Congresso atende aos interesses do crime organizado ao proibir porte de drogas

À TVGGN, conselheira afirma que PEC das Drogas mantém monopólio de facções sobre a produção e distribuição de drogas ilegais

Crédito: Lula Marques/ Agência Brasil

Na última quinta-feira (25), o deputado federal Ricardo Salles (PL) foi designado para assumir a relatoria da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Drogas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. De acordo com o texto aprovado pelos senadores, o porte de qualquer quantidade de drogas pode ser considerado crime e a definição de quem é usuário e quem é traficante será definida pela polícia de forma subjetiva.

Em entrevista ao programa CNN 360°, Salles afirmou que tende a endurecer o texto aprovado pelo senado, a fim de nivelar o crime de tráfico e posse de drogas, pois segundo ele, não existe um inocente que compra drogas. 

Para comentar a posição do deputado de extrema-direita na relatoria da PEC das Drogas, o programa TVGGN 20H da última sexta-feira (26) contou com a participação da conselheira do Conselho Distrital de Drogas, Thessa Guimarães.

“Por causa de uma disputa de poderes, como uma espécie de contra ataque ao STF [Supremo Tribunal Federal], o Senado passa às pressas essa PEC que visa criminalizar o porte de qualquer quantidade de drogas. Um retrocesso para o nosso país e uma tentativa de continuar encarcerando, internando em massa, perseguindo a nossa juventude preta e pobre, que são os únicos que são na verdade internalizados por essa PEC”, resumiu a entrevistada.

Conselheira, Thessa garante que a atual superlotação dos presídios tende a se tornar uma situação ainda mais trágica. “De fato, cada vez que uma pessoa entra no sistema carcerário, ela se torna um potencial criminoso articulado com essas facções. A gente sabe que é do interesse do crime organizado esse tipo de lei, porque na verdade só interessa ao crime organizado manter o monopólio da produção e distribuição de drogas.”

Punitivismo infundado

A convidada comenta que a adoção do tom punitivista nas decisões do Congresso contrariam estudos científicos e até a própria lei. No entanto, tal discurso intrínseco da extrema-direita, assim como o processo de recrudescimento da milicialização que está sendo transferida do Rio de Janeiro para as demais capitais do país,inclusive São Paulo, agrada a base eleitoral bolsonarista. 

“É por isso que o Salles está pegando a relatoria da PEC 45, que neste momento de polarização da nossa sociedade, se torna um cenário perfeito para esse tom midiático inflamado que ele costuma aplicar nas suas participações no Congresso, de forma a se cacifar para algum futuro cargo ou para se manter na cena como deputado. A gente sabe que ele tem um espírito vil, uma tendência destruidora de qualquer avanço da esquerda, de qualquer tentativa de justiça social e a gente espera uma relatoria agressiva contra ele”, emenda Thessa. 

Resposta

A fim de tentar conter tal retrocesso, entidades não governamentais da sociedade civil estão articulando, por meio da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), um requerimento para uma audiência pública, realizada em 8 de maio, para propor audiências públicas em que sejam aprofundadas as questões relacionadas às drogas a partir da perspectiva da ciência, da redução de danos e da luta antimanicomial. 

“Estudos mostram que criminalizar o uso das drogas não reduz consumo nenhum. Isso aí é balela, propaganda para o punitivismo policialesco que só vitima a juventude preta e pobre. É o  projeto deles, na verdade. É interessante criminalizar o usuário ou o pequeno traficante porque isso deixa salvo os grandes produtores que realmente lucram com a guerra às drogas”, aponta a conselheira.

Outra preocupação de quem entende da temática é que a aprovação da PEC contra as drogas crie uma margem legal para tornar constitucional internações compulsórias. “A gente sabe como são os espaços onde as internações compulsórias acontecem. São verdadeiras senzalas contemporâneas, onde as pessoas são jogadas. Impede-se que a pessoa busque auxílio nas unidades de saúde. São pessoas jogadas a trabalhos análogos à escravidão, as chamadas laboraterapia”, conclui a entrevistada. 

LEIA TAMBÉM:

Camila Bezerra

Jornalista

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Duas meias verdades são, ao contrário do que pensamos, uma mentira inteira.

    O endurecimento aumenta a chance de injustiça contra os pobres e os presídios se enchem por causa dessa injustiça.

    Mais ou menos.

    Como já disse, lá no texto da PF e da Marielle, a inteligência da esquerda Leblon sobre segurança pública, polícia e política de controle de drogas é um desastre.

    É pior que da extrema direita, porque leva aos mesmos resultados, mas tem um aspecto mais grave:

    Frustra expectativas, porque, afinal, a esquerda deveria ser diferente.

    Então, por medo de sequer propor o debate, a esquerda Lula Leblon se auto censura, e quer uma política de drogas tipo nem caga, nem desocupa a moita.

    Pior, é tão ou mais elitista que a dos sequelados da direita.

    A descriminalização ou criminalização do porte de pequenas quantidades de drogas, assim como todo e qualquer aspecto do sistema jurídico penal atende a uma hierarquia de classes.

    O mesmo vale para o exercício de todos os outros grupos de direitos positivos, que não vêm ao caso aqui, mas é correto de dizer que o exercício de um direito, ou como você é atendido pelos equipamentos judiciários têm a ver com sua origem de classe, e sim, da sua cor.

    Pois bem.

    O usuário branco de classe média e rico, de um jeito (facilitando com o policial), ou de outro (com advogado frente a um tribunal) vão continuar consumindo drogas livremente.

    É essa a questão.

    Mesmo que o direito de portar pequenas quantidades para consumo fosse aprovada, só os ricos se aproveitariam dessa prerrogativa, dúvida?

    Então, todo mundo tem direito a um serviço policial humano, que não arrombe sua porta, e te mate, e/ou coloque em risco sua vida com conflitos bélicos nas ruas de seu bairro, certo?

    Mas quem tem direito a tal garantia constitucional?

    De fato?

    Os moradores da favela?

    Uau, mas a CRFB não nos diz “iguais” (isonomicamente) perante a lei?

    Ah, você caiu no truque ideológico do capitalismo: o formalismo normativo da igualdade.

    Rsrsrsrsrs. Pobre alma.

    Sem descriminalização da venda de drogas, com a transformação de trabalhadores ilegais (às vezes, armados) em trabalhadores formais, os presídios, IMLs e cemitérios vão continuar cheios da mesma “carne mais barata do mercado”.

    A liberação de uso, sem liberar a venda, é como permitir o uso de carros e proibir sua fabricação e a venda de combustível.

    Aí sim, com essa esquizofrenia, os lucros ilegais vão crescer, como já crescem.

    Só que com o mesmo viés de sempre.

    Branco rico vai comprar droga, comprar a polícia, e usar.

    Pobres pretos e brancos vão comprar, e perder a droga (para polícia) e/ou a liberdade.

    That’s business.

    Vamos enfrentar esse debate como adultos, minha gente, por favor.

    1. Caraca! mto bem colocado!

      Enquanto lia o texto, pensei em uma coisa que todos nós já devemos saber: Enquanto a Extrema direita, apesar de um jeito meio lobotomizado, se posiciona de maneira contundente, os grupos mais a esquerda parecem ter medo de se posicionar!

      Tem que falar mesmo!! Só que existe um medo de ser rechaçado e no congresso, o mesmo acontece. Destacam-se Samias e Ericas, mas elas sozinhas – coitadas – temo não vou conseguir ir tão longe! A ala mais progressista está mais preocupado em se reeleger do que se posicionarem . O mesmo se repete em seus eleitores, de certa forma, por medo do retorno da extrema direita ao poder.
      A ironia é saber que essa inação ou esse debate fraco é justamente o que favorece o retorno de grupos como este ao cargo máximo do executivo.

  2. Por primeira vez hei de concordar com o manequim da Dorinhos quando ele diz ” não existe um inocente que compra drogas. ” Afirmação lógica e de clareza cristalina vem exibir toda a hipocrisia que reveste o assunto. Rico que compra droga para se “divertir” está sustentando traficante, já que o tráfico é rigorosamente proibido. Pobre que compra droga para se divertir, ou é burro, ou é doente. Se o cabra já é pobre, se droga custa caro e ele mal ganha pra comer, se o consumo não só é proibido por lei como é severamente punido, vai comprar droga pra que e de quem? Então essa alegação de que pobre e preto é sempre o coitadinho que vai preso com uma porção ínfima de droga é apropriação da desgraça do pobre viciado pelo rico, para que este possa comprar mais droga impunemente- ele seria o riquinho consumidor “inocente” – e quem sabe um grande traficante.

  3. “Congresso atende aos interesses do crime organizado ao proibir porte de drogas”
    Pera lá, quando o Senado sai votando o quinquênio para funcionários do judiciário e carreiras afim não está atendendo a interesses do crime organizado?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador