A disputa pela prefeitura de Macapá em 2024: o sucesso da construção de um outsider, por Ivan Henrique de Mattos e Silva

Embora as variáveis explicativas sejam múltiplas, há, pelo menos, quatro fatores combinados que podem ajudar a compreender o cenário.

A disputa pela prefeitura de Macapá em 2024: o sucesso da construção de um outsider

por Ivan Henrique de Mattos e Silva

Segundo a pesquisa eleitoral realizada pela Quaest em Macapá entre 23 e 25 de agosto, o prefeito Dr. Furlan (MDB) possui 91% das intenções de voto rumo à reeleição no primeiro turno das eleições deste ano. Para fins de comparação, Aline Gurgel (Republicanos), Patrícia Ferraz (PSDB) e Gilvam Borges (Avante) estão empatados com apenas 2% cada um. Os demais dados da pesquisa tornam ainda mais impressionante o cenário eleitoral na capital amapaense: na pesquisa espontânea, ou seja, quando não são apresentados os nomes dos candidatos e candidatas, Furlan alcança 69% das intenções de voto, seguido por Aline Gurgel com 1% (a única, entre os demais candidatos e candidatas, que pontuou nesse caso); e, quando questionadas a respeito da avaliação do governo de Dr. Furlan à frente da prefeitura de Macapá, 96% das pessoas disseram avaliar positivamente sua gestão, enquanto apenas 4% responderam avaliar de maneira regular, e as respostas negativas sequer chegaram a 1%. Quais as possíveis razões para uma vantagem tão expressiva? Embora as variáveis explicativas sejam múltiplas, há, pelo menos, quatro fatores combinados que podem ajudar a compreender esse cenário.

Antônio Furlan nasceu na Costa Rica, em 1973. Médico cardiologista, iniciou sua trajetória política no Amapá em 2010, quando concorreu, pela primeira vez, ao cargo de deputado estadual pelo PTB. Embora não tenha sido eleito, ficou na condição de suplente, e, com o falecimento do deputado Ocivaldo Serique Gato (PTB), assumiu uma cadeira na Assembleia Legislativa do Amapá (ALAP) em 2013, e, em seguida, conseguiu se eleger por duas vezes para a ALAP, em 2014 e 2018. Dentro da ALAP, Dr. Furlan foi nomeado líder do governo de Waldez Góes (PDT) em 2016, embora tenha, posteriormente, rompido com ele.

Eleito prefeito de Macapá em 2020, pelo Cidadania, Dr. Furlan foi o protagonista de uma eleição bastante sui generis: disputa eleitoral se deu não apenas em meio a uma das piores fases da pandemia de COVID-19 no Amapá, como esteve envolta, ainda, com o drama do apagão que atingiu o estado por 22 dias. Inicialmente figurando na terceira posição em todas as pesquisas de intenção de voto – atrás tanto de Josiel Alcolumbre (União Brasil) quanto de João Capiberibe (PSB), duas figuras vinculadas a importantes dinastias políticas amapaenses –, Dr. Furlan foi paulatinamente crescendo nas intenções de voto, tanto mobilizando o desgaste das principais figuras políticas do Amapá durante o apagão, quanto emulando uma identificação discursiva e semântica com o bolsonarismo (vitorioso no Amapá e em Macapá em 2018 e em 2022).

Aqui se situa o primeiro desses possíveis fatores que contribuem para o seu sucesso eleitoral: o desgaste das principais dinastias políticas amapaenses – especialmente, as famílias Capiberibe (PSB), Góes (PDT) e Alcolumbre (União Brasil) –, potencializado pelo drama sanitário, humano e social causado pela combinação de uma fase aguda da pandemia e um apagão. Embora Furlan tenha sido deputado estadual por três vezes, e tenha sido, inclusive, líder do governo de Waldez Góes, o atual prefeito de Macapá conseguiu ensejar a imagem de outsider, em luta contra a política tradicional no estado.

O segundo fator está ligado ao seu esforço de afastar a sua campanha de qualquer perspectiva de nacionalização da disputa: embora tenha apoiado efusivamente a candidatura de Jair Bolsonaro em 2018, e tenha mobilizado, mesmo que com menor entusiasmo e maior discrição, certa imagética bolsonarista na disputa de 2020 (o que, certamente, funcionou como trunfo eleitoral em um município que deu vitória ao Bolsonaro tanto em 2018 quanto em 2022), os altos índices de aprovação de sua gestão viabilizaram um afastamento seguro de qualquer ônus advindo de um posicionamento claro quanto ao cenário nacional em um país e uma cidade polarizados.

O terceiro fator é uma série de obras públicas que revitalizaram parte significativa da cidade, sobretudo espaços coletivos como praças, parques e a própria orla do rio Amazonas. Merece destaque a reestruturação completa da área onde está situado o monumento do Marco Zero do Equador – antes bastante deteriorado e simples –, que agora conta, inclusive, com calçadas e grandes esculturas que fazem alusão à formação multicultural do município e do próprio estado, além de uma estrutura aquática pública, compondo o Parque do Meio do Mundo.

O quarto e último fator é a capacidade midiática e comunicativa de Furlan: desde sua aparição, debaixo de chuva, junto à população, vistoriando os estragos de alagamentos, passando por seu amplo uso das redes sociais com dancinhas e vídeos curtos, até a realização de vários shows gratuitos de bandas nacionais, em que ele mesmo aparece, por vezes, cantando e dançando no palco, tornaram o prefeito um sucesso de comunicação social, permitindo a ele manter a imagem de um outsider a despeito de seus vínculos históricos com as principais dinastias políticas amapaenses e de seu trânsito ideológico ao sabor das circunstâncias.

Embora ainda falte um mês até a eleição – o que, sobretudo no tempo da política, torna possíveis eventuais alterações significativas nas fotografias capturadas pelas pesquisas eleitorais –, nada indica que o cenário da capital amapaense vá mudar. Se o quadro se confirmar, não apenas Furlan será reeleito com uma votação recorde, mas será, também, alçado automaticamente a virtual concorrente direto do atual governador Clécio Luís (Solidariedade) para as eleições de 2026, aprofundando, assim, a trajetória de conversão à direita do padrão de voto no estado desde 2010.

Ivan Henrique de Mattos e Silva é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Amapá, vice-coordenador geral do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal – LEGAL; e líder do Grupo de Pesquisa Direitos Sociais, Cultura e Cidadania – CNPq/UNIFAP.

Este artigo é parte das análises produzidas pelo Observatório das Eleições 2024, iniciativa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT IDDC).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador