
NO DEBATE DA BAND, NÃO HÁ VENCEDORES; MAS O CINISMO BOLSONARISTA MARCA ESPAÇO
por Eliara Santana
O cinismo é uma escola que vem marcando terreno no Brasil desde o imeachment contra Dilma Rousseff – recomendo que vejam videos de Olavão, assistam às interferências de Kim Kataguiri ainda no MBL, vejam o padre Kelmon, leiam a cartilha de Bannon –, e os cínicos são bem treinados para desestabilizarem seu oponente. E isso foi exatamente o que vimos no debate de domingo (16/10), promovido pela Band, jornal Folha de São Paulo e Uol. É certo que o debate político no Brasil foi encarcerado pelo vírus do bolsonarismo, que interdita qualquer conversa possível sobre qualquer assunto. Portanto, não é fácil, para uma pessoa com a estatura política de Lula, ter de se submeter a um cínico e mentiroso contumaz como Jair Bolsonaro. Que não debate e não discute, simplesmente porque não tem o que dizer, mas sabe bem como provocar, pois é aético e amoral. A escolha de Sergio Moro – o ex-juiz que dispensa comentários – para estar no debate é visivelmente um ato para desestabilizar Lula.
Entretanto, infelizmente, esse é o jogo, e como temos mais dois debates pela frente, é importante que isso esteja claro.
Vamos a algumas percepções sobre o primeiro debate do segundo turno.
LULA GANHA AO PAUTAR TEMAS NACIONAIS, MAS PERDE AO NÃO ENCURRALAR JAIR
Lula começou muito bem o debate – estava assertivo, caminhando pelo cenário, dialogando com os telespectadores, falou de propostas, do PAC, de manter o planejamento para realizar as coisas prometidas. E questionou Bolsonaro, na primeira pergunta, sobre educação – uma pergunta direta indagando quantas universidades o governo dele havia feito. Foi uma colocação muito boa, mas que poderia ter se desdobrado, por exemplo, no corte drástico nos recursos das universidades ou na dança dos ministros da Educação. Lula ainda arrematou falando em trazer o povo pobre, em gerar mais empregos, problematizando questões importantes para o país.
Mas foi perdendo o foco ao longo do debate e, no último bloco, novamente de confronto entre os dois, Lula não foi bem e caiu nas provocações de Bolsonaro – de fato, qualquer um com um mínimo de decência e comportamento ético iria perder as estribeiras; para alguém como Lula, que saiu do Nordeste num pau de arara, que teve de se impor no Sudeste eivado de preconceitos, que passou muito perrengues na vida, que viu sua vida e a carreira política serem quase destruídas pela ação de um alguém como Sergio Moro, é muito difícil mesmo lidar com o cinismo provocador de um deputado baixo clero e ligado à milícia feito Bolsonaro. É desafiador, Lula tem 75 anos, foi esculhambado pela Lava Jato, ficou preso por 580 dias.
Repito, não é fácil. Mas é necessário que as táticas de provocação estejam claras e que seja possível não ceder a elas. Porque o ex-presidente, de fato, não responde bem ao tema corrupção e fica acuado quando é esse o assunto – acho que é mesmo algo da ordem do individual, de alguém que tem origem mais pobre e que não lida com o fato de ser chamado do “ladrão” por um indivíduo como Bolsonaro.
Outro aspecto que precisa vir à pauta é a colocação de temas devastadores para Bolsonaro. Lula foi muito bem, por exemplo, ao jogar no colo de Jair a questão de Marielle, ao falar que os bandidos não estão nas favelas, ao falar da picanha e do churrasquinho, ao insistir nos números da pandemia (que eu acho que poderiam ser mais bem explorados). Mas ele não traz e não trouxe, enfaticamente, questões que poderiam desarticular Bolsonaro – como a questão dos 51 imóveis comprados com dinheiro vivo, por exemplo (o tema apareceu rapidamente, ao final, e num direito de resposta de Lula).E eles precisam estar nos debates, precisam ser colocados, pontuados, mostrados em números e artigos de jornal. Por fim, não dá para agastar tempo – e Lula se embolou todo e acabou deixando Bolsonaro falando sozinho por cinco minutos – com assuntos como Daniel Ortega e Venezuela, basta dar uma resposta protocolar do tipo “esse assunto não interessa aos brasileiros, e os países são soberanos para resolverem seus problemas” e partir pra um questionamento pesado conta Bolsonaro.
BOLSONARO PROVOCA E MENTE; MENTE E PROVOCA
Tive a expectativa de que o escândalo do “pintou um clima” iria deixar Bolsonaro mais desestabilizado. No entanto, não foi o que ocorreu – ainda mais depois da decisão do ministro Alexandre de Moraes de proibir a divulgação do vídeo. Ele estava preparado, muito bem preparado, e avançou muito no cinismo para provocar Lula. E conseguiu em muitos momentos, não há dúvida. Jair Bolsonaro não discute temas ou propostas, ele apenas vomita números ensandecidos e mente sobre todos os assuntos. Além disso, está bastante poderoso na arte de provocar para tirar o adversário do sério – e provocar não a partir de perguntas sobre temas nacionais que interessam, mas no jogo baixo. Em todos os momentos do debate e em todas as perguntas – tanto no confronto direto entre os candidatos quanto no momento das perguntas dos jornalistas – ele colocou insinuações de que Lula é ladrão. É evidente que esse tipo de jogada mexe com uma pessoa ética como Lula, que amargou 580 dias na prisão por causa de acusações infundadas e armações políticas e jurídicas para bani-lo da cena política nacional.
Para além do cinismo, Jair Bolsonaro abusou daquilo que ele faz melhor, que é mentir. Mentiu descaradamente o tempo todo, levou as fake news costumeiras para o debate – teve a pachorra de falar que Lula vai fechar igrejas –, usou e abusou de números fantasiosos. Não tem o menor pudor, e não podemos esperar que ele o tenha. Bolsonaro fugiu de todas as perguntas, sem o menor problema – seu objetivo no debate era provocar Lula com a questão da corrupção, que é uma de suas bandeiras; a outra, a pauta moral, ficou resolvida com a decisão de Alexandre de Moraes de proibir a divulgação do vídeo “pintou um clima”. O que vemos de bom nesse cenário é que ele não tem condições de avançar, evoluir – Bolsonaro só diz frases curtas, bem curtas, ele não consegue tecer um raciocínio, não consegue elaborar argumentativamente qualquer questão; Bolsonaro somente se ancora em mentiras de efeito rápido, ditas assim como se ele vomitasse; ele é raso, primário, despreparado, um néscio completo, engana. Sobretudo, é prepotente e cínico, aético e amoral, e sabe usar a seu favor essas prerrogativas – o gesto de tocar no ombro de Lula com um sorriso cínico no rosto não é aleatório, faz parte dessa construção e visa a desestabilizar emocionalmente, provocando raiva, o oponente. Mas, no debate, falou prioritariamente para a bolha – não avançou em anda, não propôs nada e, portanto, não acredito que tenha conseguido votos com a postura cínica.

JORNALISMO AINDA ESTÁ NA ERA DOS DEBATES LULA X FHC
O jornalismo brasileiro, em sua falácia de isonomia e equivalência (falsa) entre candidatos, consegue dar munição para potencializar todo o perigo da extrema-direita.
Vou atenuar um pouquinho considerando talvez que o engessamento das perguntas se deveu também ao fato de o debate ser numa emissora “amiga”. Mas nada disso justifica o tipo das perguntas feitas.
A imprensa não pode continuar a naturalizar absurdos. Não pode tratar um debate desses como se estivesse fazendo perguntas para os debates entre Lula e FHC, Lula e Alckmin, Dilma e Serra. Jair Bolsonaro não é esse candidato, nunca foi. Ele é um candidato-presidente de extrema-direita, cínico e provocador, disseminador de fake news, em quem nada cola. Perguntar a Bolsonaro o que ele pretende fazer em relação a fake news me parece no mínimo inocente. Não dá para buscar essa falsa imparcialidade – os candidatos não são equivalentes, não estão no mesmo espectro do campo democrático. Esta eleição é definidora da sobrevivência democrática no Brasil. E me espanta que, depois de tudo, a imprensa ainda trate Bolsonaro como um candidato normal num cenário normal. Não é, de uma vez por todas.
O MOMENTO MAIS NAUSEANTE ESTAVA NOS BASTIDORES
Sem dúvida nenhuma, a cena mais nauseante do primeiro debate foi Sérgio Moro ao ladinho de Jair Bolsonaro. A entrevista dos dois em conjunto e as conversas para abordar o tema corrupção somente confirmam o quanto Sérgio Moro é uma figura desprezível, sem nenhum brio.

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O Brasil colhe o resultado do que plantou, no mundo civilizado não dá pra parecer. É impossível ser levado a sério com o desprezo a isso que é chamado de democracia no País. A destruição das instituições pelo mau uso por ocupantes que se fizeram maiores que elas foi levando-as ao completo descrédito e uma absoluta desconfiança por parte da sociedade. Tudo acaba se tornando um jogo de cena, com baixa credibilidade. O lugar é sempre um local a ser explorado por todos os que se sentem em condições pra isso. Olhado como um conjunto organizado e confiável para manter-se boas e cordatas relações, reflete esse estado de calamidade em que se encontram as relações institucionais do País. O barril de pólvora em que se encontra o mundo, com o acirramento das tensões alimentadas por vários interesses, eleva grandemente a necessidade por parceiros confiáveis. Esse descompromisso do País em relação a si mesmo, em evoluir para uma sociedade num estágio mais avançado de civilização, que seja sério e consistente; precisa não de uma violência coercitiva, mas sim de credibilidade como uma sociedade capaz de ter e manter-se social, jurídica, administrativamente organizada. Esse debate sem discussão do que interessa ao presente imediato e ao futuro do País, com ofensas pessoais e ataques morais é um retrato do que o Brasil é nesse momento. Caso houvesse outra situação a conversa seria diferente e todos veriam propostas aos desafios do País.