Qual o interesse do Google nas eleições?, por Alexandre Arns Gonzales

O Google apresenta os resultados de buscas com base nos seus interesses de negócios, cuja principal fonte de receita financeira são os anúncios digitais.

Divulgação

do Observatório das Eleições

Qual o interesse do Google nas eleições?

por Alexandre Arns Gonzales

O debate presidencial na rede Bandeirantes apresentou, assim como em 2018, a estrutura da Sala Digital montada e patrocinada pelo Google. Entre os diferentes recursos oferecidos pela plataforma, foram apresentadas as perguntas mais buscadas, nos últimos sete dias, sobre cada um dos candidatos que participavam do debate. Por exemplo, “quem está na frente: Lula ou Bolsonaro?”, “quem é o vice do Lula?”, “quantos anos tem o Lula?”, “quanto tempo Lula ficou preso?”, “Lula foi inocentado?”, “o que Bolsonaro fez de bom para o Brasil?”, “o que é o centrão de Bolsonaro?”, “qual o partido de Bolsonaro?” e “o que o mundo fala sobre Bolsonaro hoje?”.

Nesse sentido e a partir dessa estrutura, caberia perguntar: qual o interesse do Google com as eleições? Qual o propósito da Sala Digital? Além de uma política com o objetivo de trabalhar uma imagem pública da empresa, acredito que a empresa visa, também, instrumentalizar o seu serviço de busca como uma ferramenta de disputa eleitoral, tanto no âmbito da definição de relevância de diferentes agendas no debate público, quanto na definição das referências de fonte de informações sobre essas agendas. Quando a empresa apresenta as métricas das buscas como um recurso para analisar a relevância dos temas, o Google está orientando o uso do seu serviço para uma lógica de disputa de engajamento similar às das demais mídias digitais, como Twitter, TikTok, Facebook, Instagram e YouTube.

Outro episódio do processo eleitoral que exemplifica a instrumentalização das métricas do Google foi durante as sabatinas das candidaturas presidenciais no Jornal Nacional. Na primeira entrevista, no dia 23 de agosto, com Jair Bolsonaro, a imprensa repercutiu o “aumento repentino” de buscas  por “Bolsonaro imita falta de ar”, que se tornou a principal busca associada ao nome do Presidente da República e candidato à reeleição. No dia 25 de agosto, na entrevista com Luis Inácio Lula da Silva, os registros de “aumento repentino” de buscas associados ao nome do candidato foram relacionados à própria entrevista, como “entrevista Lula Jornal Nacional”. Contudo, a imprensa repercutiu a ascensão, no Twitter, da discussão sobre a produção de arroz orgânico do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), destacado por Lula durante a sabatina. Inserindo o termo “MST” no Google Trends, a ferramenta registrou “aumento repentino” por “MST arroz orgânico”, tanto na noite da entrevista com Lula quanto na manhã do dia 27 de agosto. 

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O Google apresenta os resultados de buscas com base nos seus interesses de negócios, cuja principal fonte de receita financeira são os anúncios digitais. Essa receita, por sua vez, é usada, em partes, para financiar canais de comunicação ativos na disputa eleitoral, muitos deles ligados à reprodução de notícias falsas sobre as eleições e as urnas eletrônicas.

Portanto, diferentemente do que disse o representante do YouTube na rede Bandeirantes –  “nós somos apenas plataforma, quem produz conteúdo de qualidade é o jornalismo profissional” – o Google e YouTube não são “apenas plataformas”, são financiadoras tanto do “jornalismo profissional”, quanto da propaganda golpista desinformativa contra as eleições. Portanto, estimulam o desenvolvimento da desinformação e vendem seus serviços como solução.

As medidas de transparências descritas no Projeto de Lei 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, contribuiriam para fortalecer o escrutínio público sobre as decisões dessas empresas. Para além das ameaças relacionadas à produção e à distribuição de conteúdo desinformativo, o modelo de negócio de empresas como Google está influenciando a organização e a dinâmica do conjunto do processo eleitoral. O escrutínio desse tipo de poder não pode se resumir a ações de relações públicas das próprias empresas.

Esse material foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: http://observatoriodaseleicoes.com.br

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Observatório das Eleições

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