O fim da Nova República, por Leonardo Avritzer
A aprovação da admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff marca o fim da “Nova República”, o nome que caracterizou o período entre 1985-2016. A nova república foi, ao mesmo tempo, uma coalizão social e uma forma de organização das instituições políticas brasileiras.
Enquanto coalizão social, a nova república teve três características: a primeira delas foi um certo progressivismo de um centro político muito bem representado pelo PMDB. O PMDB é um dos partidos centrais da organização política brasileira porque foi ele, ao longo da luta pela democratização do país, que gerou um discurso de inclusão social aceito pelas forças do centro. Neste sentido, a nova República foi criada pelo PMDB em 1985-86 e, provavelmente, extinta na última quinta feira pelo mesmo PMDB. O segundo elemento da nova república, foi uma certa neutralidade dos setores conservadores ou da direita em relação a uma agenda progressista que permitiu que fosse cunhada em relação a direita brasileira, o termo “ashamed right”, uma direita envergonhada que não se expressava na luta política. Nunca deixou de haver uma direita ou forças conservadores fortes no Brasil, mas elas foram neutralizadas durante um certo período por uma certa agenda de inclusão social apoiada pelo centro. Em terceiro lugar, na nova república estabeleceu-se uma agenda progressista que foi se tornando hegemônica na última década e que produziu esse enorme processo de inclusão social que vigiu até 2014.
As instituições políticas que foram construídas de 1988 até agora puderam ser exitosas porque operaram no pano de fundo do pacto acima descrito. O arranjo institucional da nova república pode ser descrito como um equilíbrio entre um executivo ativo e um judiciário com fortes prerrogativas. O executivo ou a presidência é a instituição que toca o país, organiza a economia e propõe legislação, até mesmo ordinária. Por mais que este papel possa parecer excessivo, é ele que confere estabilidade institucional e gera governabilidade. Foi o executivo quem esteve no centro do arranjo político da nova república, sempre com propostas progressistas, como a estabilização da moeda e a redução da desigualdade. Essas propostas surgiram e foram implementadas a partir do poder executivo. A profundidade da crise brasileira, neste momento, está ligada à profunda desvalorização sofrida pela presidência. Essa desvalorização está ligada à maneira como pacto acima descrito se rompeu. Ele se rompeu por meio de uma degradação da relação entre executivo e legislativo da qual Eduardo Cunha foi a maior expressão, mas que desgastou fortemente a presidência. Foi o enfraquecimento da presidência que colocou o Brasil no caminho ladeira abaixo.
A segunda instituição que vale a pena analisar é o Supremo Tribunal Federal. O Supremo teve suas prerrogativas fortalecidas pela constituição de 1988 que ampliou os legitimados para propor ADINs, além de fortalecer o seu papel de corte revisora e de foro especial. Com todas essas novas prerrogativas, o STF conseguiu se fortalecer como poder, avançou sobre o poder legislativo em relação ao qual começou a exercer forte interferência, como foi o caso na declaração de inconstitucionalidade da cláusula de barreira, além da intervenção em diversas discussões procedimentais na câmara e no senado. O STF conseguiu aumentar as suas prerrogativas ao longo do período 1988-2016 porque ele atuou reconhecendo direitos e corroborando as principais políticas sociais tendo como pano de fundo o grande pacto político da Nova República. Não por acaso, vemos o STF partidarizado e deslegitimado nesta crise. Tal fato se explica, pela dissolução de uma base consensual em relação às políticas públicas e ao próprio exercício do governo. Dissolvida essa base, o STF assumiu uma forma paradoxal nesta crise. Algumas das suas decisões desconsideram a forma e outras desconsideram o conteúdo. E um ministro, Gilmar Mendes, nem precisou desvestir a toga para entrar no debate político. O caminho tomado pelo STF é o da mesma degradação das outras instituições.
