Voto útil para quem?
por Gunter Zibell
Agora que questionamos as pesquisas de véspera, devemos nos perguntar: Mas não foi sempre assim?
Em qualquer eleição é comum candidatos nos 3 primeiros lugares pedirem por voto útil. Em geral quem está na frente em seu campo político cresce e as candidaturas secundárias desidratam. Mas, como numa gincana, em geral os partidários do campo que estiver em 2º lugar são mais entusiasmados. No mínimo para tentar reduzir a distância.
Isso pôde ser visto nas eleições de 2016 e 2020 nos EUA, e em anos recentes na Argentina (2019), Chile (2021) e Colômbia (2022). E na França (2022), num raro caso de haver sólido campo ao centro.
Embora apenas Trump tenha conseguido “virar” (e por décimos em poucos estados onde concentrou sua campanha), em todos esses casos o gap nas urnas foi menor que o projetado por pesquisas de véspera. Não foi em relação às pesquisas recentes, mas Kast conseguiu passar Boric, que até uma semana antes liderava.
Mas há outro fator além do empenho do 2º (às vezes 3º, como na Colômbia e França): em eleições nacionais o processo tende a favorecer o candidato viável mais à direita.
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Pode haver várias explicações para isso: receio do eleitor médio em facilitar vitória imediata para campo social-democrata ou trabalhista, efeito cumulativo de demonizações na mídia, maior disponibilidade de verba para propaganda por doadores privados, recurso a fake news em redes sociais.
(Obs.: nos EUA o partido Democrata é o preferido da mídia e o que mais angaria doações, mas isso nem sempre é o suficiente para contrapôr o “bombardeio” conservador em redes sociais.)
Ficando no Brasil, o que vimos nas últimas seis eleições é que sempre o candidato que não fosse do PT foi mais favorecido na corrida pelo voto útil. Mesmo em 2018, quando Haddad passou de 25% (Datafolha de 06/10) para 29,3% (urnas), Bolsonaro cresceu ainda mais, indo de 40% para 46%.
Este ano Lula perdeu 2,1 pp em relação ao previsto. Ou seja, não só não se aproveitou de possível voto útil nos últimos dias como parece ter perdido. Mas, tirando 2018 (quando Haddad recebeu votos de Ciro, Boulos, Marina), isso ocorreu em todos os demais embates.
Lula “perdeu” 1,6 pp em 2002 e 1,9 pp em 2006. Dilma “perdeu” 3,1 pp em 2010 e 2,4 pp em 2014. E mesmo em 2018, se tomarmos a soma Haddad+Ciro+Boulos+Marina houve uma perda líquida de 0,7 pp.
Para a repetição desse fenômeno há duas explicações mais correntes: as pesquisas subestimam o “eleitor envergonhado” (que tende a ser o mais conservador, dado o discurso potencialmente antissocial ou anacrônico) e/ou há uma tendência maior à abstenção nos estratos inferiores de renda.
Mas em 2022 a diferença de gap entre 1º e 2º caiu muito, 9,5 pp (Lula menos Bolsonaro foi de 14,7% na Datafolha de véspera para 5,2% nas urnas). Isso também pode ser resultado do empenho nas redes sociais, junto a outros fatores. Porque apesar de ser uma diferença elevada, também não é inédita. Aconteceu igual com Dilma x Aécio em 2014 (e em eleições estaduais do RJ e SP em 2018 e 2022).
Tem casos em que a gincana pelo voto útil favorece o PT (ou centro-esquerda)? Sim. Por exemplo a eleição de Erundina em 1988 e de Jacques Wagner em 2006. Mas parecem ser mais exceções que regra, pelo menos em primeiros turnos. Em segundos turnos pode ser que haja algum efeito na busca de virada de voto ou de converter em úteis potenciais votos nulos e brancos. A pesquisar.
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