir mão do carlismo como o seu legado na carreira política. O ex-prefeito chegou a reeditar o jingle (abaixo) do seu avô, ao mesmo tempo que tem buscado fugir de críticas pessoais a Rui Costa e a Lula.

Do outro lado, o PT aposta todas as fichas no alinhamento nacional que deu a vitória aos petistas nas últimas quatro eleições, na vinculação de Neto a Bolsonaro, além da boa avaliação do atual governador como um projeto de poder articulado com prefeitos da base aliada. A força de Lula e do PT virará o jogo mais uma vez, como foi em 2006 e 2014? A ver.

Cláudio André de SouzaProfessor Adjunto de Ciência Política da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e um dos organizadores do “Dicionário das Eleições” (Juruá, 2020)

Esse material foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: http://observatoriodaseleicoes.com.br

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Observatório das Eleições

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