Esta crise, que conduziu ao final da nova república, implicou antes de tudo em uma mudança de posição do PMDB. Não sou um defensor da tese do peemedebismo defendida por Marcos Nobre. Para ele, o chamado peemedebismo, que constitui tanto um conceito quanto um fenômeno empírico, tem a sua origem na eleição para o Congresso Constituinte em 1986. Naquela eleição, ocorrida durante o Plano Cruzado, o PMDB teve o seu melhor resultado e elegeu todos os governadores, com exceção do estado de Sergipe, bem como 260 deputados constituintes. A vitória do PMDB em 1986 seria a melhor expressão da sua marca no sistema político existente no país após 1988, mas também seria a marca dos problemas do peemedebismo. De um lado, o partido alcançou a maioria absoluta no Congresso Constituinte, de outro, sua vitória significou a primeira expressão de que maiorias conservadoras no Congresso não são capazes de provocar mudanças. Com a emergência do centrão e a continuidade da organização do sistema político aprovada pela Constituinte passamos a ter um novo pacto com fortes elementos de conservadores, segundo a tese do peemedebismo.
Faço um balanço diferente em relação ao PMDB que saiu do processo de democratização. Em primeiro lugar, é difícil argumentar que o resultado da Constituinte foi homogeneamente conservador, tal como podemos notar mais claramente agora, momento no qual parece se dar uma forte re-organização do pacto conservador. O que saiu da constituinte foi um pacto centrista com elementos de conservação da ordem compatibilizados com elementos progressistas especialmente no campo dos direitos sociais. Esse acordo continuou valendo entre 1994 e 2016 e apenas se desfez nos últimos três anos, de 2013 para cá. Desde, então, o PMDB deixou de fazer parte de uma agenda centrista e, com isso, não há mais por parte das elites a contemporização com uma política expansionista do estado. Pelo contrário, tivemos a re-organização de uma direita conservadora no Brasil que se aliou ao PMDB. Ainda no dia 12 de maio foram extintos todos os ministérios da área de direitos, mulheres, igualdade racial e da agenda progressista da Constituinte, como o MDA, o Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Por que tal fato representa o fim da nova república? Em primeiro lugar, porque executivo e judiciário deixam de ser as forças principais do exercício do governo e o passamos a ter uma presidência “congressualizada”, com o perdão do neologismo. São as forças conservadoras do congresso nacional que assumiram a presidência na quinta feira. Por meio dessas forças, surge uma nova coalizão que vai tentar se firmar no poder com uma agenda diferente da agenda 1985-2016. Esta coalizão repete características do governo Collor: forte conservadorismo político com apoio do mercado para a realização de reformas econômicas conservadoras. Muito pouca ou nenhuma preocupação com a questão da redução da desigualdade. Será um período de neo-oligarquização da política, cujos primeiros indícios puderam ser vistos na própria cerimônia de posse de Michel Temer. Ministros sem comprometimento com qualquer agenda social ou outros comprometidos como uma agenda anti-social como é o caso do ministro da justiça e ex-secretário de segurança de Geraldo Alckmin, Alexandre de Moraes. O centro do projeto é um ajuste conservador do estado pedido pelo mercado financeiro. Este período terá fôlego para impor um novo projeto político e econômico ao país? Acho difícil responder, ainda que é difícil ver aquele ministério de homens brancos e com negócios políticos duvidosos, sem nenhuma representação de mulheres, negros, indígenas como representativo do país. Mas, se ele prevalecer, já não estaremos mais na nova república porque o papel do centro de incorporar um projeto de país baseado na inclusão social terá deixado de existir.
Resta discutir o papel do P.T. e das demais forças de esquerda. Não tem como o P.T. conservar a hegemonia sobre o campo de esquerda que ele teve ao longo de todo este período. A adesão a um esquema ilegal de financiamento de campanha com base em recursos públicos maculou o projeto político que necessita de uma forte reconfiguração. Ao mesmo tempo, o P.T. perdeu liderança para outros partidos de esquerda na câmara, devido à baixa qualidade da sua representação política que é também um sinal da deterioração da sua capacidade de representar bem as forças de esquerda no país. PC do B e PSOL, com Jandira Feghali e Jean Wyllys exerceram papel mais relevante do que a bancada do P.T. durante o processo de impeachment. Tudo isso aponta na direção de um novo projeto de esquerda com novas representações, tanto político/sociais quanto eleitorais. De qualquer maneira, o projeto de uma nova frente de esquerda aponta na direção, quem sabe, de uma novíssima república. De todos os modos, a nova república acabou porque estes projetos já não terão como parâmetro os consensos formados durante a democratização que se dissolveram neste último período. Ou voltaremos à república velha com Temer e seu ministério de notáveis imperceptíveis ou teremos que ter a força de criar uma novíssima república com aqueles que continuam comprometidos com a herança política e social da Constituição de 1988.
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A referencia da
A referencia da historiografia francesa é mais precisa ao numerar os regimes, a Republica de 1988 seria a 5ª Republica brasileira, considerando a de 1891 a Primeira, a da Revolução de 1930 a 2ª, a da Constituição de 1946 a 3ª, a do Governo Militar a 4ª e a de 1988 a 5ª.
A marcação historica se refere a REGIMES espeificos com novas constituições e não à simples troca de governo, portanto continuamos na Republica de 1988, a Constituição é a mesma, não houve troca de regime.
André, ainda não houve
Pelo jeitão do novo governo, mudar o regime não parece uma ideia tão esdrúxula.
Enquanto os jovens e as mulheres protestam pelas ruas, vamos ver o tamanho do estrago que esse novo governo promoverá, especialmente na Constituição de 88.
Democráticos, já vimos que os novos senhores da Esplanada não são.
Minha esperança é que o novo governo caia a tempo de não cagar em tudo.
Isso acontece com clareza em
Isso acontece com clareza em países como Brasil ou França que passaram por multiplos regimes. Países como os Estados Unidos que se mantem numa única constituição (embora com LARGAS e profundas mudanças institucionais) também tem em sua historiografia mecanismos de definição. Lá se fala dos “party systems”, que explicam mudanças nas configurações das forças políticas nacionais.
Hoje em dia existe por exemplo uma grande discussão se o sistema político atual dos EUA pode ser ainda explicado pelo chamado “fifth party system” que é unanimamente definido como tendo começado no landslide eleitoral do partido democrata com Roosevelt no New Deal. Entretanto as forças políticas mudaram completamente. O Sul que era historicamente democrata (uma vez que republicanos representavam as forças vencedoras da guerra civil do norte) fez uma mudança radical em termos partidários e se tornou a faixa central de apoio republicano.
Essas mudanças refletem visões diferentes da política dentro da própria sociedade e também formas diferentes de estrategizar a luta política. Ou seja, mesmo dentro de um mesmo “framework” constitucional, é difícil dizer que o arranjo institucional norte americano é o mesmo hoje que era em 1940.
Vale a reflexão
https://en.wikipedia.org/wiki/Fifth_Party_System
https://en.wikipedia.org/wiki/Sixth_Party_System
Otimo comentario, falemos
Otimo comentario, falemos então de “ciclos” de politica interna, a França teve DEZ regimes desde a Revolução de 1789. Inglaterra e EUA tiveram ciclos dentro do mesmo regime, que são mudanças menos marcantes porque não tem datas interruptivas. Não vejo na atual mudança de governo ainda um termo marcante pois haverá eleições regulares em 2016 e 2018, então o regime continua, como continuou após a renuncia de collor.
Evidentemente a narrativa de golpe é uma alegoria, no caso de um golpe o derrotado é preso, se exila ou pede asilo numa Embaixada, como foi o caso de Dom Pedro II, Washington Luis e João Goulart, no caso a “golpeada” continua em com plena liberdade de movimentos, em palacio presidencial, com todas as regalias e mordomias, isso não é o contexto de um
golpe através da Historia.
As “Republicas” de 1889 a 1988 teveram a intersecção de acontecimentos profundos, como a derrubada da Monarquia, a queda da aristocracia do café m 1930, a queda do poderosissimo ditador Vargas em 1945, a derrocada do regime democratico em 1964, a nova Constituição em 1988, agora não há nada alem de uma troca de palacios.
Eu acredito sim que estamos
Eu acredito sim que estamos vivendo um momento novo. Mas como toda questão histórica só se poderá precisar com distânciamento post-facto. Acho que se pode apontar algumas questões:
1) O próprio ordenamento constitucional vigente impede a declaração completa do programa de direita mais radical proposto por muitos atores políticos. Como eu gosto de brincar, a Constituição Brasileira de 1988 seria lida pelos republicanos americanos como “propaganda comunista”. Tendo esses movimentos muito mais em comum com essa direita de discurso (mas não prática) liberal e de conteúdo francamente não apenas conservador, mas francamente reacionário, isso será no futuro fonte de conflito.
O economista Mansueto de Almeida, pessoa séria, costuma dizer em seu blog que a questão fiscal é estrutural em relação a despesas contratadas constitucionalmente insuficientes com o padrão de taxação. Ele até hoje sempre abordou o contrato social explicitado pela constituição de 1988 como um dado, mas digamos que não é essa a reação normal nesse ambiente político.
Nesse sentido acho que o consenso político pós-ditadura explicitado na constituição de 1988 não existe mais. A direita envergonhada também era inconstitucional em seu programa. Perdeu a vergonha inclusive de propor a repactuação do próprio contrato social.
2) O enfraquecimento político do PT na dominância que tinha do âmbito da esquerda. Ainda é muito cedo para cantar em prosa e verso o fim do partido dos trabalhadores, concordo. Porém um partido que tem problemas estruturais para enfrentar (partidos trabalhistas no mundo todo tem que se virar com o chamado “fim do trabalho” que a desindustrialização tecnológica causa). Ao mesmo tempo estive numa manifestação anti-temer na última sexta feira, na cinelândia e não vi uma única bandeira do Partido dos Trabalhadores. A natureza detesta o vácuo e com certeza o espaço ideológico da esquerda será ocupado, caso realmente o PT não consiga mais ocupar esse espaço. Porém com certeza isso marcaria o fim de um ciclo.
3) O PSDB, o outro partido realmente programático eleitoralmente viável se tornar coadjuvante tanto pragmáticamente quanto programaticamente de um governo liderado pelo PMDB. Vemos os dois partidos “modernos” do país que antes se aliaram com a direita patrimonial para garantir a governabilidade assumirem espaço secundário diante da ocupação do governo central por essa direita patrimonial. A própria caracteristica modernizante do PSDB tem se perdido e cada vez menos se consegue perceber a diferença entre ele e o partido do qual saiu.
4) A ascensão do “populismo de direita” no âmbito mundial, com reflexos imediatos aqui. A agenda liberal (que as vezes se confunde nacionalmente com uma agenda de esquerda no plano da liberdade individual) também gera reações conservadoras atávicas. Isso simbolizado claramente nos movimentos politicos religiosos (deve-se lembrar que o PT é um partido essencialmente católico) e na acensão de figuras caricatas.
Ou seja, ainda é muito cedo para dizer se a república nova acabou ou não. O jogo ainda está sendo jogado, mas digamos que a nova republica parece estar na UTI. Vamos ver se ela vai sobreviver ou não.
Maravilhoso!
Material para post!
Otima discussao.
Se nao pegarem aqui vou pegar pro meu blog.
essa novíssima repúlica só
essa novíssima repúlica só pintará com novo pacto social e
se este governo golpista durar pouco…
Queda da Nova-velha República
Análise interessante. A nova-velha República caiu sim nestes trágicos dias de traição, vendilhões da Pátria ocupando os cargos em todos os poderes, entrega do Brasil de bandeja ao Grande Poder mundial. Sairá o Brasil incólume? Difícil prever. Mas com certeza muita coisa mudou no seio de uma população que adquiriu a noção de sua importância no xadrez nacional que o articulista não toca. Só fala dos partidos e dá o PT como agonizante. O que eu tenho observado nas ruas, nos meios de transporte, entre trabalhadores de diversos setores, ou seja, entre pessoas comuns, é que o PT deixou marcas profundas que direita nenhuma vai conseguir endireitar a não ser com muita repressão. Esperar para ver de onde e como vai surgir um outro Centro e uma Nova República.
Pelo fim da Nova República
Se podemos considerar a Nova República um regime, um ciclo político-econômico com sua própria coerência interna, é possível igualmente entender o golpe judiciário como a tentativa de recuperação dessa coerência político-institucional que foi colocada em xeque pelos governos Lula 2 e Dilma 1 e pelas incertezas oriundas do governo não iniciado (porque sabotado) e precocemente interrompido Dilma 2 e decorrentes da possibilidade real e efetiva de continuação do bloco de esquerda liderado pelo PT no poder – circunstância que poderia (porque vinha) combalir e erodir o regime que se perpetua ainda sob a etiqueta de Nova República.
Assim, contrariamente à excelente análise do competente professor e cientista político L. Avritzer, defendo a ideia de que o golpe consiste numa tentativa de continuidade, o velho “mudar tudo para não mudar nada” (que era, em verdade, o fundamental significado da Nova República), e não uma inflexão.
Enfim, restou para nós uma última e única tarefa: lutar pela redemocratização e pela democracia RADICAL e, assim, pelo sepultamento da persistente e duradoura Nova República.
Vamos à luta!
Resistência, Ruptura e Constituinte
A Nova República acabou. A Constituição de 88 foi rasgada.
A ruptura social e política é a oportunidade de uma verdadeira mudança no Brasil.
Defendo uma ação política para eliminar do governo a quadrilha que invadiu o Palácio do Planalto. Em seguida, instituir uma Assembléia Constituinte para redigir uma Nova Constituição.
Puxa!
Uma análise forte e consistente.
Não que eu queira defender a tese do Marcos Nobre, mas acho que há uma diferença fenomênica de objetos ao se tratar do PMDB, de um lado pelo Nobre e de outro pelo Avritzer.
A ideia do “peemedebismo” expressaria razoavelmente bem esse fenômeno do Centrão e sua permanência silenciosa, não necessariamente a de um PMDB que teria continuado sempre o mesmo como contingente político.
O PMDB da Constituinte não é o PMDB do ano seguinte. Aquele PMDB de 1986, de 260 deputados na Câmara, se cindiu logo em seguida, dando origem ao PSDB. Tanto que em 1990, a bancada do PMDB havia caído nominalmente para 108 deputados (menos da metade do mandato anterior) e a do PSDB somava 38. O grande feito coube ao PT, que cresceu de 16 para 35 deputados, enquanto a formação artificiosa que acompanhou o Collor (o PRN) fez 40 deputados, roubando cadeiras que, nominalmente, eram do PFL (hoje DEM).
A dança das cadeiras por sigla não expressa necessariamente mudanças ideológicas. Nesse sentido, para auferir essa outra clase de mudança, o nódulo problemático não é o PMDB, mas o PSDB e seu movimento da centro-esquerda para a direita!
Em termos gerais, eu concordaria com a conclusão do Fernando Limongi e da Argelina Fiqueiredo no artigo que publicaram na Dados de 1995, analisando o decênio anterior no Congresso: “Maiorias tendem a se formar a partir da coalizão de partidos que ocupam posições contíguas no ordenamento ideológico. Em uma palavra, o comportamento do plenário é previsível e consistente.”
É essa previsibilidade que permitiria encontrar o lugar do PMDB, no fim das contas, como o eixo gravitacional do Centrão, uma espécie de devir partidário que já estava anunciado.
Não sei se concordo com a ideia de fim da Nova República (ao menos tendo como marco o golpe branco contra o governo Dilma).
Tanto quanto transições, me parece igualmente produtivo (do ponto de vista analítico), ponderar as continuidades. Nesse sentido, como lembra o Gabriel Brito em outro artigo aqui reproduzido, mesmo com o esgotamento do ciclo do PT, no campo progressista o lulismo pode vir a continuar disputando espaço discursivo (em nome das suas conquistas cosméticas) com, por outro lado, o reconhecimento da sua insuficiência. E isso estará para as esquerdas como a relação PMDB-PSDB esteve para o centro/direita.
No movimento desse caleidoscópio político, PT e PMDB se reencontrariam em termos funcionais e relativos, na garantia da sobrevivência histórica e institucional do Centrão.
Ainda que esse “reencontro” pareça agora improvável na prática, ou seja, eleitoralmente, em termos relativos e lógicos ele poderia funcionar. Talvez esse, no fundo, fosse o grande projeto político do José Dirceu.
VARGAS 1954 – JANGO19 64 – DILMA 2016
GOLPE: A TRISTE SINA DOS GOVERNOS TRABALHISTAS NO BRASIL..
o regime político é fator importante para o golpe
O regime de governo, preservado em 88, com um referendo enfiado no meio para 1993, para que se mudasse de presidencialismo para parlamentarismo ( com a monarquia como simples fator formal) e cuja ideia de mudança foi rechaçada , é importante para o PSDB, que sempre se posicionou a favor de sua implantação, para o apoio ao golpe. Sabemos como funciona o parlamentarismo e imagino como seria utilizado em nosso país. Se em democracias européias, onde o governo não é tão forte como Espanha, Portugal e principalmente Itália, é a balburdia que é, imagine em nosso país. Um gabinete vai ser totalmente submisso a vontade do capital, do lobismo, do fisiologismo e demais ismos maléficos que nascem no seio de um péssimo parlamento como seria o daqui.
No entanto, este é o caminho exigido pelo PSDB ( exceto na época em que detinha o poder, lógico, pois aí o governo seria perfeito) .
A nova república , baseada em princípios de cidadania certamente seria ameaçada e, obviamente, poderiamos concluir que estava fadada ao seu fim.
Se mudado o regime, a Constituição Federal será mudada em sua essência, pois a implantação, modernização e manutenção de direitos essenciais ao cidadão ( principalmente aquele mais vulnerável) não vai ser observada, pois o parlamento é viciado e desonesto, além de descompromissado.
Enfim , a classe política brasileira , no geral, não tem estofo moral para ser parlamentarista e precisa ser freada em suas más intenções.
O freio estaria no Executivo e no Judiciário. O Judiciário foi cooptado pelo golpe e o Executivo foi tomado na mão grande.
A NOVA REPÚBLICA ACABOU PORQUE A POLÍTICA MORREU
Se a definição de política passa pela possibilidade do diálogo, com abertura para o convencimento, sobre as coisas relativas ao bem comum, a política enquanto tal nunca floreceu na Nova República. Não é necessário refazer aqui o restrospecto do que foi o embate político entre governo e oposição nos últimos anos e de como o movimento para dar fim à gestão petista teve início ainda na primeira administração de Lula. Basta ler o excelente artigo de Maria Inês Nassif, publicado aqui no JornalGGN. O que aquela primeira tentativa de remover o PT do Governo Federal revelou foi que o espúrio mecanismo envolvendo verbas públicas para financiamento de campanhas em troca de apoio parlamentar, prática nascida nos dias de José Sarney na presidência, permanecia como modus operandi.
Nunca houve por parte da classe de políticos, especialmente dos partidos chamados de centro – PMDB à frente – qualquer ação que não fosse passível de negociação por cargos, verbas e outros benefícios. É notável, nesse sentido, que Michel Temer tenha construído uma reputação de “articulador político” justamente por sua capacidade de distribuir cargos para obter apoio “político”. Se todos os partidos no poder desde 1985 fizeram dessa prática seu modus operandi, em nome de um pragmatismo na condução dos negócios públicos, então a política deixou de existir, foi morrendo aos poucos, e teve seu ferimento de morte quando Lula e parte do PT (a que efetivamente comandava esse partido, com José Dirceu à frente) aderiram a essa prática, repetindo o que Sarney, Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso fizeram (sim, sabemos que todos eles fizeram!)
Ao destacar a importância das três siglas PMDB, PT e PSDB em sua análise sobre o fim da Nova República, o articulista Leonardo Avritzer se esquece, ou não percebe, que a mudança fundamental foi a que ocorreu no PSDB desde os anos 90 do século passado. Lembremos que naquele ano de 2002 o país sofreu uma crise econômica de grandes proporções, decorrente do temor, alimentado pelo Governo Federal comandado pelo PSDB, de que o país entraria em um buraco caso o candidato Luiz Inácio Lula da Silva fosse eleito no final daquele ano. O “mercado” repercutiu prontamente essa ameaça e tivemos dias difíceis, com taxa SELIC a 45%, na época em que Armínio Fraga era presidente do Banco Central. A despeito disso, Lula foi eleito e o PT, contra todas as expectativas, assumiu o Governo Federal.
Com a derrota na primeira eleição de Lula, o que se esperaria de um partido verdadeiramente político seria uma reavaliação crítica da sua postura, de seu projeto político, enfim, caberia a pergunta: o que fizemos de errado, a ponto de não conseguirmos dar continuidade no comando do país? Essa reavaliação, se foi feita, nunca saberemos. O que sabemos é que o PSDB durante os últimos 13 anos só fez defender e exaltar os feitos da administração de Fernando Henrique Cardoso entre 1995 e 2002, como que a tentar fazer com que o Brasil se lembrasse de que aquela foi uma era de ouro, o melhor período da história do Brasil. Mas a imensa maioria dos brasileiros não conseguem é esquecer o quão difíceis foram aqueles anos!
Fora do poder nesses anos todos, o PSDB, com o apoio sólido da grande mídia, vem reafirmando qual ladainha sua postura ética (que o diga os ex-executivos da Siemens e da Alsthon!) e o sucesso dos anos de ouro de FHC. Com o mesmo empenho e ardor, essa agremiação partidária se mostra sempre afeita para detratar agressivamente tudo que a gestão petista realizou. Nenhum reconhecimento dos avanços realizados pelo Presidente Lula e, em certa medida, pela Presidente Dilma. Apenas a exacerbação dos insucessos. O que vemos é um partido que substituiu um possível projeto verdadeiramente político por um autêntico plano de poder.
Onde encontramos, ou em quem identificamos, a representatividade das minorias, dos trabalhadores, das classes sociais mais desfavorecidas na cúpula do PSDB? Não existem. O Partido da Social Democracia Brasileira, liderado por um ex-Presidente da República ressentido e por três candidatos derrotados em quatro eleições presidenciais, representa exclusivamente os interesses de poderosos grupos econômicos desse país (e do exterior) para os quais a economia deve ser conduzida exclusivamente de acordo com os ditames do neoliberalismo. Talvez a melhor definição da sigla PSDB seja: Paladinos da Suprema Dependência dos Banqueiros. (Aliás, dependência é um termo muito conhecido de Fernando Henrique Cardoso, mas ele pediu para nós esquecermos tudo que ele escreveu a esse respeito!)
Não há nesse momento, e deixou de haver muito antes de 2002, nenhum canal, nenhuma abertura para qualquer diálogo entre as lideranças dos partidos de esquerda, PT à frente, e do PSDB. Houvesse alguma possibilidade de entendimento entre esses antagonistas, o “centrão” e seu notório fisiologismo deixaria de exercer influência e se poderia vislumbrar uma mudança significativa na condução do Estado. Mas a política morreu, o que vemos é uma guerra pelo poder travada nos inúmeros bastidores da grande mídia, da Justiça, do Congresso Nacional e das entidades patronais contra tudo e todos que sejam identificados e compromissados com as aspirações da imensa maioria dos brasileiros.
Está claro que a cúpula do PSDB, esse partido que deixou de ser político para se transformar em seita religiosa devota do deus Mercado, é a fonte, a origem e o centro de toda o movimento golpista, com tentáculos em todas as instâncias e corporações envolvidas na desestabilização do regime político e na imposição dos preceitos neoliberais pelo presidente interino. Toda e qualquer ação de resistência ao golpe não pode ignorar isso.