Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Discurso de Lula: enfim um rumo, por Aldo Fornazieri

Na ação política, conteúdo e forma precisam combinar para gerar uma sinergia produtiva e profícua. No discurso, Lula foi capaz de gerar essa combinação

Ricardo Stuckert

Discurso de Lula: enfim um rumo

por Aldo Fornazieri

Os discursos de Lula e de Alckmin na formalização da chapa, no último sábado, sinalizaram o conteúdo programático geral que deverá ser desenvolvido e defendido durante a campanha. Tanto o evento, quanto o conteúdo dos discursos foram alentadores, pois podem representar o início efetivo de uma campanha que não tem o direito de cometer erros.

Um início que significa também a saída de Lula do campo minado que estava armando para si mesmo, com uma série de declarações confusas que geraram repercussões negativas e produziram uma série de preocupações. Aparentemente Lula e a direção da campanha perceberam com rapidez que era preciso sair desse campo minado, apresentar um conteúdo mais assertivo e menos genérico. O discurso genérico nessa campanha é altamente perigoso. Todo discurso genérico se presta a interpretações e as interpretações formam a cultura levada para a estufa onde são criadas as distorções, as mentiras e as fake News.

Esta campanha, pelo seu significado e pelos perigos que o momento histórico representa para o Brasil, não comporta amadorismo, nem arrogância e nem triunfalismo. Em que pese a distância significativa que as simulações de segundo turno indicam, nenhuma disputa eleitoral pode se considerar vitoriosa antes da contagem dos votos. Nenhum candidato deve ter a presunção de se sentar na cadeira antes da consagração da vitória.

A conjuntura é favorável a uma vitória de Lula. Mas a disputa será difícil. E se a fortuna parece sorrir mais uma vez a Lula ele só terá a deusa nos braços se for virtuoso, se for astucioso e se conduzir a nau da campanha com maestria. É preciso considerar que é comum os ventos das campanhas mudarem de direção e que os imprevistos, os eventos contingentes estão sempre acompanhando as ações e os atores políticos.

Não se sabe ainda, por exemplo, qual será a estratégia de campanha de Bolsonaro. Não se sabe ainda quais as ferramentas de maldade que utilizará, com que naves pulverizará sobre as pessoas o ódio, a mentira e a desinformação. Não se sabe que efeitos esses afetos malignos produzirão nas mentes e nas escolhas das pessoas. O que se sabe é que muitas pessoas se deixam atrair por esses afetos.

Os que estão fora das campanhas e dos partidos também não sabem se o PT e Lula se prepararam, desde a experiência de 2018, para enfrentar essa máquina do ódio e se constituíram saberes, práticas e técnicas capazes de participar com êxito da guerra digital. Existem dúvidas e temores a esse respeito. Durante a campanha, o PT terá que provar que aprendeu com a derrota.

Não se sabe também com quais estratégias Ciro Gomes e os candidatos da chamada terceira via disputarão as eleições e quais os efeitos que elas produzirão sobre as intenções de voto. Seria presunçoso supor que eles permanecerão quase na estaca zero. Assim, se a análise de conjuntura e do cenário pode agregar uma série de informações e de tendências, uma estratégia que se prese precisa ser permanentemente calibrada pela evolução dos acontecimentos, pelas mudanças e pela intervenção dos incidentes e dos imprevistos que costumam ocorrer nas disputas políticas em geral e nas disputas eleitorais em particular.

Na ação política, conteúdo e forma precisam combinar para gerar uma sinergia produtiva e profícua. No discurso, Lula foi capaz de gerar essa combinação, algo que nas campanhas do passado ele foi mestre, mas que não se via nesta pré-campanha. Com efeito, em alguns eventos e discursos que vieram a público, Lula parecia mais o irado que Jeová entrincheirado no Monte Sinai a expelir colunas de fumaça e fogo de sua voz. Forçava a voz, assim como Alckmin a forçou naquele evento com os sindicalistas. Nem o conteúdo e nem a forma soavam agradáveis ao eleitor em geral.

Agora não. Lula foi a face e o verbo da serenidade.  Lula lembrou as injustiças de que foi vítima, mas não expressou nem sentimentos de rancor e nem de ódio. A história, os tribunais e a ONU já fizeram justiça ao injustiçado. Em parte, já fizeram justiça também aos algozes, pois estes saíram derrotados. Então Lula está correto em apresentar-se como alguém que tem o coração pacificado, que tem a serenidade dos justos.

Esta serenidade, contudo, não é indiferença. Cabe nela a justa indignação. Lula acertou também neste ponto em dois momentos altos do discurso. Um, no começo, quando Lula se referiu às dores, aos sofrimentos e tribulações do povo. A compaixão para com aqueles que mais sofrem é o ponto de partida de todo líder autêntico. Lula sempre teve isto na alma, pois ele era e é esse povo, mesmo não estando mais na condição de um atribulado pelas necessidades imediatas da vida. Esta capacidade de se emocionar e de emocionar é um dos grandes diferenciais persuasivos de Lula em relação a outros líderes. E esta emoção, tal como Lula a expressa, é também uma forma de indignação.

O outro momento foi no final, quando Lula confrontou as ameaças, as suspeições absurdas, as brigas intermináveis e as mentiras diárias de Bolsonaro. Não é este o papel de um presidente. O presidente precisa conduzir o país com calma, com união, com democracia.

O Brasil precisa de um líder equilibrado, sereno e competente para que possa superar a fome e a pobreza, para que possa sair da crise, para que possa caminhar para o crescimento e o desenvolvimento, para que consiga iniciar a transição ambiental. O Brasil precisa de um líder democrático, que respeite a Constituição e que garanta a normalidade.

Aqui a indignação apareceu veemente e justa, mas também serena. Lula não pode e nem deve ser o “Lulinha paz e amor”. Nesse momento, o Brasil não comporta esse tipo de líder. O Brasil precisa de um líder comprometido com os que mais sofrem, um líder indignado com as injustiças sociais e com os desmandos de um governo criminoso, mas um líder sereno e competente para retirar o país do abismo e do atoleiro, para restaurar a normalidade democrática, unir e conduzir o país e o povo com firmeza, coragem e sem medo.

Este líder não pode colocar-se no mesmo patamar de Bolsonaro. Não pode rebaixar-se à arruaça política de um delinquente. Este líder precisa afirmar sua autoridade pela grandeza da missão e pela consciência de que sua ação pastoral é decisiva para tirar o país do abismo e dos perigos em que está imerso.

Somente um líder com esta autoridade será capaz de reconduzir o Brasil no sentido da civilidade, da humanidade, da democracia, da Constituição. E por estar comprometido com o valor que define a autenticidade histórica do líder – a compaixão para com os que mais sofrem – Lula é o líder que melhor pode agir para restaurar, de forma prática, os princípios da liberdade, da justiça e da igualdade.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).

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1 Comentário

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  1. “A história, os tribunais e a ONU já fizeram justiça ao injustiçado. Em parte, já fizeram justiça também aos algozes, pois estes saíram derrotados.”
    Discordo que os algozes sofreram qualquer arranhão. Quem sofreu uns poucos arranhões foram os soldados do crime; os criminosos, mandantes estão cada vez mais ricos com o crime executado.

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